sábado, 28 de dezembro de 2013

No virar da hora


Está quase...Todo o tempo é simbólico e, no entanto, estes momentos vão fundo dentro de nós. O que nos move? O que o move a si? E a mim? O que nos move em direcção a alguma coisa? E o que nos faz parar? Gosto desta palavra MOVE, movimento, por isso a escolhi para um novo ano. É vago para desejo de ano novo? Sim, não é para dizer tudo de uma vez, nem para fazer. É para se ir concretizando.

Bom ano de 2014!

~CC~



sábado, 21 de dezembro de 2013

Para quem passa...


A memória dos Natais é também a das agregações e desagregações familiares, gosto deles porque contam histórias e, se são histórias, nelas se incluem os buracos negros e os rasgões de luz. Os Natais estão longe de ser ou de terem sido lugares felizes mas são sempre e invariavelmente uma resistência à tristeza, a todas as tristezas que cada um de nós traz para essa mesa de Natal, às vezes até o luto por um país vem espreitar entre os doces e é em catarse colectiva que escorraçamos o pior. Outras vezes alguém perdeu outro alguém, houve uma separação ou há uma das crianças que não pode estar presente porque o pai invocou os seus direitos, alguém ficou doente, está em risco de perder o emprego ou simplesmente está desconfortável na sua pele. Nessas alturas não há nem silêncio nem barulho excessivo em torno da questão, ela vem à mesa com a naturalidade das outras conversas. No Natal passado dois de nós estavam separados de pessoas que ainda amavam mas com quem não conseguiam viver na paz necessária para assegurar a identidade própria. Somos assim, abdicamos mais do outro do que de quem somos. Todos sabiam que sofríamos mas não nos enchiam de mimos lamechas. Este ano há mais alguém que vai emigrar porque perdeu o emprego, sairá logo a seguir ao Natal e é pai de um filho pequeno, meu sobrinho. Ao mesmo tempo as duas separações resolveram-se e as pessoas estão juntas outra vez e sei que não apenas esses casais mas todo o resto da família se congratula por isso. 

A sobrevivência da minha família poderia assim contar-se pela sucessão de Natais e acho que é por isso que nunca perdi nenhum, nunca em momento algum, em dia nenhum, deixei de estar com a minha mãe e com as minhas irmãs, é feito de mulheres o núcleo duro desta família, embora os homens sejam um elo muito bom também. É como se quisesse registar o modo como perdemos e ganhámos maridos, filhos, enteados e cunhados, creio que se marcasse no calendário os anos, poderia dizer quem éramos, onde estávamos, com quem estávamos. A minha filha é igual a mim, podem as outras primas passar meio dia ou meia noite com os respectivos pais, outras partes da família, já ela não, aqui é o lugar dela. E sabe que pode trazer quem quiser.

Até agora nós, este núcleo duro de quatro mulheres, agregamos quem vier mas não nos desfazemos, creio que isso é fruto dos tempos complicados que passámos porque o passado não é apenas o tempo já ido, é qualquer coisa que entra no sangue e fica na pele, já não o estamos a viver e os seus ecos ainda permanecem. Desde há uns anos atrás comecei a guardar e a repetir as receitas da minha mãe pois ela já não as consegue fazer, claro que sempre com receio de falhar. Mas como nesta família a tradição é feita de reinvenções, introduzi outras coisas que ela não fazia e que nem sequer são tipicamente portuguesas nem natalícias. Prezo essa liberdade de podermos mudar tanto quanto o gosto de herdar o que vem de trás.


Desejo a quem passa por esta rua um Natal à medida do que o faz feliz.
~CC~


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Pequenas notícias dos vizinhos



Na última semana não soube qualquer notícia sobre Portugal. Aqui mesmo ao lado, Portugal é um país invisível. Na universidade de Salamanca há estudantes de medicina, nada mais. Não é pelas melhores razões, é porque no nosso país as médias de ingresso são absurdas. As relações de vizinhança parecem-me pouco investidas a todos os níveis. Um miúdo de 10 anos numa escola que visitei fez-me uma pergunta interessante: vocês aprendem espanhol na escola? Lá expliquei que numa minoria delas sim, era possível ter essa opção. Já estudantes brasileiros, pagos com bolsas nacionais e estaduais, há em todos os cursos e a concluir uma série de graus e têm um centro para a promoção destas relações académicas entre os dois países.

Para além de Salamanca ser uma cidade monumental, calma, limpa e organizada (bem sei que nem toda a Espanha é assim) gostei muito de outras duas coisas: o ensino de nível primário tem 6 anos como em quase toda a Europa, os miúdos permanecem nas suas localidades esse tempo e depois vão para as escolas grandes das cidades maiores.  É tempo de crescer e de dar o salto, mas até aos 12 vão a pé de casa para a escola.  Os bairros residenciais têm todos um centro cívico, os construtores têm obrigatoriamente que o incluir no plano da urbanização. São as casas do povo modernas, a verdade é que são geridas pelos moradores e aí se fazem as festas de aniversário das crianças, as reuniões de bairro, funciona o grupo de teatro amador ou se encontram os mais velhos para dois dedos de conversa. Esta promoção da vida comunitária é feita tanto em bairros sociais como em bairros de vivendas de classe média ou mesmo média alta. O bairro em que estive seria quase considerado de luxo em Portugal, por isso fiquei mesmo espantada por saber que tinham uma equipa de futebol e um grupo de teatro. Para mais tarde deixo o projecto que visitei, exemplar em termos do incentivo à participação cívica das crianças. Certo é que mal cheguei já estava a participar num programa de rádio em que eles eram os principais promotores. E sobre quê? O título era: conhece os teus vizinhos. Não, não eram os vizinhos de outros países que tanto atraem por algum exotismo. Eram mesmo os que moram na casa do lado e que mal conhecemos.Como vizinha, lá tive que me fazer entender no meu castelhano altamente deficitário...mas quando queremos comunicar, de tudo nos socorremos.


~CC~







quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ezequiel e Tatiana



Querido Ezequiel

Esqueci-me de trazer o chapéu, julgo que esse lapso se deve a saber que o teu não viajaria a meu lado por estas belas ruas de pedra luminosa.

Recordo o teu beijo na Plaza Mayor, como treinámos para unir as bocas sem tirar os chapéus. Será assim sempre que cruzar a praça. Estava este mesmo frio e comprámos tangerinas, aqui, no mesmo lugar onde estou, bebi das tuas mãos cada gomo. A minha memória é construída de pinturas vivas, emergem dos passos que vou dando. O céu estava nublado nessas noites, choveu, quase nevou. Hoje a lua estava no centro da praça, pendurada no ceú nocturno a sorrir.

Serás o meu cigano nesta cidade e eu a tua rapariga russa, esse casal improvável que com passaportes portugueses cruzou fronteiras, atravessou dores, destruiu muros, mergulhou nas pontes. Que o tempo nos guarde e proteja.

Tua Tatiana

~CC~

domingo, 15 de dezembro de 2013

O gosto da liberdade

Retirada de : www.leme.pt

Uma imagem estranhamente familiar, parece um recanto da costa portuguesa. Mas não é. É a Irlanda. É um país outra vez no seu primeiro dia, aquele inteiro e limpo de que falava a Sophia. Um dia que para nós tarda. Sabemos o nome de quem toma outro por refém, privando-o da sua liberdade. Dizem os sequestradores amiúde que queriam o bem da vítima, se tendencialmente mais loucos, invocam a protecção como intenção. E se é um país inteiro? Se o bem invocado parece estranhamento multifacetado, capaz de parecer ao mesmo tempo a salvação e a ruína?

A Irlanda....Nem programa cautelar, mais uma vez acenado com lenço branco e falas mansas, nem nada mais, eles querem aguentar-se sozinhos. Se é tão bom se ser ajudado e apoiado, parece estranha a alegria a deles, não é? Porque não se deixam estar nesse conforto de receber mais um dinheirinho? De se manter sob protecção?

 Alguém se lembra de começar a andar? Do modo como era tão bom alcançar o brinquedo que desejámos, passear pelo parque procurando apanhar as pombas, agarrar um fruto e comer?

~CC~



sábado, 14 de dezembro de 2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em movimento


Desta vez sempre por estrada, muitas distâncias a percorrer, cruzando do sul ao norte. Do Algarve a Salamanca e de Salamanca ao Algarve, há muito que a minha vida é nómada, sempre que penso que vai abrandar, torna-se mais intensa. Abraços que já tardam e beber das coisas o mais que puder é o programa.

As viagens são normalmente coisas boas, embora o turismo de massas seja um monstro com duas caras. De um lado dá, do outro suga e tira tudo. Por isso prefiro as viagens em que do outro lado está um amigo, as missões de trabalho, os trilhos com um certo sentido. Em Florença esperei longas horas para me desiludir ao vivo com partes das obras que no meu imaginário eram beleza pura.

Depois de olhar para este mapa lembrei-me das outras viagens, as que se fazem em fuga. No ano lectivo passado trouxe à minha escola o grupo de teatro de refugiados do ACNUR e as distâncias palmilhadas eram histórias de dor e resistência. Quase nada sabemos sobre estes refugiados que vivem em Portugal, assim como nada sabemos sobre os Sírios que na Guiné Bissau viram no avião da TAP a própria vida. Tanta indignação para quê? Quem não faria o mesmo para salvar a sua própria vida? Passaportes falsos e depois? Quem não os compraria para fugir da guerra? Tratados, tantos tratados...e em prol de quê?

~CC~




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Sobreviventes


Essa arte de navegar nas correntes.

Hoje eu sei claramente que uma queda pode, a meio do precipício que pronuncia a morte, se tornar num voo azul. Até o amor pode ser assim, salvar-se milagrosamente em plena queda. Depois fortalece-se, modifica-se.

Ouvir o outro sem deixarmos de nos ouvir a nós mesmos. Essa paragem da escuta, esse minuto de silêncio no sentir do outro. Aprendi três coisas importantes na vida, afirmar-me falando, calar-me, ouvir. A última foi a mais difícil, ainda aprendo.

Ontem trouxe uma convidada a uma aula, excelente perfil técnico, lugar de topo, perfil sem falhas. Faz gestos quando fala, desloca-se pela sala, tem ênfase nas expressões. Parece cumprir o modelo perfeito de comunicação. Mas não se calou um minuto só, falou tão incansavelmente que nos cansou. Desliguei várias vezes. Se eu o fiz, imagino os mais jovens. Esqueceu-se do outro, ela também desligou, ficou só consigo, com o que tinha para dizer. Sou hoje incapaz de falar e de escrever sem silêncios. 

Andam fortes as correntes e tenho que procurar vários modos de lhes sobreviver. Às vezes viajo simplesmente encaixada dentro de um búzio. Às vezes escondo-me nas rochas. Às vezes salvo-me enrolada no teu abraço. 

Estas correntes fortes num país tão frágil.

~CC~


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Agrestes Segundas


Imagino que podia transformar-me numa poeira viajando na brisa, uma transparência alentejana em final de Verão, um ventinho de ondular searas.

Isto acontece-me quando é Segunda Feira, as aulas começam às 9h e o corpo me dói, arrastá-lo é como levar uma pedra montanha acima. Envelhecer deve ser este sentir cortante das Segundas Feiras. Além disso as pessoas que levam as enxaquecas a passear para o trabalho e as tentam afogar a cada minuto deviam ter homenagens organizacionais adequadas.

Duas aulas compridas e sorrisos no meio da dor, isso devia render-me um raminho de flores do campo ao final do dia. Insensíveis organizações.

~CC~

sábado, 7 de dezembro de 2013

Do ciúme severo ao ciúme ligeiro...



Ainda me lembro do meu espanto quando começaste a ver com gosto programas de culinária. Fui ver. Era a moça de grandes olhos pretos e lábios carnudos. O modo como ela era tão dengosa a bater claras, lambia os dedos dos restos das massas de bolo e sorria com todo o corpo sempre que apresentava a sua obra.

Lembro-me de atentar contra um dos mandamentos e sentir inveja. Não é que a moça tinha posto os homens deste país na cozinha? Tantos anos de luta feminista pela repartição mais igual das tarefas domésticas tinham esbarrado em indiferenças várias e bastava uma morena para os colar à aprendizagem das receitas. Bonita, talentosa, rica. Mas não era ainda o suficiente, amiúde falava dos filhos e eles às vezes apareciam nos programas e falava também do marido e dos seus pratos preferidos. Havia assim ainda mais: uma família tão linda como a moça. Sabemos que o ciúme é mau e atiça o pior de nós mas não queria tanto, não me apetecia nada vê-la exposta em público como o contrário da perfeição anunciada. O marido maltratava-a, amiúde consumia cocaína, as colaboradoras enganaram-na. Só falta agora as marcas começarem a retirar-lhe os utensílios de cozinha como fazem com os desportistas apanhados pelo dopping. 

Não, o meu ciúme ditava coisas mais ligeiras como cair-lhe um cabelo no prato, as cascas de ovo nas claras,  ter uma nódoa no avental. Agora arrependo-me daquela dor no peito quando ele ficava a fazer de conta que decorava a receita de salada grega ou se espantava com as maravilhas do queijo azul. Resolve lá isso moça, estás quase perdoada.

~CC~

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Resistências


Mandela fez-nos acreditar na humanidade. Deixem-no agora em paz, temo que não o deixem descansar e lhe ergam altares de ouro que ele não quereria. Por mim deixo-lhe uma canção. De um resistente a outro resistente. Sorrisos meninos que nos fizeram melhores a todos.


~CC~

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Essa menina


Essa menina Teresa que é professora de mão cheia, animadora de quatro costados e brinca a valer com os ditados...


O prometido é devido...

Deves estar confundido
porque eu nada prometi
e nada estou a dever

Tu é que prometeste
dar-me a lua, se eu quisesse
e eu não estou a ver.


Mais vale um pássaro na mão
do que dois a voar

Embora eu perceba
o sentido da lição

prefiro dois a voar
a ter um preso na mão!


Teresa Martinho Marques - do seu livro "Provérbios repenteados", onde há mais, muito mais...


Ainda tem um blogue: http://tempodeteia.blogspot.pt/ e arranjou tempo para uma tarde de histórias encantadora com os estudantes da minha escola. No fim pediram para eu a contratar! (ah, se eu pudesse)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Brilho



As conversas de gabinete com os alunos são quase sempre uma parte boa do dia. Hoje, uma trabalhadora estudante de cerca de 30 anos dizia-me com convicção: eu já descobri, eu agora sei bem o que quero fazer. Vi-lhes os olhos a brilhar e fui incapaz de o desfazer com a brutalidade da realidade com a qual lidamos.

~CC~

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Em desarrumação constante ou notas de momentos felizes


O tempo passou e não trouxe para as palavras os músicos que desde 1987 não se reuniam e voltaram a tocar no sábado, depois de seis meses de ensaios.

O tempo passou e não trouxe para as palavras a restauração revolucionária que fazemos aos afectos no lugar da Igrejinha, num Alentejo de sol e frio.

O tempo foge das coisas importantes para nos aprisionar no jugo profissional que tudo devora como se fosse o mais importante. Vejo-te no computador, vejo-me no computador, do outro lado estão os nossos alunos. E tudo o que eu queria com eles, para eles, seria podê-los fazer entrar nessa maravilha que é a reunião dos músicos velhos e dos doutorados com costela hippie. Não se trata de fazê-los entrar nas nossas vidas mas de lhes mostrar que têm que se entregar à vida. E a vida só é boa quando se constroem nela momentos felizes que da felicidade eu fujo, é um estado em que não acredito.

Os músicos velhos deixaram as vozes límpidas de outrora e agora tocam instrumentos com rugas, riem-se dos erros tanto como se zangam com eles e ficam engraçados no limbo em que renasceram como amadores profissionais. Viajam pelo país na esteira das recolhas populares de um povo que não temos certeza que ainda exista e cante. Sabemos agora mais do seu choro, do seu lamento.

Os doutorados que se encontraram quando ainda não o eram e partilhavam um terreno sofisticadamente académico e avesso a abraços, parecem agora uns miúdos, atropelam-se para falar, argumentam alto demais, deliciam-se com a comida, plantam-se à lareira e trocam folhas de cancioneiro para cantar e bailar.

Já alguma vez deixei aqui o meu manifesto sobre as coisas híbridas? Sim, gosto delas. Gosto tanto delas. Tudo o que é demasiado certo, arrumado e equilibrado me desapaixona. E estou em desarrumação constante, sempre à procura de alguma coisa mais.

~CC~