Tanta gente cruzamos sem a adivinhar, sem saber dela como ela de nós. É apenas um vislumbre de outra pessoa, um rosto, uma figura que passa e não fica. Assim também na profissão. Por mais que tentemos, pouco ou nada sabemos dos que nos rodeiam. Isto era-me particularmente presente quando os meus alunos faziam teste. Olhava-os todos empenhados na escrita do que sabiam (ou não) e pensava na incógnita do seu mundo doméstico. Pensava em quantos estariam ali sem pequeno almoço, porque os pais saíam mais cedo e não se apercebiam do jejum que disfarçavam; pensava nos pequenos grandes desgostos amorosos de que um ou outro sofria; pensava na dificuldade de viver em ambiente doméstico de discórdia parental; pensava nas bebedeiras de tantos pais e na impossibilidade de diálogo que decerto muitos sentiam; imaginava por defeito o universo escondido de um adolescente a quem molesta algo mais que a própria adolescência. E sentia por eles uma ternura densa, apetecia-me passar-lhes a mão pelo cabelo todo enviesado ao teste, desejava que ao menos nele fossem felizes, soubessem como responder. O que cada um carrega é por vezes quase intolerável e eu desejava com toda a força afastar deles esse estado sofrido, mesmo sabendo ser impossível. Portanto, talvez eu tenha cruzado essa pessoa e nem eu nem ela(e) nos tenhamos apercebido. Na minha terra conheço apenas uma avenida (devem existir mais), ignoro porque não lhe chamam apenas Rua. Nunca a palmilhei e nem é caminho pedestre usual; até o trânsito automóvel é restrito a quem lá vive e pouco mais. A província tem destas coisas:). Gostei da musiquinha a enfeitar o meu domingo de hospital. Bom dia, CC
Tão bonito o que escreveu...é parecido com uma crónica do José Pacheco que costumo dar aos meus alunos a ler. Hospital? Isso é que me deixou preocupada...e logo a um domingo? As suas melhoras ou as de alguém que precisou de si lá. Boa semana!
Eu não perdi o fim à meada… embora não conheça o cantor da canção 🎶
ResponderEliminarNem a avenida em questão.
Fica agora a conhecer:) Já a avenida, um dia que vier para o Sul...e ainda mais a Sul.
EliminarTanta gente cruzamos sem a adivinhar, sem saber dela como ela de nós. É apenas um vislumbre de outra pessoa, um rosto, uma figura que passa e não fica. Assim também na profissão. Por mais que tentemos, pouco ou nada sabemos dos que nos rodeiam. Isto era-me particularmente presente quando os meus alunos faziam teste. Olhava-os todos empenhados na escrita do que sabiam (ou não) e pensava na incógnita do seu mundo doméstico. Pensava em quantos estariam ali sem pequeno almoço, porque os pais saíam mais cedo e não se apercebiam do jejum que disfarçavam; pensava nos pequenos grandes desgostos amorosos de que um ou outro sofria; pensava na dificuldade de viver em ambiente doméstico de discórdia parental; pensava nas bebedeiras de tantos pais e na impossibilidade de diálogo que decerto muitos sentiam; imaginava por defeito o universo escondido de um adolescente a quem molesta algo mais que a própria adolescência. E sentia por eles uma ternura densa, apetecia-me passar-lhes a mão pelo cabelo todo enviesado ao teste, desejava que ao menos nele fossem felizes, soubessem como responder.
ResponderEliminarO que cada um carrega é por vezes quase intolerável e eu desejava com toda a força afastar deles esse estado sofrido, mesmo sabendo ser impossível.
Portanto, talvez eu tenha cruzado essa pessoa e nem eu nem ela(e) nos tenhamos apercebido. Na minha terra conheço apenas uma avenida (devem existir mais), ignoro porque não lhe chamam apenas Rua. Nunca a palmilhei e nem é caminho pedestre usual; até o trânsito automóvel é restrito a quem lá vive e pouco mais. A província tem destas coisas:).
Gostei da musiquinha a enfeitar o meu domingo de hospital.
Bom dia, CC
Tão bonito o que escreveu...é parecido com uma crónica do José Pacheco que costumo dar aos meus alunos a ler. Hospital? Isso é que me deixou preocupada...e logo a um domingo? As suas melhoras ou as de alguém que precisou de si lá. Boa semana!
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