quarta-feira, 28 de maio de 2014

Modos de lotear



Os mercados de rua estão na moda, já não são mais os dos feirantes das carrinhas Ford Transit que tinham na memória os dias de feira de cada terrinha e dormiam entre aldeias, perto dos pontos de água mais próximos.

Também já não são os mercados pós 25 de Abril, cujo expoente máximo foi a feira da ladra, onde tudo se vendia em modo hippie chic e se passeava alegremente mesmo sem nada comprar.

Tudo se refinou, alterou, entrando em modo de fusão, em identidade difusa, múltipla, recomposta. Até o nome mistura línguas diferentes. Nada como ir lá para compreender.


~CC~

terça-feira, 27 de maio de 2014

Não é assim tão longe...



Paquistanesa morre apedrejada em nome da honra da família



Enquanto tememos que chegue à Europa o terror causado pela intolerância, ele já anda há muito espalhado por muitos cantos do mundo.

~CC~



sábado, 24 de maio de 2014

A burocracia chegou às fitas



Os estudantes têm o costume (prefiro chamar assim a tradição porque tradição é outra coisa) de convidar um professor para os acompanhar na subida ao palco durante a queima das fitas. Temos que ler um discurso que deve estar centrado nos três anos de licenciatura que partilhámos com eles e no futuro que os espera. O futuro que os espera tornou-se a parte dolorosa do discurso. Tenho sempre um grande dilema por não gostar nada da cerimónia mas gostar deles e perceber que lhes é importante ter um professor com eles naquele dia.

Dantes eles vinham falar comigo e pediam usando um tom doce de convencimento que tornava a recusa quase impossível. Depois começaram a enviar o convite via mail da turma. E este ano, o mail nem veio deles mas sim da Associação Académica. Uma missiva com ar de papel selado, sem um pingo de sentimento nem de humor, um mero convite burocrático. Agradeço-lhes porque a impessoalidade facilita bastante a minha recusa. Chegará o dia em que enviarão convites destes pelo Facebook? Consta-me que é desse modo que muitos familiares se felicitam pelos anos.

~CC~

quinta-feira, 22 de maio de 2014

E às vezes o vento é tão forte



Vivi e vivo demasiado depressa, não guardei fotos, guardei poucos nomes, esqueci mais. Alguns períodos da minha vida pareço ter eliminado tão fundo que parecem não ter existido. Os dolorosos, aqueles em que fui frágil ou menos esperta. Devo ter aprendido a apagar coisas muito cedo, toda a gente sabe que é assim que se sobrevive à dor. Certas partes da minha infância desapareceram, a escola, por exemplo. Não me lembro de andar na escola, apenas uma ou duas imagens difusas.

Fiquei surpreendida hoje com a minúcia com que um colega reconstituiu a sua história de vida, eu, quando me reformar (se algum dia chegar a fazê-lo) não serei capaz.

Comecei a perder coisas no dia em que saí de Angola com uma família que trazia apenas duas malas de roupa. Nunca mais quis ter nada, nunca mais valorizei ter coisas. 

Gosto muito desta cidade onde vivo mas se tiver que sair desta casa amanhã, sou capaz de fazer uma mala de roupa e nada mais. Não chorarei por esta serra, por este mar. Só meia dúzia de pessoas me fazem falta, conheço cada vez mais gente e cada vez menos gente me faz realmente falta. Talvez isto possa parecer frio, mas acho que é apenas uma maneira de me proteger.

Hoje também estive com gente que não tem nada. Um deles disse que tinha o seu talhão na horta social, era a única coisa sua. Mesmo assim o colega que a deixou para ele, podia voltar. Quando penso nisso sei que tenho uma casa para onde voltar, um lugar, um abrigo. Preciso só de abrigo. E às vezes o vento é tão forte.

~CC~




terça-feira, 20 de maio de 2014

De vestido comprido



A moça dança com o seu vestido comprido preto e lábios vermelhos a combinar com a faixa vermelha. Treinam há meses para dançar esta valsa no término do Ensino Secundário. Ele traz uma gravata vermelha a combinar com a faixa dela. São bonitos os dois. Na semana anterior a vida parou em torno dos pormenores: o penteado, as unhas, os adereços. As minhas limitações ficaram evidentes diante de mim, pouco ou nada habituada a estas andanças femininas, não tinha muito para aconselhar e assistia mais ou menos espantada a este eclodir das borboletas numa Primavera que estou longe de conhecer. Passei a minha adolescência do lado do contra, vestida de saias compridas e a deixar que a única cor possível para além do preto, azul e cinzento fosse uma pitadinha de roxo. Não tive rituais,coloquei-me deliberadamente de fora de tudo o que era apreciado pelas maiorias, não dancei disco, enfiei-me num teatro onde construí uma comunidade à prova de bala e saí de lá na entrada da idade adulta, sufocada, a precisar de respirar o ar do comum dos mortais. 

O que faço é tactear este mundo que não me fascina mas que não sinto já vontade de rejeitar, tento perceber o que os fascina tanto. Parte da magia reside no uso do vestido comprido, são lindos os vestidos e a maior parte fica muito bem neles. Depois a sensação de se viver um momento único, um ritual sem repetição, a construção da memória, aquele pequeno momento de uma vida que prosseguirá depois em tantas direcções. A turma e a foto da turma, o discurso de despedida, um discurso que ainda ri, só tem uma ponta de tristeza lá dentro. Aprendi com o tempo a tolerar, às vezes até a gostar do que é diferente de mim, do que vivi e vivo, do que acredito, do que quero. E quando o amor é grande, o outro amado torna-se mais importante, há que acompanhar, estar, mesmo quando o que faz e onde vai nem seja aquilo que mais aprecio. A valsa das meninas de vestidos compridos no final do Secundário, enfeitada por uma meia lua brilhante, tinha até poesia.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

De quem eu gosto (II)


Hoje ela não estava e por isso quando cheguei sem chave, não tive companhia até à porta do gabinete, apenas uma mão estendida, fria, com uma chave. A gentileza pode combinar com o profissionalismo, num jeito tímido e reservado como é o dela. Tem nome de anjo e é assim que é, alguém que nos guarda sem darmos conta, conhece-nos a voz ao telefone e sabe sempre onde está cada turma, quase cada aluno de cada turma. Faz milagres para nos arranjar salas mesmo quando estão todas ocupadas, anota os recados do exterior e recebe os convidados, mantendo-os ali à sua beira até nós chegarmos. Faz-me muito lembrar as minhas alunas, mulheres feitas da Educação de adultos, um motor cândido de vontade, um sopro quente de luz, um calor que acontece sem darmos conta. Jamais lhe poderia dizer estas palavras, ela acharia que eu tinha enlouquecido. Arranjo outros modos de dizer que gosto dela, conversando sobre o tempo, a comida do refeitório, os jornais que se esgotaram cedo demais, nunca nada muito íntimo, apenas um sorriso colocado nas palavras triviais. Espero que saiba que gosto dela.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

De quem eu gosto (I)



O carro estupidamente sujo das muitas viagens. Pelo Algarve as lavagens autónomas são o recurso comum e barato. Aqui sou incapaz. Gosto tanto da senhora que lava o carro, do boné, do ar míope, da tshirt larga que parece sempre a mesma, do seu meio sorriso, entre o descarado e o tímido. Gosto do modo como ela salta para tirar num ápice a antena do carro e do zelo com que sacode os tapetes. Ela lavou todos os meus carros anteriores, o que se avariou, o que se espatifou, o que usei emprestado, o que tenho agora. Nunca fez um comentário mas conhece-me muito bem, pergunta como estou e deseja sempre bom fim de semana. E tem que ser porque entro e o carro cheira a lavado e leva lá dentro aquele meio sorriso tímido e a energia inteira que ela colocou em cada estofo aspirado, em cada vidro tão lavado.

~CC~

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A pressão dos pares por A+B



Bom, uso o A+B porque apesar de escrever bem, a rapariga é mestre com os números e tenho esperança que o aspecto de equação a ajude a perceber a pressão dos pares. Com a sua natural tendência numérica, ela associou pares a números mas na linguagem dos psicólogos (tão boa ou tão má como outro dialecto profissional qualquer) os pares são os nossos iguais, aqueles que mais se aproximam de nós pela idade, estatuto, etc, ou seja são os amigos e colegas da mesma idade, a mesma geração. Números de lado pois ou talvez não. E talvez não porque os pares são uma maioria indistinta, a tendência maioritária que dita a moda e o que é bom e mau, o que faz com que uns estejam in e outros out e que os out sejam uns cromos ou assentem nas margens (góticos e afins).

Como se forma essa maioria indistinta que diz que as viagens de finalistas são o máximo e têm que ser numa praia espanhola com fileiras de prédios em que metade são hotéis e a outra metade casas de férias,  tão rica em cultura alcoólica como pobre em qualquer outro tipo de cultura? Como se forma essa maioria que dita como é que deve ser o corpo, o cabelo, a roupa que se veste (passam anos sem usar vestidos ou saias até que admitem um vestidinho à saída da adolescência)? Eis uma boa questão, ela é formada por todos aqueles que vão aderindo quase sem pensar no assunto, num assim é porque tem que ser e é bonito mas não sabemos explicar porquê e fazemos porque é assim que se faz e é bom porque já outros fizeram assim. Uma conversa tão redonda quanto vazia, de onde não se sai. Neste círculo redondo o pensar por si próprio quase não faz sentido porque eles pensam por sí próprios dentro do instituído que não é questionável.

Finalmente as más influências. Nada a ver, aí a rapariga erra em cheio. Neste caso falamos das boas influências. A pressão dos pares é a da maioria e a maioria é cheia de boas influências, diz qual é a cor da moda para as unhas, qual é a última moda nos ténis e nas sandálias, qual é o melhor festival que não podes perder, que hora é indicada para sair à noite e o concerto a que todos devem ir. Os pais não vêm isso como perigoso. Nada de Trrr...oino na história porque os filhos do largo da fonte nova não frequentam o liceu nem ditam modas, não são parte da pressão dos pares, estão quanto muito à espera que uma das meninas passe bem perto para lhe pedirem delicadamente o iphone (como os têm com 15 e 16 anos é um mistério para mim). Recordo uma reunião de liceu de 8º ano em que a professora disse que a rapariga andava com más companhias e eu fiquei escandalizada por saber que ela se referia a um colega preto que já tinha chumbado uma vez e que felizmente até hoje é amigo dela. Água com azeite é do melhor e não faz parte da pressão dos pares.

Não é necessariamente mau querer o mesmo que os outros e ser como eles, fazer parte, sentir-se integrado, mas também não é mau escolher ao lado de vez em quando, enfim, ser ímpar. Ela diz que sim, que é, quero acreditar e às vezes acredito mas outras duvido, tenho dúvidas, ou seja, dito cientificamente, ainda está em estudo.

~CC~

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Baile e bailinho



Eis como uma filha dá baile à mãe psicóloga :)

Bom, esta coisa de dar baile talvez não lhe seja perceptível, o único baile da rapariga será a valsa de finalistas do liceu, a que irá não por pressão de pares mas por ser um ímpar dentro dos pares. Esta casa é animada, lá isso é.

~CC~

terça-feira, 13 de maio de 2014

Um bocadinho de mar




Tenho trabalhado todos os dias sem parar, também sábados e domingos, não em casa, como tantas vezes acontece, sobretudo fora de casa. Domingo sucumbi entre a exaustão e uma virose que anda para aí a atrapalhar também muita gente e que nos apanha as articulações e dá febre ligeira, entre outros transtornos incómodos.  Consegui descansar mais um menos um dia e meio mas descobri que a casa ainda me põe mais doente e que mal começo a melhorar ligeiramente há uma única receita eficaz: ir rapidamente para perto do mar, nem que seja só por uma hora. Foi o que fiz hoje, das 18h às 19h rumei a uma das praias mais bonitas da minha Arrábida. Senti-me privilegiada pelos 10m que demoro a lá chegar e pensei que de hoje em diante tinha que fazer isto pelo menos dia sim, dia não, a bem da minha sanidade mental. Assim mesmo sem fato de banho nem nada, não é tanto a praia pela praia, mas as asas que o mar me dá. Aos fins de semana já se sabe, a romaria toma conta da estrada e o que é imensamente lindo transforma-se num inferno. 

Melhor, melhor só um a dois dias inteiros numa praia do Alentejo. Isto é também uma chamada, um apelo. Um acontece, vem e aparece junto a mim, junto ao mar.

~CC~


domingo, 11 de maio de 2014

Salvar o dia





Nem sempre vou a lugares bonitos, às vezes vou a lugares difíceis e hoje foi assim, nem me apetece falar da tristeza que trouxe, mas este vídeo (visto inicialmente no blogue escrever é triste) fez-me soltar uma boa gargalhada, se bem que lá no fundo, também com um travo amargo, afinal como é se chegou a tanta idiotice entre adultos. 

~CC~

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Emociono-me estupidamente



No pátio onde já brincaram meninos, há duas palmeiras tristes comidas pelo escaravelho e um pátio onde mora uma coruja. No cimo da aldeia, como se tudo pudesse contar de tantas vidas passadas, a escola velha procura nova vida, abrigando bicicletas e coletes para os caiaques. Não será o mesmo, a saudade parece escorrer nas paredes. Olhamos para o pátio, imagino música ali ao fim da tarde, um acampamento de miúdos, até uma feirinha de chás e ervas. Há séculos que não via abelhas redondidas, só tinha memória de vespas, hoje pela janela aberta entraram duas que ficaram paradas nos vidros, meio tontas. Carro parado, janelas abertas, abelhas fora, que lindinhas, nem tive medo.

Foram 500 quilómetros percorridos a escrever paisagens nos olhos, país tão lindo este, de repente em vez de sobreiros uma mata de pinheiros em pleno Alentejo, reservas de água, rios grandes e outros mais pequenos, tantas casas brancas. Paro na bomba da aldeia, todos os olhares se voltam quando uma mulher desconhecida sozinha anda por ali, curiosamente a gasolineira é uma mulher.

Os miúdos perdidos que ninguém quer, inventam-lhes letras, agora PIEF, amanhã outra coisa qualquer. Estão na escola como peixes fora de água, único interesse é ser o sítio onde se podem ver as raparigas. Espectadora destes mundos outros que me entram pelo coração, tenho receio de não aguentar tanta informação captada assim com esta emoção que a  Primavera costuma trazer. Emociono-me estupidamente com a vida.

~CC~


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Uma semana



Quarta em Faro, Quinta em Alcoutim, Sexta e Sábado em Minde, Domingo em Alpiarça, Segunda e Terça em Setúbal, Quarta e Quinta em Faro, amanhã a caminho de Mora, sábado em Setúbal. Não vendo nada, juro-vos. Podia ser um roteiro de feiras mas não é. A distinção nestas coisas entre trabalho, voluntariado, lazer, é muito ténue. Já não tenho grandes nomes para dar às coisas.

O mais grave é que este é um itinerário semelhante ao da semana anterior.

Eis a razão porque não escrevo, passo paisagens, conheço pessoas, faço coisas e coisinhas, umas grandes e bonitas, outras pequenas, outras parecendo grandes são afinal pequenas. O tempo passa veloz, hoje consegui finalmente uma hora de mar, estou tão branca que tenho vergonha de mim. Um dia creio que direi como o Pablo Neruda "confesso que vivi" e, no entanto...até quando me faltará Buenos Aires?

Será que envelhecerei nesta vertigem ou morrerei de cansaço muito antes?

~CC~


domingo, 4 de maio de 2014

Acontecer (I)





Uma parceria entre o Jazz Minde, a Associação MoveComunidades e a Associação de professores de Educação Musical permitiu trazer 150 estudantes do Ensino Básico das escolas da zona até à Fábrica da Cultura, local onde decorre o festival. Atendendo a que o Jazz continua a ser música que pouco penetra nos mundos destas crianças e jovens, se senta à porta das rádios mais ouvidas e fica à margem das aulas de Educação Musical, este é um contributo para a formação de públicos, podendo ainda despertar vocações. Excelente o trabalho interactivo de G, professor e músico de Jazz , baseado na participação das crianças e jovens, apesar do número de presentes e das condições acústicas não serem as melhores. Só se  gosta quando a música entra no corpo e aí se deixa sentir.

~CC~