terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Despidos de máscaras


Contam-me como eu era antes de achar que podia compreender todas as pessoas. Era directa, frontal, incapaz de sorrir a quem não gostava. As histórias da minha adolescência fazem ainda hoje rir a família, como não dar dois beijos a um tio que detestava por ter quase a certeza que maltratava a mulher. Mais tarde, mercê de uma educação política misturada com teatro-drama, quis mais do que mudar o mundo, mudar o mundo de cada um que comigo se cruzava. Também me rio com as amigas dessa data, era uma quase adulta que se julgava poderosa e tudo arrastava em seu redor. Nunca mais tive as certezas dessa altura e às vezes tenho saudades.

Depois estudei Psicologia e fui envelhecendo. E à conta disso e duma vida profissional muito cheia de gente aprendi a cumprimentar pessoas só por cordialidade, polidamente, mesmo não gostando por aí além delas. Em alguns casos sabia que pouco ou nada gostavam de mim e que se pudesse me retirariam da objectiva dos seus olhos, mas achava que tinha que ser melhor que elas. A mistura entre o misticismo paterno e a Psicologia amaciou-me, se calhar até me melhorou mas tirou-me energia primordial. Sou quase incapaz de gritar e de pedir o livro amarelo de reclamações. Há pouco tempo uma funcionária cometeu um erro que me prejudicou claramente mas não fui além de um protesto morno, não dormiria se soubesse que ela teria sido despedida por minha causa.

Hoje não sei o que me aconteceu mas fui incapaz de desejar bom ano a pessoas que não nutrem por mim respeito e muito menos carinho, nem eu por elas. Ao mesmo tempo que fiquei satisfeita por ter tido essa coragem, por ver que por eu o assumir, eles também assumiam atitude idêntica. Tudo claro e é bom assim. Não gosto mesmo de faz de conta. Mas ao mesmo tempo doeu-me assumi-lo com frontalidade, os rostos assim nus, despidos de máscaras, podem ser incrivelmente assustadores. Tenho pesadelos às vezes e sei que eles vão aparecer.

~CC~



2 comentários:

  1. Talvez pela primeira vez, também eu este ano tive uma coragem semelhante: não ofereci presentes a algumas pessoas, não desejei boas festas nem visitei outras. Senti que devia ser coerente para ter alguma paz interior.

    Votos renovados de um bom ano. Beijinhos

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  2. Como nos compreendemos assim uma em cada mar :)
    Beijinho
    ~CC~

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