Levei-te cinco flores de diferentes cores, das mais resistentes ao calor. Estava vazia a jarrinha, meio triste o teu lugar, como ainda não o tinha visto. Tanto que gostavas do sol e do Verão. Por mais de três vezes toquei no botão que me levava ao teu andar e não ao outro, onde reside agora a tua filha mais velha. E quando a porta se abria tomava consciência do erro, mas ao mesmo tempo foi ele que me permitiu ver a coroa de flores na porta e o tapete tão colorido. Acho que aprovarias essas pessoas que moram agora na tua casa, tantos enfeites logo à entrada, imagino lá dentro. Tu também gostavas dessas coisas, de tudo o que serve para enfeitar e até de flores artificiais que duram para sempre. A florista bem me recomendou que deixasse lá umas flores duradouras, que ela também tinha umas bem bonitas para cemitérios, mas não fui capaz, só gosto de flores naturais.
Em tantas coisas ainda sinto a presença dela pela cidade, em tantos cantos, tantos cafés, tantas lojas, ali junto à marina. Houve tempos em que todos esses passeios ainda a alegravam muito e só por fim já nada era capaz de o fazer. E fui perdendo aos poucos a dor de ter vivido ali duas perdas tão intensas. Quem cessa a dor de repente ou não amou ou não sabe vivê-la, não é capaz. Foi um tempo longo, foi um caminho longo e muito lutei para não o sentir como um tempo inútil que podia ter gasto noutro lugar, noutro amor. Felizmente as lágrimas que um dia caíram em abundância no caminho até à praia secaram completamente. Agora sinto este caminho para o mar como aquilo que ele representou na minha adolescência, a liberdade, a sua descoberta. Talvez por isso tenha apanhado na praia três búzios pequeninos e os guardado como nesse altura fazia. E no regresso aberto as janelas do carro, trauteando desafinada "tenho um sorriso fechado na palma da minha mão" (Trovante)*. Talvez algum dia alguém o venha buscar, ainda assim, se não acontecer, tenho-o, tenho-o como um bem maior.
~CC~
* e com esta música também tu chegaste, minha amiga (não acredito, não posso).
É tocante este seu texto, CC. Gosto dele. E quem nunca tiver sofrido uma perda que atire a primeira pedra.
ResponderEliminarCusta-me um imenso visitar lugares onde vivi bons momentos com pessoas que não posso levar senão no coração. Procuro não o fazer, mas por vezes acontece. E o mundo, que pouco mudou, faz mais rubra a saudade - a vida continua igual, só elas deixaram de estar.
Todo o luto é caminho de perda involuntária. Resisto-lhe como os portugueses aos castelhanos. Tanta prática e não aprendo.
Bom fim de semana, CC.
Obrigada Bea...este saber que os outros nos entendem também ajuda. Abraço
EliminarHá amargura quando lembramos os nossos que perdemos. Um sufoco.
ResponderEliminarUm abraço.
Há amargura, há alegria, tudo às vezes se mistura num grande caldeirão emocional...mas as emoções não são para todos, só quem se deixa ir...veja a nossa sorte. Abraço
EliminarTambém é o que sinto: a presença fica nas lembranças.
ResponderEliminarSó não sou muito é de ir ao cemitério. Mas vou, quando a alma pede.
Um abraço CC!
Sandra Martins
Nunca tinha feito tal e nem me imaginava a fazer...mas sinto como o prolongamento da conversa, da companhia...e sei que ela gostaria.
EliminarUm abraço