domingo, 10 de janeiro de 2021

Dois

 

Estiveram ali muito tempo esta manhã as duas na rocha, talvez conversando, enganando o frio. Fizeram-me pensar muito na palavra dois, na palavra casal e na palavra casa. Fiz-me muitas perguntas em torno dessas palavras, tentando não entristecer. Não fora a alegria que a proximidade do mar e o sol me trazem, talvez tivesse mesmo acontecido.



~CC~

6 comentários:

  1. Que bela fotografia, CC!
    E numa paisagem dessas ninguém pode (deve) ter pensamentos tristes: deve 'carpe diemar' ao máximo, fazer planos para um futuro o mais feliz possível, a um ou a dois, ou mesmo a três ou quatro... 😂

    Espero que tenha lavado a alma e enchido o 💛 de sol - e que ele(s) esteja(m) sempre consigo: o sol e essa pessoa em que esteve a pensar.
    Abracinho.
    🐳

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    1. Maria, a vida inclui também momentos assim, em que olhamos para trás e para a frente e nos interrogamos sobre a vida e o que queremos para ela, espero conseguir fazer isso sem entristecer exageradamente. Obrigada pelo coração amarelo - gostei muito.
      ~CC~

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    2. Para quem tem um coração de ouro só podia ser essa a cor ;-)

      Um dia solar e feliz!
      (Hoje tb tenho sol)
      ☀️

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  2. Falam os dois em voz baixa.(...) Apurando o ouvido, consigo apanhar fragmentos da conversa.(...)
    - Não, Jean, não.
    - Não, porquê? - murmurou o rapaz com uma vivacidade apaixonada.
    - Já lhe disse.
    - Mas isso não é razão.
    Há algumas palavras que me escapam, depois a rapariga desenha um encantador gesto de cansaço.
    - Tentei demasiadas vezes. Já passei a idade em que se pode recomeçar a vida. Estou velha, sabe?
    O rapaz ri com ironia. Ela prossegue:
    - Ser-me-ia insuportável uma... decepção.
    - É preciso ter confiança - diz o rapaz. - Assim, como você anda agora, nem é viver.
    Ela suspira:
    - Bem sei!
    - Veja lá a Jeannette.
    - Hum...
    - Pois olhe, cá por mim, aprovo inteiramente o que ela fez. Teve coragem.
    - Sabe? - diz a rapariga. - Eu acho é que ela aproveitou a ocasião. Digo-lhe que, se eu tivesse querido, não me tinham faltado oportunidades do mesmo género. Preferi esperar.
    - Fez bem, - diz ele com ternura - fez bem em esperar por mim.
    Ela ri por sua vez:
    - Que toleima! Não foi isso que eu disse.
    Deixo de os ouvir: irritam-me. Vão dormir juntos. Sabem-no muito bem. Cada um deles sabe que o outro também sabe.(...)
    No fim de contas, é preciso matar o tempo. São os dois jovens e de boa compleição: ainda têm diante deles uns trinta anos. Por isso não se apressam, saboreiam o seu vagar, e não deixam de ter razão. Quando tiverem dormido juntos, precisarão de encontrar outra coisa para encobrir o enorme absurdo da sua existência. Embora... Será absolutamente necessário mentirmos a nós próprios?
    (in A Náusea by Jean-Paul Sartre)
    O absurdo da existência levado ao limite. Contrariamente ao que o narrador pretende passar, não creio que as pessoas se sintam bem em viver sozinhas, (peço desculpa CC por esta minha opinião - de modo nenhum a queria entristecer) embora há tempos, tenha ouvido uma senhora mais nova a dizer que vivia só, mas que não se sentia só porque gostava de ler, escrever, comunicar com pessoas, ver cinema, etc.
    Sem dúvida que a solidão por vezes acontece, mas existe lá coisa melhor que sentir que "mandaste a minha solidão embora, iluminaste o pavilhão da aurora, despertaste em mim um ser mais leve, eu sei que essencialmente isso se deve a esse teu passo inseguro e ao paraíso no teu olhar", como canta o Jorge Palma.

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  3. Bem bonito o que diz o Jorge Palma, mas quantas vezes o que eu vejo nos casais são apenas solidões acompanhadas. A maior parte das pessoas vive apenas acomodada à vida que tem, não procura mais nem diferente por receio de se tornar mais infeliz do que aquilo que já é. Respeito-as pois a condição humana é coisa complexa que há muito aspiro ir compreendendo.
    ~CC~

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  4. Gostei das duas gaivotas, não fazemos ideia se têm casa juntas ou se, casualmente, pousaram ambas na rocha, se desconhecem e parte cada uma para seu lado.
    Imagino que as pessoas sejam diferentes umas das outras. Que algumas prefiram estar sós. Mas também julgo que a velhice se leva melhor a dois desde que haja respeito entre esses mesmos. Porque cada um tem o seu espaço de não interferência, mas, havendo problema, estão juntos para resolver; porque os filhos, se os há, voam e criam o seu núcleo e a casa vai ficando silenciosa, se estamos sozinhos, por mais companhia que os media e a música façam, não têm proximidade, não nos sorriem a nós, não têm mãos nem estendem braços. E continuo a pensar que solidões acompanhadas são preferíveis a solidões sem companhia. Mas isto sou eu. Porque também acredito em quem está sozinho mas não se sente só. E conheço e conheci pessoas que mais lhes valera a elas e aos que as rodeiam, mais lhes valera ficarem sozinhas, nunca deviam ter-se juntado a alguém, não têm capacidade para fazer os outros felizes.
    E lembro-me sempre daquele poema de Florbela Espanca, "alguém que veio ao mundo para me ver e nunca na vida me encontrou". Porque também há desencontros.
    Mas sol e mar no inverno são realidades felizes, CC. E não são para todos:).
    Boa tarde. Aqui, com sol que não aquece.

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