Hoje, no comboio Algarve Lisboa, uma mulher, pasme-se, alemã, conseguiu falar durante toda a viagem, toda, acompanhando o que dizia, em voz muito alta, com gestos efusivos. A companheira de viagem só tinha direito a uns monossílabos, acenos de cabeça e pequenas e curtas frases. Não sei se se trata de um contágio latino ou se definitivamente estamos enganados sobre os povos do mundo.
Muito mais grave foi a gritaria que ouvi nas duas últimas visitas ao hospital, um público, outro privado. Não, não eram os doentes a queixar-se das suas dores e maleitas, esses, pelo contrário, primavam pelo silêncio. Já o pessoal médico, enfermeiros e auxiliares falavam alto entre eles como se os doentes não existissem, contando tricas de trabalho, questões pessoais e tecendo revoltas contra chefes e afins. Faziam encomendas e contavam instrumentos e materiais em falta à nossa frente, como se simplesmente não existíssemos. Uma autêntica praça instalada nas salas de exame e internamento, como se estivessem nas suas próprias casas ou mesmo a negociar na feira, Para onde foi o silêncio que se fazia sentir nos hospitais? Aquele ambiente em que se falava sempre baixinho e se condenavam as visitas se faziam muito barulho? Lembro-me com clareza de ser assim. Se ao menos falassem connosco para nos aliviar do peso da angústia dos exames que vamos fazer, das doenças que temos, do incómodo que é aquele cortar repentino dos nossos quotidianos. Não, connosco, eles não falam. Pedi isso à enfermeira naquele dia: fale comigo, converse, isso distrai-me. A espera numa maca, já imobilizada, é das coisas que me custa mais e estava há muito nesse situação. Perguntei-lhe se trabalhava ali há muito tempo, se gostava, se...às tantas, ela, claramente incomodada, disse-me; é o seu marido que está lá fora? Vou chamá-lo, assim pode falar com ele. Antes não lhe tinha ocorrido dizer-lhe para entrar.
As coisas mudaram e para pior, instalou-se uma espécie de Anatomia de Grey misturada com novela mexicana. Foi assim, que com uma sedação claramente insuficiente, tudo fiquei a saber sobre os meninos do médico que me fez o exame e da preocupação com que estava em não chegar a horas de os ir buscar à natação.
Saudades do silêncio, do silêncio nos lugares, nas pessoas. Saudades de ouvir falar baixinho.
~CC~
Concordo!
ResponderEliminarCada vez se fala mais alto.
Berra-se por tudo e por nada. Substitui-se argumentação pelo grito. Mede-se a razão ou a falta dela pelos decibéis...
Sou como você, procuro o silêncio por opção.
É nele que me sinto bem.
AL
Obrigada António Luís, é sempre tão bom quando alguém nos entende.
ResponderEliminarJá tenho dado conta do mesmo, quando me acontece ir visitar alguém, inclusive em locais onde supostamente deveria haver cuidado redobrado. Lembro-me que há uns anos, o pai de uma amiga esteve uns dias internado em cardiologia. Pediu para o levarem para casa, porque não conseguia dormir com o barulho.
ResponderEliminarHá até quem pense, adultos incluídos, que o falar alto lhes dá "estatuto".