sexta-feira, 26 de abril de 2019

Males que trazem bem



O carro, com avaria, fazia com que andasse muito mais lentamente que o costume na minha auto estrada preferida, esses 250km que separam os meus dois lugares de vida.

A velocidade de 90 km/hora foram cruciais para salvar a pata e os cinco filhotes que se atravessaram à minha frente, cruzando pachorrentamente a via, ela à frente e eles rigorosamente em fila atrás. Estremeci de horror ao pensar que os podia ter matado a todos. Juro-vos, não foi uma alucinação, mas um vislumbre grande de beleza. 

~CC~

terça-feira, 23 de abril de 2019

Querido amigo



Nada substituirá o cheiro do papel impresso, as letras pretas no contraste do branco amarelado, o suave ruído das folhas a passarem, o desenho do título e do nome do autor, a imagem escolhida para a capa.

Somos amigos para a vida até quando te procuro pouco, falo menos contigo ou quase te esqueço. Estiveste lá nas horas menos felizes e nas mais felizes também. Não morras nunca, fica comigo e com os outros que virão depois de mim. Continua assim a escancarar as portas do mundo para nos levar onde nunca chegaríamos de outro modo.

~CC~

quarta-feira, 17 de abril de 2019

cinco ovos e um bode (para a Susana)



Eram tão iguais que ninguém adivinharia que eram de sexo diferente. Duas gotinhas de água, dois anjos, dois belos diabos.

A mãe já sabia que eram dois, mas havia dúvidas se seriam dois meninos, duas meninas, um menino e uma menina. Para baralhar o mundo como os gémeos gostam de fazer, se um deixava o cabelo crescer, o outro deixava também, se um o cortava, o outro também queria. E havia o pacto de ela nunca usar saias, o que aliás combinava com a sua personalidade, feita de paixão por subir árvores, correr atrás dos animais, atirar pedras para a água e deitar-se na erva a imaginar de que seriam feitas as nuvens. Ele só ia atrás, como se os dois centímetros de altura que tinha a menos, o tornassem refém dela. Mas quando ele começava a desenhar o mundo à sua volta, era ela que se rendia ao seu talento, pasmada de lhe faltar aquele jeito, não obstante serem tão iguais.

Ela esperava sempre pelas férias com o coração ansioso pela liberdade de poder correr nos terrenos da aldeia em que a avó morava. Ele deixava-se ir, tranquilo, pelos caminhos, a tentar reter no olhar o que havia de desenhar e pintar.

Quando a avó os mandou ir ver se havia ovos nos ninhos das galinhas, ele arrepiou-se um pouco, não era coisa que lhe agradasse. Ela puxou-o rápida: vamos, vamos!! Eram cinco maravilhosos ovos, bem grandes. Ela rapidamente propôs que ficassem com eles, não os levassem à avó, podiam escondê-los num sítio, aquecê-los e ver os pintos nascer. Ele só abanou a cabeça em sinal de discórdia. Ela estava zangada: não os levo! E ele, bem firme: isso é que levas!

Como é que dois seres que se amam tanto, com oito anos de idade, se podem zangar assim? 


(continua)

~CC~

(oh Susana, mas eu ainda tenho dúvidas se isto é para crianças)














segunda-feira, 15 de abril de 2019

Vermelhas



Frutas vermelhas todas elas.

Agora os morangos e as framboesas.

Não tarda chegarão as cerejas.

Depois as melancias.

São as minhas frutas, as minhas pinturas, a minha boca doce, a minha Primavera, o meu Verão.

Até pode chover, desde que elas cheguem, é o sol que chega.

~CC~

domingo, 14 de abril de 2019

Paraíso



O silêncio do domingo matinal é um manto que me cobre e me embrulha em conforto.

Melhor seria poder ir até ao Alentejo e ver como as estevas, essas frágeis flores que parecem papel, conseguiram sobreviver às chuvas de Abril, cheirar o mato e ir beber água numa fonte que ainda não a tivesse perdido. 

O paraíso poderia chegar inteiro se levasse uma manta, um livro, um bocadinho de pão de milho e queijo de cabra. E uma boa companhia, daquelas que gostam tanto da palavras como do silêncio e se comovem com as coisas simples.

~CC~

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Escrever, ler, sonhar



O tempo intensamente ocupado é uma vertigem, escapa-nos a maior velocidade do que a luz. Pergunto-me, olhando para o último post, onde é que se passaram as horas entre segunda e quinta, amanhã já sexta. E sei, infelizmente que muitas e muitas foram passadas aqui, a escrever. Não uma escrita que possa partilhar convosco, a escrita profissional faz-se dentro de caixas estanques, herméticas, com ligação a meia dúzia de pessoas. Uma escrita lunática como é a escrita dos projectos que submetemos a candidaturas que só remotamente podemos ganhar. E eu também sou lunática, só isso explica esta entrega sem fim a coisas que nunca ganharei.

No meio disto faço pequenos mergulhos no mundo real que valem ouro. Hoje, durante um estágio, num dos sítios mais belos do mundo (uma biblioteca, como não?) confessei ao estudante o quanto gostaria de ir para ali dia a dia, só para poder ler e talvez escrever. E ele disse-me: escreva, escreva professora. Sabe o que devia escrever? Um conto para crianças. Fiquei-lhe tão agradecida por ele me achar capaz de um feito tão grande. Por me ajudar assim a sonhar.

~CC~

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Culinária anti-stress


Quase só compreendo do que ele diz a palavra chocolat pois é praticamente igual e não sei se a pronuncia em holandês ou em alemão. É língua agreste que ele torna suave com o seu cabelo branco, os óculos antiquados e aquela batinha branca que já nenhum chef usa (os modernos, quanto muito, um avental). Parece que tudo se resume no nome Rudolfh, um nome que não me soa agradável.

Vejo pouca televisão, embora seja quase a única maneira de me esticar no sofá. Mas confesso o meu vicio neste homem que faz doces. Deixo-o ligado enquanto faço muitas outras coisas mas de quando em quando vejo-o encantada. Tento entender as razões. Talvez seja pelo modo como ele se derrete com a beleza das massas, dos frutos, das cores. Talvez seja por causa daqueles desenhos dos miúdos colados no frigorífico. Talvez seja pelo modo como de quando em quando olha para a câmara com um sorriso tímido. Talvez por ter quase sempre flores na cozinha. Talvez por o achar tão doce como os doces que faz. Às vezes apetecia-me entrar pelo écran para provar um bocadinho de qualquer coisa que fez, mas sobretudo para lhe dar um abraço. É o meu programa favorito anti-stress.

~CC~

sábado, 6 de abril de 2019

Parece que é já hoje




Não se deixem assustar pela chuva, é um lugar quente, abrigado mas também cosmopolita onde nos podemos juntar a conversar e a ouvir um bocadinho de Jazz.

~CC~