quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Invernos de pele


Quantos casais viverão separados pela força das circunstâncias? Que mar terão entre eles? Ou muitos quilómetros de estrada? Rios?

Muita gente deixou Portugal, muita gente foi para outro lugar dentro de Portugal. Vozes que só se escutam por telefone e via Internet.  Nenhum abraço na chegada a casa, uns lábios sempre secos.

A intimidade, eis aquilo que a distância nos faz perder. A cama solitária noite após noite torna-se incontornável, tanto o queremos e não sabemos se pode já ser de outro modo. As distâncias forçadas são diferentes das outras distâncias criadas por quotidianos cinzentos, mas são ambas frias. Gelam este sol que felizmente tem vindo todos os dias.

~CC~

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ninguém do outro lado



O telefone toca mais ou menos uma vez por semana para nada se ouvir do outro lado. Às vezes de 15 em 15 dias. Às vezes talvez passe um mês. Nada mais assustador do que o silêncio da chamada anónima. Não é tanto o medo, é mais a desconfiança, o desconforto. Se calhar há milhares de chamadas perdidas e as minhas são apenas mais umas, linhas cruzadas sem destino à vista. O mais certo, o que desejo, é que seja alguém que não procure realmente por mim, que seja apenas alguém a ligar ao acaso para ouvir uma voz humana, alguém que quer tirar outro alguém do sofá. 

Na possibilidade improvável de ser alguém para mim, desejo que não odeie, que não me queira mal. Pensamos sempre que não há razões para alguém nutrir esses sentimentos por nós, será o amor a mover montanhas ou o ódio? O ódio move sempre mais, parece-me. Foi Jorge Luís Borges que disse alguma coisa parecido com isto: não deixes que o teu ódio te prenda aos teus teus inimigos. Quem odeia, vive numa prisão. Escolhi sempre não odiar mas às vezes foi difícil, espreitava com insistência o rancor e o desprezo. Já quem ama pode escolher  fazê-lo como prisioneiro ou como pessoa livre. E como pessoa livre é tão bom. Não, nunca imagino que do outro lado possa estar quem tenha amor por mim.

~CC~

domingo, 24 de novembro de 2013

O jogo da dor



Chega a época dos peditórios, é o que Dezembro traz de mais insuportável. Agora começam logo a meio de Novembro e irão prolongar-se por mais de um mês. Não podemos aproximar-nos dos supermercados, por ora deixaram os mercados de lado, não sei até quando.

Dão-nos sacos com listas de pedidos cada vez mais concretos, desta vez pedem coisas para crianças. Que crianças serão? Onde estão? Com as suas famílias? Em instituições de acolhimento? É insuportável a ideia de que estamos a falar de quem precisa mesmo de leite, de fraldas, de chuchas, tão insuportável a ideia como o peditório organizado em seu favor. Não haverá outro modo? São sempre muito jovens os que nos dão o saquinho, competindo entre eles muitas vezes e fazendo questão de não nos deixar passar, parece ao mesmo tempo uma brincadeira de miúdos. Terão consciência do que fazem? Contactarão eles com as crianças para as quais pedem? Ou a sua acção resume-se ao saco entregue?

Nada nos é dito sobre as crianças que precisam, nem sobre o modo como estas coisas chegarão até elas. São rostos invisíveis, ocultos pela caridade. É insuportável a ideia de que aquilo que pagamos em impostos não lhes chega, nem o que podemos descontar através do IRS para estas instituições. São cada vez mais aquelas que recorrem a estes peditórios. Dão-nos muitas vezes qualquer coisa que não precisamos em troca de uma moeda, um porta chaves, um marcador, um bonequinho. É inevitável pensar no que o Estado desperdiçou em negócios de vão de escada, na injustiça que é os que têm pouco ainda terem que dar aos que têm menos. Ninguém recusa os sacos cor de rosa com o alfinete a dizer o que é preciso: papas lácteas, cremes, leite adaptado. Ninguém diz não, se o fizermos sentimos que estamos a negar auxilio, é com isto que as instituições contam, com o nosso mal estar. Podia ser de outra forma? 

È o que Dezembro traz de mais insuportável, o doloroso jogo da caridade, é ser quem somos no sítio onde estamos.

~CC~


sábado, 23 de novembro de 2013

Os meus lugares (I)


Três quinze dias em Setúbal. 
Um restaurante especial, um bar, um lugar bom de se estar. 
Mas não vá com pressa.
Consigo ficar com saudades de lá ir.
~CC~



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Rir ou chorar



As dinâmicas de grupo são uma parte importante da formação dos meus estudantes, parte delas são eles que dinamizam, não só para aprenderem a fazer, como para saberem que tipo de análise podem fazer. Propuseram um exercício interessante: um deles ficava numa cadeira simulando uma acção e outro colega tinha que o convencer a sair de lá através da força de persuasão. Querem saber?

A- Eu estou a ver um espectáculo.
B - A seguir vai ser ópera.

A sai a correr da cadeira!

Eu fico sem saber de devo rir ou chorar.

~CC~

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Chá de Inverno



A distancia é muito mais dolorosa nas noites de Inverno, Junte-se a este frio que resolveu aparecer um corpo a precisar de mais cuidados do que habitualmente. Não há voz que chegue ao calor de uma mão. Não há maior prova de amor do que uma pele colada a outra pele. Receio esta distância que não me deixa ir fazer um chá e levar-te. É tanto o tempo que não partilhamos, por bons motivos cresceu ainda mais. O que compreendemos pode, apesar de tudo, entristecer-nos. 

Também sei de muitos corpos vivendo lado a lado sem se encontrarem, de muitos chás que ficaram por levar, de noites de inverno que ficaram maiores pela presença do outro.

Queria levar-te um chá de rosas. Ou, por causa do frio, um chá de perpétuas roxas. 

~CC~


domingo, 17 de novembro de 2013

À noite na mina


A noite tornou-se muito fria assim que o sol mergulhou na planície.

Uma casa antiga onde antes os trabalhadores da mina de S.Domingos se reuniam para as horas de lazer, está agora repleta de fotografias, lá estão as moças no piquenique, os homens à volta do jogo de cartas e mais que tudo, o canto, o cante. São inúmeras as imagens dos grupos de homens que olham sem um sorriso para a fotografia, tão compenetrados da função.

Estamos ali como quase os únicos forasteiros no meio do povo da vila que sabe cantar, o palco não é apenas o palco, é um um lugar inteiro de memória colectiva. Canta-se deste e do outro lado até que no final ficarei com os olhos molhados. 

E desta vez não são os velhos que cantam, no palco a média de idades não vai além dos vinte e tal. São os moços da viola campaniça, quem deu à arte toda uma vida para fazer surgir do que morria uma vida nova. Cada canção é também uma história do lugar, dizem-se os nomes dos pastores, dos cantadores, dos lugares, das feiras.

A sala foi aquecendo lentamente entre as palmas, os sorrisos, a minha emoção. Muitas vezes me perguntei o que era a comunidade, raramente a senti como aqui.

É nestes lugares que me comovo e me sinto viva, estar aqui é para mim mais valioso do que estar no CCB, no coliseu ou em qualquer lugar em que arte é espectáculo. Aqui a arte é terra e sangue e cheiro de estevas.

~CC~

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Parar o tempo



Há para além de todas as coisas enormes que são ditas, uma pequenina que me tocou muito. Pergunta se já fomos crianças obrigadas a mudar de casa, deixando tudo para trás. Sim, já fui uma criança dessas. Não tenho um caderno da escola, um brinquedo, uma roupa de menina. Muito tempo depois fui à procura da minha casa em Luanda. Nada era como na minha memória. Acontece-me, contudo, uma coisa estranha. Quando recordo, recordo tudo como era na minha infância e não como vi já adulta.

Nunca tinha, porém, pensado na memória dos rostos deixados nas casas abandonadas. Que belas ficam as paredes feias.


~CC~

PS. Fui roubar ao blogue "escrever é triste" aí na barra do lado.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Assim vamos...




É um pensamento profundamente fascista o de pensar que os pobres são felizes. Imaginem o que é ouvi-lo de miúdos de 20 anos perante uma reportagem em Moçambique com crianças cujos pais morreram com sida e que passam os dias em busca de comida. É verdade que se riem e às vezes jogam à bola, como não? A brilhante conclusão deles: ao menos eles são felizes com o pouco que têm, nós aqui temos muito mais e não somos. Eis a grandeza da reflexão...e estes até são dos melhores alunos.

~CC~

sábado, 9 de novembro de 2013

O cão de Saramago



Joana fez um risco no chão para explicar ao marido que ele ficaria de um lado e ela do outro. Pode ter sido nos Pirenéus que tal aconteceu. Pode ter sido Joana a inaugurar com o seu risco a fractura que deixaria a península ibérica à deriva. Ou, em vez de à deriva, à procura de si mesma. Num lugar no meio do Atlântico, girando sobre si própria. Com ela milhares de seres humanos atónitos pelo desastre natural ou apenas cinco seres humanos, três homens e duas mulheres.

Em Vale de Barris na noite fria de Novembro, enrolados em sacos cama, assistimos ao milagre cénico que o Bando fez com o livro de Saramago, um livro que li aqui pela primeira vez. 

O estranho fio azul que ninguém sabe o que é. A que nos conduz? A que nos amarra? A bandeira da Europa que o cão recusará no fim em definitivo. Este cão que no fim se liberta e com ele a voz rouca e magoada dos aflitos, dos sem nada, dos sem terra.

É um cântico amargurado que se ouve na encosta.

Só as mulheres de Saramago têm aquela força, a candura, a magia, a piedade. São sempre condutoras de destinos incertos mas não mostram medo. 

Que linda é a lua  nesta noite fria.

Há muito que penso que os nossos caminhos se deviam traçar por mar, não por terra. Este cão de Saramago, animal insano e ferido, metáfora de um povo. No final ele diz não, com voz magoada, dolorosa, rouca.

~CC~

Escrito a partir da peça Jangada de Pedra de José Saramago, peça encenada pelo Grupo de Teatro "O Bando".




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O frio dos frios


Qual será o maior frio de todos? O da temperatura? O do desespero? O da solidão? O da fome? Não sei, mas os bichos têm estratégias interessantes.

~CC~

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Surreal



Ai que Tryp Coimbra outra vez. Às voltas com A, B e C mas sempre no mesmo hospital, também uma escola. O rio desapareceu da janela, vieram as obras, os cortinados são os mesmos. Em A desejo não estar aqui, quero sossego, a minha sala pequenina. Em B digo que tem que ser, cada um tem o seu karma, carrega outras vidas além da sua. Em C fica aquela estação inexistente em Coimbra mas em que me apetece a tua pele, o aconchego de uma noite abraçada. Tryp que nome, nunca precisei de nada para as minhas viagens, essas que me levam sempre longe e ao centro dos meus desejos. Desejo uma estação só para mim, porque é que não me dão uma dessas abandonadas que a Refer fechou com cimento ou deixou ao abandono, mesmo que para fazer outra nova mesmo ao lado. São Tryps de negócios e não são poucas. O meu negócio seria sempre uma maneira de conjugar com comunidade e ganhar uma ninharia. Que cansaço, tanta autoestrada, camião, placas a anunciar terras a que não posso ir, a tua terra também ali no meio do caminho, estão ali os teus pais na casa que já esfria, aposto que a tua mãe me daria um bom chá de cidreira do Quintal. Ai quantas noites gratuitas valerá esta publicidade surreal? Nenhuma. Pois, classe média ou média baixa, é tudo a pagar. 

~CC~

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ao engano...



À partida sim. Porque é que o Estado tem que tomar conta das escolas, porque é que elas não se poderão governar a si próprias, ainda mais se forem governadas por aqueles que as conhecem bem: os profissionais. Com uma regulação mais distante mas vigilante nos aspectos essenciais: garantia de que todos têm acesso à escola.

Mas o aplauso morre imediatamente quando me lembro como é no ensino superior. A prática da autonomia não é aqui há tanto tempo uma bandeira? Mas estão sempre a contradizer essa mesma autonomia, cativando as próprias verbas que as instituições criaram. Quem é que pode governar sem usar de forma autónoma o seu próprio dinheiro, gerir o seu orçamento?  Agora, obrigam as instituições a fusões e criação praticamente forçada de uma rede (as redes criam-se lá assim...), dando-lhes até Dezembro para apresentarem os seus casamentos de conveniência. Escondido está o verdadeiro projecto de encolhimento das ofertas formativas,  extinção simples das instituições do interior e das periferias das cidades, dotação de menos verbas e desemprego docente. Sim, há coisas mal e a cooperação é o modelo a seguir, mas o remédio não se cria sob pressão, em dois meses.

Escolas geridas por professores?! É no mínimo estranho que queiram dar a um nível de ensino, o que todos os dias tiram no outro. Qual é o projecto escondido?

~CC~

sábado, 2 de novembro de 2013

Outubro Francês



Raras coisas boas se alastram  ao país, tem sido isso que está a acontecer com a Festa do cinema Francês, pouco a pouco novas cidades exibem os filmes, possibilitando que mais gente veja cinema para além do império cinematográfico americano (que claro tem coisas excelentes, o único problema é a hegemonia).  De sublinhar esta capacidade de marcar positivamente o mês de Outubro. Felizmente as duas cidades em que vivo são parte da festa. Quanto à canção, enrola-se em nós, é Outono puro. Oh mon amour...



~CC~