Primeiro era lá longe, tão longe que não nos preocupamos, como se um vírus não pudesse chegar do lugar oposto do mundo.
Depois não conhecíamos ninguém infectado, não obstante o medo que sentíamos.
Quando deixámos de ter tanto medo, já havia conhecidos de conhecidos, ainda não os amigos, ainda não os nossos familiares.
Depois o cerco foi-se apertando. Terá sido só comigo? Acho que não.
Primeiro foi a sobrinha lá longe, em Londres. Depois outra sobrinha, em Lisboa. Jovens, passaram relativamente bem.
Mas foi piorando. Em dezembro morreu a mãe de um dos meus cunhado com a doença, estava num lar. Ontem foi hospitalizado o meu cunhado, na lógica de um cunhado é alguém que nunca deixa de o ser e este era mesmo especial, sempre esteve por perto da família ou mesmo lá dentro, se a festa era importante, ele vinha sempre. Não saia de casa há alguns meses, pois já tinha uma situação de saúde frágil. Mas havia, tinha que haver quem entrasse para os cuidados. Quando o conheci vivia num parque de campismo e era o homem mais bonito da ilha, não o imaginamos preso a ninguém mas teve três maravilhosos filhos dos quais cuidou com desvelo absoluto, tão absoluto que acho que em determinada altura se esqueceu de si próprio.
Hoje, um homem, já com alguma idade, tirou a máscara e tossiu em pleno supermercado, estava a menos de dois metros de mim e fiquei estarrecida, tão chocada que não consegui dizer nem fazer nada. Não consigo precisar se isto é ignorância, despreocupação ou negacionismo. Não quero desprezar o meu semelhante nem me achar melhor que ele, mas às vezes é muito difícil.
Eu sou daquelas pessoas que viveu mais de metade da sua vida na rua, daquelas para quem a casa é que era o sítio de passagem, um lugar para passar um bocado da noite e dormir. Estudei e trabalhei em cafés e jardins uma vida inteira. Imaginem o quanto me custa esta prisão. Mas sei, também por experiência própria, que não há maior prisão do que uma cama de hospital e, sobretudo, uma cama de cuidados intensivos.
Escolham portanto a melhor prisão, não a pior.
~CC~
"Escolham portanto a melhor prisão, não a pior."
ResponderEliminarUma pequena frase, onde se diz tanto, onde se diz tudo.
Boa noite, e saúde
Obrigada Noname, tentamos em conjunto não entristecer?
Eliminar~CC~
O cerco aperta. Aqui, na minha trincheira de confinamento, tento fazer a parte que me compete.
ResponderEliminarNão tenho dúvidas que consegue Luisa ou não fosse quem é.
EliminarUm beijinho
~CC~
Os jovens e os mais idosos parece-me serem os que menos medem o perigo. Uns, confiam na sua robustez natural para a cura; os outros, mercê talvez da idade e da proximidade da morte são um tanto alheios ao perigo. E não pensam em quem os rodeia ou não acreditam na rápida propagação do vírus.
ResponderEliminarÉ verdade, todos temos exemplos semelhantes, o perigo veio de longe e já está à porta. Mas não acredite, CC, que por ter feito da casa apenas o lugar de dormir lhe seja mais difícil o confinamento.
Um abracinho e força aí.
Bea, a casa agora não é nada apenas o lugar para dormir, agora é o lugar da VIDA TODA, ou QUASE, mas antes deste bicho mau era assim que a encarava,
ResponderEliminarAbracinho Bea
~CC~