quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Humilhação suave


Vou lá às vezes. É um lugar pequenino e pouco atractivo mas com comida muito boa, sobretudo doces. Trata-se de um casal nas antípodas um do outro e aparentemente pouco comum. Ele cozinha, ela faz tudo o resto. Ele é extremamente comunicativo, ela calada, reservada. Ele fala com todos os clientes, fala sozinho e fala com muitos amigos que por lá aparecem ou que se tornaram amigos por lá aparecer. Normalmente diz coisas um bocado parvas, tem um olhar insistente com as mulheres e usa uns elogios sem grande graça, naquele género engatatão que a mim me passa ao lado. Ela tudo ouve e não liga, fixa o olhar em nós, fingindo-o inexistente. Ontem, com um amigo, dizia o seguinte:

- Uma mulher para me levar daqui tinha que ser muito especial. Mal por mal fico com esta.
- Mas ninguém está a falar disso, só de divertimento.
- Não, apaixonar-me isso sim, deixava esta por uma mulher especial.

Esta conversa era feita em voz alta, não como dois amigos que falam num canto, a mulher ouvia tudo, vi-lhe os olhos vagos, perdidos, a dificuldade em concentrar-se no pedido que lhe fazia.

Eu tinha-o deixado ali mesmo, saía porta fora e ele que tratasse dos clientes nesse dia...e já agora também nos seguintes. 

Esta violência suave é tão humilhante para as mulheres, não sei como aguentam. É com frequência que namorados e maridos elogiam outras à frente delas ou as comentam ainda com mais pormenor, fingindo que elas não existem, não estão a ouvir. Um sufoco este país marialva.


~CC~

6 comentários:

  1. essa violência "suave", deixa marcas, até no corpo... sabe-se lá o que a faz continuar ali...

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  2. inacreditável...
    o silêncio dela até deve ferir...

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  3. Espero que ela tenha, em breve, a coragem de o deixar com os clientes, que serão menos depois, talvez.

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  4. compreendo a indignação.
    e, no entanto, o mundo (e o País) move-se...

    gostei de conhecer o seu blog.

    agradeço da sua visita
    e não me julgue sempre "insurgente" ... rs

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  5. Meninas, eu acho que ela, magrinha e pequenina, é que sustenta tudo, é um pilar, ele é só garganta, só lhe falta indignar-se que é coisa que tanta gente não sabe, não consegue. Ou seja, Manuel, insurgir-se (como é bom).
    ~CC~

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