Ele disse muita coisa. A viagem demora 3 horas e ele tinha oitenta e um anos e meio, por isso muito para contar a uma desconhecida à qual tinha roubado o lugar à janela mas que insistiu em devolver.
De tudo o que disse registei sobretudo o momento em que relatou que há dois ou três anos ainda fazia a viagem mais vezes de carro do que de comboio. Era noite cerrada, já passava da meia noite e o carro avariou em plena auto-estrada. Ele, tal como ainda hoje, sem telemóvel (não lhe faz falta), acenava aos carros sem que nenhum parasse. Mas não teve medo, pelo contrário, era Verão, sentia a aragem da noite e ouvia os bichos pela calada da noite. Ficou ali a fruir do momento, a ver a lua, a sentir a brisa ligeira, a ouvir as cigarras e os grilos e outros animais cujo som só vinha da sua passagem pelas folhas. E depois lá parou alguém, passado algum tempo, muito tempo.
Mas o que ele guardou não foi a mudez do seu carro vintage que ainda hoje usa para as voltinhas na cidade mas a poesia da noite de Verão. Há por aí tantos poetas escondidos no interior das pessoas.
~CC~
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