sábado, 30 de setembro de 2023

Volto

 

Durante anos e anos fui leitora do Jornal Expresso, parecia que o café de sábado sem o jornal não fazia qualquer sentido. Depois mudaram a edição para sexta e quando o ia comprar ao sábado às vezes já não havia. Pouco a pouco deixei de comprar e não sinto falta alguma.

Não quero que o mesmo me aconteça com este blogue, abri-o agora e foi com espanto que percebi que tinha passado uma semana. Procuro as razões. Falta de tempo sempre a tive. Falta de vida na caixa de comentários também não pode ser razão, outras vezes aconteceu e nunca foi isso a desmotivar-me da escrita. Tristeza? Também já tive outros momentos tão ou mais tristes. Acho que é mais como o que aconteceu com o jornal Expresso, é deixar que o desábito se instale. Não posso deixar porque a escrita foi muitas vezes o meu porto de abrigo e de salvação, se deixo esse instrumento de comunicar comigo e com o mundo, não poderei voltar a ele com facilidade e mais adiante chorarei de algum modo a sua falta.

Do mesmo modo que as ruas onde não passamos, as casas em que não moramos, os blogues que se arrastam também definham. Volto aqui, voltarei aqui e é sempre como quem regressa a mim própria e ao que mora lá dentro.

~CC~



sábado, 23 de setembro de 2023

Só uma nota

 

Desta vez foi diferente. Não lhe ouvi a voz nem os parabéns que nos últimos anos fazia questão de entoar ao telefone. Logo ela que nunca falhou datas de aniversário. Se estivesse ausente, já em lugar incerto, se calhar não me custaria tanto, mas sabê-la ali presa à cama sem poder cumprir estes rituais que a agarraram tanto à vida. Se nas nossas mãos estivesse a decisão da nossa morte, não sei se ela a tomaria, ainda assim sei que não queria viver até este limite de impossibilidade e dependência. 

Fica aqui entre nós só essa nota triste para o resto poder ser alegria, a minha de estar aqui.

~CC~

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Cores de um país

 

Grécia (Ilhas de Tinos e Andros)

Deve haver poucos países em que as cores de um país estejam tão bem espelhadas na sua bandeira.

Mas devia haver um gato preto deitado naquelas listas, um daqueles com os olhos bem verdes. Ou um gato cinzento com olhos azuis. Ou uma deusa reclinada.

~CC~





sábado, 16 de setembro de 2023

Sobre o cheiro das goiabas

 

Nunca nos podemos livrar da nossa pele, das suas marcas, dos seus registos. O passado corre atrás de nós a querer apanhar-nos o futuro, mas domino a fórmula certa para que não me tolha e me roube alegria. É verdade que às vezes me apetece nunca mais voltar aqui. 

Os primeiros dias de chuva nesta terra de sol levam-me a luz do fazedor de gelados e trazem o sabor amargo-doce dos primeiros cappuccinos. Tenho a certeza que já nada me faz sofrer neste território que um dia se encheu de abraços colados. Já não é mau não entristecer. Mas tenho também a certeza de que já nada nesta cidade me trará alegria. Duas luzes antes brilhavam, daquelas que são pilares para o nosso amor próprio.

De uma e de outra luz nada quase nada veio até ao presente. Mas isto é só uma forma de olhar, pois decerto infiltrou-se em mim algo de sabedoria inerente a essas vivências, algo que se entranhou e já não sou capaz de descobrir, carne que se fez outra carne. Sobre o cheiro das goiabas, nem lhe posso chamar saudade, apenas nostalgia. 

~CC~





quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Da dor

 

Abro bem os olhos mas depois fecho-os por um momento. Que dolorosas tragédias as de Marrocos e da Líbia, perturbam-me mais essas que derivam da inocência dos homens do que aquelas que foram por eles provocadas. 

Ali à mercê do que a natureza decidiu, voltamos a ser os mesmos meninos desprotegidos de há muitos séculos atrás, quando nada havia se sabia sobre inteligência artificial. Questiono-me sobre a direcção deste progresso que não permite algo do que é essencial como a protecção da vida humana. Talvez porque há muito o poder económico colonizou a ciência impedindo-a de ser um bem para todos. 

Sei que tenho que manter os olhos abertos e ver, mas doi-me. 

~CC~

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Mestiçagem

 

Ao contrário de muitas e muitas vezes em que só depois de ocorrer, percebi que tinha sido um momento feliz, tinha a percepção intensa da felicidade nas noites quentes da lua cheia de Agosto a brilhar naquele céu de horizonte largo, na ilha de Tinos. Naquela latitude ouvia os murmúrios de todos os deuses que amaram os homens e com eles se misturaram fundando esta bela mestiçagem que não podemos olvidar. Por ali também o Oriente e o Ocidente se encontraram, não obstante a história nos trazer sobretudo registos de guerra, suspeito que houve paixão.



sábado, 9 de setembro de 2023

Bairrinho (I)

 

De volta ao bairro e ao café da senhora magrinha e do senhor dengoso, um casal ao leme da confecção de deliciosos bolos e salgados e tão persistente quanto improvável.

- Quero um café sem princípio...

Não resisti a perguntar o que era e pacientemente a senhora que o pedia explicou-me. Mas a senhora magrinha, habitualmente pouco simpática e faladora (bem ao contrário do marido) desta vez até desabafou:

- A senhora nem imagina quantos tipos de café há, mais que receitas de bacalhau!

~CC~


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Arrumar e desarrumar mundos

 

O que procuramos quando viajamos? O que nos move a determinados lugares?

Na Grécia tudo é mito e é por ele que vamos lá. Por todos os que escreveram esse mito muitas e muitas vezes, todos os poetas que se vergaram a essa suposta transcendência pagã e ainda os outros crentes, aqueles que nos disseram que ali tinha sido o berço de tudo, da civilização, da democracia, da cultura, da beleza. E até do Ocidente, seja ele o que for. Homero escreveu os dois livros fundadores, a Odisseia e a Ilíada, ainda hoje considerados obras primas que devem constar de qualquer estante de um intelectual que se preze.

 E há ainda o mito do azul e branco das ilhas, dessa autenticidade tecida entre filmes, música e por certo muitas capas de revista, este é um mito diferente, mais cor de rosa, conotado com a riqueza e o glamour Por isso os turistas apenas visitam a Acrópole e os dois bairros que com ela confinam e das ilhas apenas Mikonos, Santorini e, quanto muito, Corfu. Mas as ilhas são mesmo muitas e diversas, até as duas que visitamos e eram vizinhas, pouco tinham a ver uma com a outra.

Não sendo imune às narrativas que vingam sobre a cultura e os povos e tendo a alma cheia dos poemas de Sophia, não posso afirmar não ter sido essa turista, igual a tantas outras que nos 35 graus de Agosto suou na subida à Acrópole fascinada pela beleza do lugar e se comoveu dentro do museu com a antiguidade de certas peças datadas de 700 anos antes de cristo. Fui como todos são. 

Mas tudo o resto é que foi mais importante. Tudo o que descobrimos entre barcos e espera por barcos para ilhas que não eram as da moda, tudo o que calcorreamos nos bairros menos conhecidos, no mercado, nas pessoas com as quais nos cruzámos, na história do país que fomos lendo em voz alta, desde os 7 séculos antes de Cristo aos 23 depois. Nos pequenos turismos cheios de gregos onde mal se falava Inglês. 

A Grécia Clássica ocupou um período muito curto deste tempo histórico e, contudo, é essa a memória a que se volta, a que se promove, a que vende. Os homens gostam tanto de histórias e aquela é um imaginário riquíssimo, entre homens, deuses e semi-deuses constrói-se um sistema que fala de tudo o que apaixona, enriquece e amedronta a humanidade. 

Mas o sentimento mais preponderante que trago de lá não é o de estar a Ocidente mas sim a Oriente. Nos paladares, na luz, no modo de falar e no modo de ser das pessoas. E muito, muito longe da Europa, mais ainda do que em Portugal. A Grécia é um país que faz fronteira com a Macedónia, a Bulgária, a Albânia e com a Turquia. Mas no nosso imaginário é como se estivesse colado a Itália e fosse o nosso berço de cidadania. Varremos muitos séculos do nosso imaginário, a Grécia é um país que só voltou a ter configuração com essa identidade no século XIX. 

Aprendi muito. Desarrumei e arrumei mundos. 

Com isso não quero dizer que não tivesse ficado igualmente deslumbrada com o primeiro mergulho no mar Egeu, transparente, salgado, sem ondas, quente. 

~CC~




sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Setembro

 Depois de tantas sombras que Agosto trouxe, nunca um mês meu começou assim tão longe de tudo, tão perto de mim. 

Um lugar em que me falam em grego como se fosse uma delas. Sorrio e percebo tudo, a língua das Deusas é universal.



Andros Chora.
Obrigada A.