terça-feira, 30 de janeiro de 2018

E sabe-me bem este silêncio



A casa encheu-se de gente e agora está vazia. A casa que é grande quando cá vivo sozinha tornou-se muito pequenina e agora parece outra vez grande. Eles, os elos fundamentais. Desta vez não estiveram por eu estar doente, precisar de ajuda, de alguém por perto. Eu estive a par, cozinhando, pondo mesas, lavando, cuidando. Vieram só, vieram por haver quase festa, ou seja, ocasião para estarmos juntos, comermos, bebermos, conversarmos. Dissemos poemas e aprendemos a fazer fogaças, brindámos com chá e moscatel com as velhotas que desceram lá de Palmela, contando esse tempo de rezas e mezinhas misturadas com doces. Foi um tempo tão cheio. Mas agora, só, não me sinto verdadeiramente sozinha, ainda estou repleta de vozes, sabores, odores. E sabe-me bem este silêncio.

~CC~

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Com cerejas



Muito mais do que com morangos, é com as cerejas que o amor combina. Talvez com mangas sumarentas também, dessas da minha infância e, depois, mais adulta, junto ao Pacífico. O livro também está cheio de frutas, de sabores, de lugares, de oceanos cruzados.
É um livro de um colega amigo.
~CC~


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Do quarto com vista (II)



Em Sines, naquele lanço que desce até ao mar e em que o olhar se estende num horizonte maior, senti a sombra do poeta Al Berto. Uma sombra que me acompanhou todo o fim de semana, dentro do centro cultural onde o soube várias vezes, nas conversas com amigos que com ele privaram, no passeio pela orla da praia cheia de lixo trazido pelo mar, uma praia deserta de Inverno. Imaginei os dias e as noites, a alegria e a tristeza, a dor e o amor, uma voz intensa num tempo intenso. A Sines antes das músicas do mundo, do centro das artes, do restaurante em que a estação de comboio se transformou. E os tempos passados andaram enrolados comigo naquele presente, como se a vida de alguém que não conheci, de uma cidade em que não vivi, pudessem afinal falar comigo e eu pudesse entendê-las.

~CC~


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Um quarto com vista... (Janeiro)



A ver: Memória Guardiã de memórias.

~CC~


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Que difícil dizer não



Tenho ali dois ou três convites para trabalho à espera que lhes diga não. Consegui finalmente responder a uma revista que no prazo pedido não lhes conseguia entregar artigo nenhum, pedi mais um mês. Nunca teria antes tido a coragem, sacrificaria as noites e os fins de semana. Agora ando a barricar sofregamente os fins de semana ou pelo menos um dos dias para o deixar livre para poder respirar, sentir-me, sentir-te. Fiz um compromisso comigo de sair da rotina um fim de semana por mês, arranjar um quarto com vista para a cidade, o mar, o campo. Consegui em Novembro ir a Arraiolos, em Dezembro ir a Sintra (há tantos anos que não dormia em Sintra), em Janeiro irei também. Talvez me aventure ainda este ano a apanhar um avião e ir mais longe, não obstante odiar aeroportos e aviões. Esse tempo suspenso é ar de que preciso mesmo para viver, é um ar que sabe diferente daquele que todos os dias respiro.

Mas penso e penso nas razões que fazem com que seja difícil dizer não, adio, vejo e revejo a agenda, penso que talvez possa se convidar mais alguém para dar resposta comigo. E já percebi que não é a questão do dinheiro, esse é sempre pouco em relação ao trabalho solicitado. Aceitei fazer uma colaboração sem sequer saber se é paga, mas fui incapaz de dizer não só porque o título sabia a água com açúcar e quem me convidou passou mais ou menos pela mesma doença que eu e tem tido sempre uma palavra amiga. Tento analisar o que me faz ser assim e não chego a conclusão alguma, às vezes penso que é mera vaidade, que aceito por me sentir honrada, o que se levar bem fundo é o mais velho problema do mundo, aquela velha falta de amor que vem de uma falha básica. Mas não é por aí que se colmata, como não aprendo.

~CC~






terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Cá comigo



Se não a 100% com as americanas, jamais com as 100 francesas.

~CC~

sábado, 13 de janeiro de 2018

Usar o preto



Não tenho dúvida alguma sobre a seriedade do assédio sexual e que existe como abuso de poder de alguém sobre um outro, de alguma forma em posição mais frágil, no mundo do cinema ou em qualquer outro. Tinha 20 anos quando um taxista me colocou uma mão na perna apenas por eu ir sozinha no táxi com ele e ingenuamente ao seu lado. E recordo outras coisas do género e sim, algumas vezes, de alguém que tinha poder sobre mim. Não é, como alguns dizem, que basta negar e acarretar com as consequências. É bastante mais complexo e mais difícil. As minhas situações foram básicas, ténues, daquelas que são sobretudo insinuação, tentativa, ilustração do poder, do que se perde por não querer, etc. Mesmo assim achei-as miseráveis. Mas o que possa ter perdido não era o meu emprego, a minha casa, os meus entes queridos, como acontece com muita gente. Qualquer comparação do assédio com um jogo de sedução entre dois adultos é pura desinformação, poeira para os olhos, não é disso que se trata. Aplaudo assim o movimento de denúncia. 

Contudo, tinha que haver um no entanto...

Vestidas de preto com trajes de alta costura e a brilhar muito. Todas de preto pois quem não veste, não é boa gente. Isso já não. Não é denúncia a sério, não é dor, é já outra coisa qualquer do domínio do politicamente correcto, do tem que ser, do "eu também" se não fico de fora.

Fico triste quando o que é bom se estraga num instante. E tenho receio de que isso esteja a acontecer. E que se venha a virar contra as mulheres (sobretudo elas, mas o assédio não é apenas no feminino). 

Não importa a cor que vestimos, vermelho para mim seria melhor para a indignação, mas se para ti for o branco, veste-o.

~CC~






terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Paladares



Uma vez perdi o sabor da comida com um desgosto de amor, lembro-me bem de não me apetecer comer, da rejeição da comida, passou breve. Anos mais tarde, uns bons anos mais tarde, também perdi o paladar, por força dos químicos para a doença. Desta vez, foi mesmo físico, provava e queria comer mas o retorno era nulo, uma viagem ao vazio. Recuperei lentamente, tal como o gosto por cozinhar. E se há coisa que gosto é se perceber o que cada lugar tem de singular para oferecer em matéria de sabor, é um modo de entender o que lá se passa ou passou. É para essa homenagem aos sabores que vos convido. E é só o primeiro de mais sábados.



sábado, 6 de janeiro de 2018

A vida dá cada volta



Ainda me lembro quando ela as quis comprar. Estavam na moda, talvez porque na altura realmente chovesse, não era de quando em quando, como agora. Ou talvez fosse por a moda criar necessidades como lhe apetece, mesmo sem razão alguma. Certo é que havia galochas por todo o lado e bem diferentes das da minha infância que eram apenas uns monos de borracha colorida para as crianças e escura para os adultos, estes quase só operários e trabalhadores do campo. Na adolescência da minha filha tinham os mais variados cambiantes e padrões e as que ela quis misturavam uma parte de borracha e lã, e a lã tinha um certo padrão natalício que ficava bem com o Inverno. 

Não sei quantas vezes as usou, talvez só naquele Inverno em que todos as usavam. Ontem calcei-as e saí com elas à rua, coitadas, há tanto tempo a definhar no armário, foram elas a pedir-me. Um bocadinho largas é certo mas uma proteçcão ultra adequada. Senti-me uma miúda e dei uns saltinhos nas poças de água.


~CC~

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O meu nome (para a Alexandra)


Para a Alexandra (Imprecisões)

Encontravam-se dois Júlios (Resende e Machado Vaz) em cena e tinham chamado a esse encontro "poesia homónima". Tinha curiosidade pois era um produto híbrido, não era só música, não era só poesia, e mal sabia eu na altura, afinal também envolvia pintura. Avaliando as coisas pelo meu interesse nelas, acho sempre que os espectáculos vão esgotar, por isso procuro comprar os bilhetes antes. Nesse dia, nessa terra que viu nascer a minha mãe e para onde caminho amiúde, Olhão, vila da restauração, havia mais poesia e por isso fomos à tarde.

Entrei no átrio vazio e estava uma funcionária lá ao fundo, à qual me dirigi. Assim que cheguei o telefone tocou e ela atendeu mas ao mesmo tempo olhou para mim e disse: Cibele! Eu fiquei absolutamente espantada por ela saber o meu nome e estar assim à minha espera e disse: sim, sou eu. Ela respondeu: não, sou eu. 

Pediu um bocadinho e continuou o telefonema. Quando poisou o telefone, tive que esclarecer. Sim, ela também se chamava Cibele e também nunca tinha conhecido mais nenhuma mas sabia que no Brasil havia muitas e que agora passava uma novela brasileira em que uma das protagonistas tinha esse nome. Em Olhão, terra da minha mãe. Uma mulher com o cabelo muito escuro, menos dez ou quinze anos que eu, cujo pai gostava muito daquele nome e o tinha escolhido para ela. Tive que lhe dizer que isso era o que tinha acontecido com o meu pai, que tinha sido ele a insistir muito para que esse nome fosse o meu e que apesar de só ter conseguido colocá-lo em segundo lugar, tinha sido a força dele a impor-se e (quase) todos me tratavam assim, sobretudo os mais próximos. Um nome que foi o meu brilho e a minha sombra. Brilhou por me ter sempre identificado com ele mas foi sombra na altura da adolescência por se prestar às mais variadas interrogações e brincadeiras. Não escolheria outro para mim, é um nome completamente meu.

Também para mim aquele tinha sido um dia de poesia homónima.

~CC~


terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O fim do racionalismo



Substitui a lista ordenada de desejos por grande desejo único, acompanhado de alguns vagos e difusos, que seria incapaz de hierarquizar. Em nenhum depositei a expectativa de uma vida como fiz antes tantas vezes, convencida pelas lógicas de massas que fazem destas fronteiras expoentes de ansiedade.

Comi uma passa e bebi meio golo de champanhe. Vesti-me normalmente, mas disseram-me que estava bem, que tenho outro ar, concordei. Não dancei e pela primeira vez não ouvi músicas brasileiras de passagem de ano nem na rua, nem em casa, não vi nenhum fogo de artifício e não lhe senti a falta. Houve por ali em casa acordes de alguém que tocava mas o que nos apetecia mesmo era conversar. À vez houve amigos, houve a outra família que não tinha acontecido no Natal. Não vi a minha filha mas ouvi-a, não fez mal, senti-a, sei que está comigo e eu com ela.

Não é, nunca será um dia como os outros este em que o ano dá a volta mas é ao mesmo tempo um dia sim, um dia como os outros são.

~CC~