quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O rapaz, o skate e o cão



Um dia de chuva com boas abertas. Ele espera um bocado até a chuva passar e depois sobe a pista dos ciclistas. Deixa-se descer pela rampa, é tão fácil, é tão bom. Hoje nem tenta piruetas nem lances arriscados, quer só dormir a sesta a rolar no skate. O cão, esse rafeiro branco e preto que conseguiu alimentar na rua durante dois anos... O cão não corre atrás dele pela pista, dá a volta pela relva e vai esperá-lo no fim da rampa. Quando ele sai do skate o cão ampara o deslizamento até à rua, é a vez dele de brincar. São um trio de compreensão completa e estão sozinhos no mundo nesta tarde de chuva com boas abertas. A tristeza deles é parecida com a alegria, é-se triste por ter vinte e um anos e nada que possa ser melhor que isto. É-se alegre por se ter isto, alguma coisa inventada para cortar o tédio, para movimentar a alma ao sabor de um corpo lançado sobre pequenas rodas. Ali mesmo ao lado é a Universidade, ainda tentou lá andar. Não tinha contudo pernas para estar tanto tempo sentado, nem olhos para ler tantas apresentações power point. Nem sequer chegou a acabar o 1º ano, arranjou um biscate a colocar panfletos nas caixas de correio. Depois outro e outro até chegar ao nada. As tardes todas para andar de Skate, uma alegria, uma tristeza. Sem lágrimas, um abraço no rafeiro.

~CC~

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

As listas



Também adoro listas. Do que nos é essencial. Do que ainda vamos precisar. De coisas por concretizar. De lugares para visitar. Quanto mais futuro tem uma lista melhor, mas à medida que envelheço, algumas listas têm uma boa dose de passado.

É o princípio do novo CD de Cristina Branco. Treze músicas que lhe são queridas.



Treze coisas que mudaria em Portugal?

~CC~

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Em corrida

Foto da minha amiga CG numa loja setubalense.

Suspeito que esta semana este anúncio se cola à minha vida.
~CC~





sábado, 25 de janeiro de 2014

Um futuro de fronteiras



Começa devagar, não parece mal, até tem objectivos positivos. Começa por ser uma distinção entre turmas, graduando-as por diversos níveis, é mais fácil para o professor do que os ter todos misturados. Também é possível ter uma turma de níveis negativos a funcionar em paralelo com a normal, naquela hora específica são retirados da sua turma normal para as disciplinas nucleares. Mais tarde talvez eles possam ir para outra escola, uma só de níveis negativos. Primeiro não será uma escola de níveis negativos a nível de 1º ou 2º ciclo, não, apenas para o 3º ciclo. Mas depois, com o tempo, vamos descendo até escolas de meninos A e de meninos B logo a partir do pré escolar. Cavam-se fronteiras, cada vez com melhores intenções e nomes mais politicamente correctos. Chegará um dia em que os filhos dos mais pobres já nem precisarão de escola. Andamos a recuar ano a ano, ainda chegaremos à pré história.

~CC~

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Trilhos de silêncio



Estás ainda aí? Há mais de um ano que não te vejo. 
Acredito, porém, que tu e eu gostamos um do outro para sempre. Acredito nisso muitas vezes, enquanto noutras acho que já morreu o cheiro das maçãs verdes do nosso adolescer e nada trará isso de volta.
Não precisava de te ver muitas vezes, só mais algumas, és tu apenas que me chamas por um diminutivo. carinhoso e me apertas num abraço sem qualquer pudor.Não houve telefonemas nem mensagens de ano novo, contentei-me dizendo-me que nós não precisamos disso, são formalidades que dispensamos. Mas senti alguma falta.

Estás ainda aí? Vieste como foste? Da última vez fui eu a escrever-te e sem reciprocidade não há amizade que subsista. Vieste afinal buscar o quê? O sopro de uma palavra. O meu entristecer suave. O meu sangue tão próximo de outro sangue. Uma beleza que inventaste para me tornar mais bonita. O meu desejo de aldeias, o ritual das amendoeiras em flor. Nunca soube se amizade era o nome verdadeiro do que procuravas. Vieste, talvez já tenhas partido.

Os silêncios dos amigos. Com o tempo aprendi a perdoar o silêncio dos amigos, a imaginar que há sempre um motivo para que alguém que gostamos desapareça do horizonte assim como apareceu. A pensar que não desaparece, dorme um longo sono e logo acordará dentro de um abraço. Às vezes desejo esse abraço com uma força devastadora e de outras eu própria me esqueço do sabor que tinham.

Nunca soube como morrem as amizades porque apenas uma vez na vida tive uma amiga que veio veloz e desapareceu com igual rapidez. A maior parte permanece e outros foram levados quando virámos num cruzamento em sentidos diferentes, sem que ninguém tivesse parado para pensar para que lugar essas estradas nos levavam.

Só não choro mais pelos vossos silêncios porque o ruído habita em excesso a minha vida e falta-me recolhimento, falta-me paz. Outra lua e talvez possamos conversar.

~CC~






segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Um bando de caramelos no Estuário


Muitos anos a amassar pão para a semana inteira, qualquer coisa que a memória não pode esquecer. 




Para eles a sensação de não ir comprar feito, o gosto é bem outro.


Quase um mês depois da primeira actividade do projecto, experimentámos uma actividade para adultos e à noite. A sala ainda estava vazia, felizmente depois encheu.



A sopa caramela não pode ser confeccionada por todos, como planeámos. A chuva intensa cortou todo o circuito previsto entre a casa do forno e o Moinho. O público aguentou, no entanto, a trovoada (imaginem o efeito junto ao estuário do sado) e ficou para provar. Valeu a pena, estava deliciosa. Pode parecer-vos ridículo mas muitos dos jovens não sabiam que o feijão tem que se colocar de molho de um dia para o outro. Falo destas coisas pequenas e concretas porque as outras aprendizagens não podem ser contadas em poucas palavras.

E nessa noite ganhei um marido, mas isso são outras histórias.

~CC~








quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Os meus lugares (3)



Ouvi dizer que iam fazer sopa caramela e dar uma tigelinha a cada visitante!
Além disso alguns vão ler um poema em público pela primeira vez...
Apareçam.

~CC~






quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Melancolia


Estes fins de tarde de adoecer de Inverno exigem uma música a combinar, um verdadeiro antídoto para a febre não subir e o corpo não se deixar ficar por aí entregue a uma avalanche viral.



Um arrepio cortado a chá de limão, uma cidade que anoitece.

~CC~

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dois abraços



No final de um semestre os estudantes estão extenuados e os professores também, qualquer coisa parece poder desequilibrar uns e outros, parecemos caminhar numa corda bamba num país ele próprio à beira se se precipitar no mar. Esta sensação deixa-nos na proximidade do vazio.

Depois há coisas pequenas que transformam a sensação de fracasso num minuto de lume e tudo parece afinal fazer sentido. Ontem duas pessoas choraram junto a mim, uma professora e uma aluna. Cansaço, raiva, tristeza.  Uma pessoa da família entrou numa espiral de angústia. Senti-me inquieta, perturbada mas a activar todos os mecanismos de defesa para entrar na fragilidade delas sem me partir também.

Hoje recebi dois abraços a pronunciar lua cheia, uma aluna também se agarrou a mim a chorar e a rir ao mesmo tempo, tem pouco menos da minha idade e um percurso de vida incrível, de muita luta, tinha acabado de cumprir uma prova com êxito. Uma colega abraçou-me porque lhe tinha feito um favor pequenino, de quase nada. 

Andamos cansados. A minha pela está branca e baça e não me sinto bonita.

Mas ganhei dois abraços hoje, até o espelho se riu para mim.

~CC~






sábado, 11 de janeiro de 2014

Banhos de água doce



Nunca tomaste banho num rio? Não, nenhuma das quatro raparigas de 20 anos sabia o que significa entrar na água escura, afastando os alfaiates e tacteando com os pés os lugares menos lodosos. São meninas de mar e fizeram uma careta quando lhes falei em banhos de água doce, em entrar por dentro de um rio. Também tive esse arrepio, esse quase nojo, essa tamanha hesitação. Deixar de ver cada parte mergulhada na água como se tivesse desaparecido do nosso corpo, nenhum azul, nenhum sal.

Mas alguns açudes deram-me o que o mar nunca me deu, uma sensação inebriante de silêncio no meio da natureza, o corpo desnudo inteiramente livre entre a água, as folhas das árvores a dançar na brisa ligeira sempre que boiava, nenhuma onda para me assustar. Não sei o dia em que deixei de sentir revolta por me terem arrancado à minha terra natal mas tenho a certeza que os rios foram um elemento chave da minha reconciliação com este país. Naquele tempo não eram como agora tão habitados, talvez porque não soubesse deles pelos folhetos turísticos mas sim pelas vozes da comunidade em que me alojei uns tempos, alguns Verões da minha vida. Verões de intensa aprendizagem para quem vinha de um meio urbano, na verdade das então chamadas urbanizações. Nunca tinha apanhado amoras, ido a um baile de bombeiros, subido pelos corta fogos, afastado as moscas para comer uma peça de fruta.

Os primeiros banhos de água doce foram tormentosos, um teste a tantos medos. Agora parece-me impossível não me ir deitar dentro de um rio de quando em quando.

~CC~

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Os meus lugares (2)


Moinho de maré da Mourisca.
(foto da página da CMS)
Hoje maré vazia e céu bem mais escuro.Também não é vulgar ver por lá estes barcos. A D. Luísa ensinou os jovens meus alunos a fazer pão. Quase nenhum tinha alguma vez posto as mãos na massa. Como se cresce sem sujar as mãos na farinha?

~CC~


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Despidos de máscaras


Contam-me como eu era antes de achar que podia compreender todas as pessoas. Era directa, frontal, incapaz de sorrir a quem não gostava. As histórias da minha adolescência fazem ainda hoje rir a família, como não dar dois beijos a um tio que detestava por ter quase a certeza que maltratava a mulher. Mais tarde, mercê de uma educação política misturada com teatro-drama, quis mais do que mudar o mundo, mudar o mundo de cada um que comigo se cruzava. Também me rio com as amigas dessa data, era uma quase adulta que se julgava poderosa e tudo arrastava em seu redor. Nunca mais tive as certezas dessa altura e às vezes tenho saudades.

Depois estudei Psicologia e fui envelhecendo. E à conta disso e duma vida profissional muito cheia de gente aprendi a cumprimentar pessoas só por cordialidade, polidamente, mesmo não gostando por aí além delas. Em alguns casos sabia que pouco ou nada gostavam de mim e que se pudesse me retirariam da objectiva dos seus olhos, mas achava que tinha que ser melhor que elas. A mistura entre o misticismo paterno e a Psicologia amaciou-me, se calhar até me melhorou mas tirou-me energia primordial. Sou quase incapaz de gritar e de pedir o livro amarelo de reclamações. Há pouco tempo uma funcionária cometeu um erro que me prejudicou claramente mas não fui além de um protesto morno, não dormiria se soubesse que ela teria sido despedida por minha causa.

Hoje não sei o que me aconteceu mas fui incapaz de desejar bom ano a pessoas que não nutrem por mim respeito e muito menos carinho, nem eu por elas. Ao mesmo tempo que fiquei satisfeita por ter tido essa coragem, por ver que por eu o assumir, eles também assumiam atitude idêntica. Tudo claro e é bom assim. Não gosto mesmo de faz de conta. Mas ao mesmo tempo doeu-me assumi-lo com frontalidade, os rostos assim nus, despidos de máscaras, podem ser incrivelmente assustadores. Tenho pesadelos às vezes e sei que eles vão aparecer.

~CC~



segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Rostos velhos no espelho



Ela é uma velha urbana que nunca sai sem colocar o seu batom rosa pálido, um toque discreto mas ainda assim poderoso. Custou-lhe ir perdendo a beleza mas ainda se olha no espelho a cada entrada no elevador e o que vê ainda lhe agrada. Sai para ir às compras, às lojas, ao café bebericar o seu abatanado, já teve mais amigas a ir com ela, foram adoecendo e deixando a rua, quase só ela persiste. Tornou-se exigente em tudo, zanga-se com a empregada, com as filhas, com as senhoras que a atendem na loja. É uma zanga que exorciza, que deitada cá para a fora a mantém ligada à corrente e poderosa. Tudo nela é urbano, destesta o campo e as coisas antigas com o mesmo vigor que adora as luzes brilhantes das ruas de Natal. Na doença eminente fraquejou por vezes mas a morte nunca foi opção, há sempre um motivo mais para mais um aniversário. Ainda lança uns olhares sedutores se se cruza com ela um velhote giro. Não pensemos que não passou ou não passa necessidades mas sempre as soube bem esconder. A cegueira ronda-a mas ela dá-lhe luta sem tréguas, mesmo considerando-a a maior das tragédias, às vezes não sei se é incapacidade funcional que a transtorna ou a impossibilidade de se ver no espelho do elevador.

Ele é homem e viveu toda a vida no mundo rural, as suas mãos, mesmo lavadas, ainda mostram os sinais da terra. A sua validade e utilidade como homem reside nos produtos que aprendeu a semear e a colher e se calhar nunca lhe ocorreu a palavra amor para conjugar com a profissão mas apenas a palavra obrigação. A honestidade da sua vida está na quantidade de coisas que conseguiu erguer a partir de um pedaço de terra que nem sua era, só muito mais tarde viria a chamar de seu um pedaço de chão. Um homem no mundo rural não tem reforma, só pára quando a doença o impede e se assim acontece põe-se logo a chamar pela morte. Um homem inútil no campo é como um animal que não dá mais crias e cuja carne de tão dura já não se pode comer, é como uma árvore que ganha uma maleita e que depois de várias curas ainda mostra o tronco escuro e não dá fruto. O abate dos seres vivos com sentença de morte é uma coisa tão natural que não há nada que impeça o homem de pensar em si do mesmo modo. A sua tristeza é pior que a sua doença e não é possível animá-lo com mentiras, ele sabe que não voltará a ser como antes. 

Estes mundos são tão antagónicos e não sei a qual deles pertencerei quando for velha. Por ora preocupo-me com estes velhos que sei que não são apenas os meus e que se reproduzem por aí nos pais de tanta gente. E, se antes as lágrimas me ocorriam às vezes quando pensava nela, tornam-se agora quase inevitáveis quando penso nele. 

~CC~





domingo, 5 de janeiro de 2014

Domingo de adiar o regresso da chuva



E a casa ficou vazia e em silêncio. O calendário uma enorme incógnita e na cama os lençóis pretos recém comprados, a vaga esperança que os venhas experimentar, deixaste por aí um sorriso a piscar o olho a festas de pele quente.

A voz cheia de palavras doces até parece capaz de adiar o regresso da chuva.


~CC~

sábado, 4 de janeiro de 2014

Acrescentar gente à vida


Que não me falte a força na busca de lugares novos, trazendo pessoas antigas para lugares novos e pessoas novas para lugares já antigos. Que eu seja o rio que ainda corre pujante e possa ser também o pássaro que repousa a fadiga nas suas margens. Que esteja do outro lado da câmara sempre alguém capaz de me amar com todas as nuances que o verbo pode implicar. Tu e ela, sobretudo.


E mais além, mais adiante, me encante com a paisagem de tal modo que me sinta a própria árvore. Quantas vezes o desejo de fusão é a tradução do encantamento.

Mas me maravilhe ainda mais com o ser humano, não como obra acabada e habitada apenas pela bondade mas também como ser capaz de gritar, dominar as trevas, deixar correr a indignação. Enfrentar, dizer, saber ganhar, saber perder, não desistir. É só mais um ano. Não, não é apenas mais um ano. Nunca foi. Cada um deles foi sempre qualquer coisa mais. 



Nós também somos produtores com as nossas mãos de sensações de cor, de artes de saboreio, de transformação dos elementos, eles e outra coisa ainda nas nossas bocas. Ver como criamos aproveitando estes intervalos de trabalho é de soberbo alimento. Não trabalhar durante algum tempo, como é bom.


Com a nossa idade são raras pessoas como nós, prontas ao desconhecido que é o outro, à juventude que os outros trazem, à diferença que comportam, à aventura que é passar o ano entre gente que mal se conhece. Acrescentar gente à vida, como sempre foi, mais que nunca. Não é a revolução, ainda assim, pode ser que seja.


~CC~