quarta-feira, 29 de agosto de 2018

O olhar dos outros



Às vezes a praia fica no meio de um caminho.

E o apelo do mar torna-se grave e bem fundo, sobretudo por causa da sua cor no Verão, e de podermos senti-lo na pele. 

Só depois percebi que estava num sítio da moda e num restaurante badalado e com preços altos, bastante altos para o que costumo praticar, mas há sempre alternativas, e havia. Mas era sobretudo um local onde não se vai sozinha, como eu ia. Creio que não foi por isso que me puseram ao lado um casalinho muito jovem mas para rentabilizar o espaço. Ela era uma autêntica modelo, alta, magra, loira e vestida como quem vai para uma sessão de fotografia, com a devida roupa de praia. Ele, modelado pelo ginásio, devidamente tatuado, parecia o seu agente, guarda costas e amante, ou mesmo uma mistura dos três. Queriam informações e por isso perguntaram se falava Inglês. É bom quando não encontramos nativos da língua e eles não o eram, pensei que seriam da Europa de Leste. Ia-lhes compondo a história, ela uma jovem à procura de ser uma estrela na moda, ele arrastado por essa Europa fora, saudoso dos fins de tarde regados a cerveja com os amigos. Houve sessão de fotografias, claro. Sem vergonha nenhuma e em diversas poses. Vi, com desagrado, como o empregado lhes tentou vender sempre o mais caro, do vinho à comida.

Fomos falando de quando em quando. A história foi-se desconstruindo, o que imaginamos do outro. Ou o que eles nos querem contar. Afinal eram polacos. Estavam deslumbrados com a praia do Meco. Perguntaram-me se era turista. Não, portuguesa, a morar a 20 km dali. Foi então que despertaram a minha simpatia. Que não era possível morar assim tão perto daquela maravilha, sentia-lhes a boa inveja, o olhar perdido no mar, o sorriso, a tristeza do regresso. Se não me sentia feliz, tinha que ficar e de facto fiquei. Pois se morava a 20km dali. O que vemos no olhar dos outros, temos que reparar bem, quem sabe nos traz o que desejamos.

~CC~





segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Domingo de Verão



Tarde tão longa deste Verão.

Guardei a hora do crepúsculo
para a praça da minha cidade.

Para ver o céu riscado pelas andorinhas
e as correrias dos meninos atrás dos pombos
ganhas sempre pelos pombos

o homem da barba
manipula uma marioneta
que toca o piano em miniatura
as crianças pasmam em volta

eu pasmo pela inglesa
que come crepes com gelado
acompanhados por um jarro de sangria

pela bicicleta verde
que anda em círculo

pelos mendigos na escada da igreja
como estátuas paradas pelo calor

e abriu-se a porta
e saem muitas mulheres
e olha tantos vestidos de domingo
ainda há vestidos de domingo

estão a acender-se devagar as luzes
e fico comovida
pelo encontro

esse maravilhoso encontro do dia com a noite.


~CC~

domingo, 19 de agosto de 2018

Vizinhos



O que mais gosto nos nossos vizinhos?

A forma como não deixaram que a Europa os uniformizasse, a manutenção da sua identidade. Em muitas, muitas coisas.

As lojas, os cafés e os restaurantes fecham todos para a siesta. As lojas fecham entre as 14h e as 17h, os restaurantes às 15h e só abrem às 20h. Ao Domingo não se abre portas. No último 15 de Agosto, aqui na minha cidade, nem se saberia ser feriado, a maior parte das lojas da baixa estava aberta. Já no último Domingo em Espanha, nada, literalmente nada estava aberto, as ruas da cidadezinha estavam absolutamente desertas e antes das 19h parecia que não vivia lá ninguém, à meia noite pulsava de vida, gente de todas as idades nas ruas e nas praças, muitas crianças (qual cama, qual quê...). As mulheres mais velhas pintam-se e vestem-se bem, falam sem parar, respiram alegria. Os miúdos pequenos parecem mais livres, não vi nenhum com um tablet à frente para não fazer birras. Contei pelos dedos as lojas de comida de cadeias célebres, sobretudo de fast food, menos, muito menos que nas nossas. Se eles têm as tapas...Falam um inglês imperceptível para nós, várias vezes pronunciaram palavras em Inglês sem que compreendesse, usam a sua própria pronúncia para falar outras línguas. Tudo é dobrado, sei que criticam muito esta opção deles, mas é sem dúvida mais democrática. 

Há muito, muito turismo interno, há espanhóis a visitar museus e monumentos, há aliás sobretudo espanhóis, há espanhóis a viver as coisas deles, sente-se que elas são feitas para consumo interno, não para externo. Diria que parecem estar-se nas tintas para uma certa ideia de ser Europa, a Europa do centro, a que nos normalizou a partir de Bruxelas. Em Portugal quando mais perto se está dessa Europa, melhor se é. E agora há os nórdicos para imitar. Nós temos essa tendência para imitar alguém quando queremos ser bons. Ou agora somos bons porque a Madonna vive cá. Perto estaremos novamente de ter só ementas em Inglês no Algarve. Não aprendemos o suficiente com os erros.

Gosto dos nossos vizinhos, de lá é bom vento e bom casamento. Sempre podiam era ter abolido aquela coisa da monarquia...nisso fomos mais fundo, melhor.

~CC~



quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Torradinha com tomate fresco



Somos cheios de contradições, detestamos ver as nossas cidades cheias de turistas mas também gostamos de ir, de conhecer outras cidades. Há por certo um equilíbrio em tudo isto mas ainda não sabemos bem qual é. 

Eu amo acordar numa cidade desconhecida, sair para a rua directa ao seu centro. Posso ver museus, monumentos e exposições mas é o vibrar das ruas que me apaixona, ouvir as pessoas falar, entrar nos cafés, nos mercados, nas mercearias, passear nos jardins, sentar-me nos bancos das pracetas, entrar nas lojas que não pertencem a cadeias já conhecidas. Andar e andar e andar, até as pernas não poderem mais.

Uma das coisas que mais gosto também é provar do que as pessoas comem e como elas o fazem, do mesmo modo e se possível à mesma hora. Às vezes são as coisas mais simples as que trazemos para sempre.

Deste Verão eu trouxe o pão torrado com fatias de tomate e azeite e sal por cima que me serviram em Córdova num daqueles dias em que parecia que toda a península ibérica se ia rapidamente tornar num deserto. Era uma tasquinha do mais simples que há, na qual paguei 1.80 euros por aquela maravilhosa torrada e um copinho de sumo de laranja bem fresquinho. Agora fazemos em casa, variando o que antes comíamos ao pequeno almoço. Lembro-me que fizemos o mesmo com o cuscuz de Cabo Verde que é um bolo comido ao pequeno almoço. E cada vez que o fazemos, revisito a memória daquele local onde estivemos e é que como se ficasse outra vez feliz.

Por isso não me convidem para locais incaracterísticos que são iguais em todo o mundo, onde se faz sempre o mesmo (vulgo mergulhar numa piscina), se come o mesmo e as pessoas são iguaizinhas umas às outras. Não que ande à procura do que é exótico e também se vende como tal, quero simplesmente diluir-me entre as pessoas que fazem as suas vidas naquele lugar para o poder absorver como é.

~CC~


terça-feira, 14 de agosto de 2018

Sorriso de Agosto



Uma sala mais simpática do que a do bloco operatório. Um pouquinho menos gelada e mais larga. O centro clínico mais vazio (ai, as vezes que fui corrigida por lhe chamar hospital).

Estamos ali no meio de agosto, eles e eu. Não estamos na praia, não estamos nas Ilhas Gregas, nem em Bali. Fazemos o que nos compete, o que tem que ser feito, não lamentamos, não nos lamentamos. Recordamos há quanto tempo foi a operação e o que se lhe seguiu, o mau desfecho, as dificuldades, a luta e depois as pequenas vitórias, falamos nelas como qualquer coisa feita em comum.

Apesar de estar há um dia sem comer e com o intestino bem limpo como eles exigem, apesar do receio que sempre tenho relativamente aos resultados do exame, estou estranhamente calma, resignada, compreendendo que o futuro tem que passar por aqui se quiser ter futuro. Como tudo foi diferente no exame de Agosto de há três anos atrás, estava extremamente ansiosa e acho que só eu não estranhei o resultado, antecipava-o, sabia-me doente.

Sei tudo o que tenho que fazer, o modo como me devo deitar, colocar a perna e o braço, quase posso adivinhar o tempo que demorarei a adormecer e que sonharei, sonho sempre quando sedada e acordo a lembrar-me que estava a sonhar para depois tudo esquecer rapidamente. A única coisa que não sei é o que dirá o médico desta vez quando vier ter comigo ao recobro. Ele é rápido, incisivo, e desta vez sorri. E eu posso sorrir também.

~CC~