sábado, 12 de janeiro de 2019

Mãe



De 15 em 15 dias estou com ela, levo-a a sair e a almoçar fora. Desta vez achava que eu já não vinha há muito tempo e que a última vez que tínhamos ido àquele restaurante (gosta de vegetariano) tinha sido há muito tempo, quando não tinha passado mais de uma quinzena. Os primeiros passos na rua foram cambaleantes, só no regresso pareceu acertar melhor o passo. Quando tirou os óculos escuros que invariavelmente usa por causa dos olhos doentes, pude ver os imensos círculos vermelhos que os rodeavam e um brilho baço. Não estava nos seus dias e diz que tem cada vez menos dias com luz, cada vez tudo é mais escuro, mais difícil, mais pesado. Como tantos filhos e filhas não sei o que fazer, moro a mais de 200km, não a quero ver num lar, não tenho condições para tomar conta dela na minha casa pois moro sozinha e ainda estou a recuperar da minha própria doença. O apoio domiciliário que tem é claramente insuficiente. Hoje tentei, como há um ano atrás tentei com a bengala (e só consegui depois de um ano), que usasse sempre consigo o telemóvel, preferencialmente colocado ao peito, em bolsinha própria. Recusou. Que o seu Deus a levasse a aguentar até à chegada do seu filho brasileiro foi o único clarão de hoje, nem se riu, quando lhe perguntei se seria Deus ou o seu santo Sousa Martins, creio que nem me ouviu. Já só ouve mesmo o que quer.

~CC~

7 comentários:

  1. Ler isto, é dizer ipsis verbis da minha mãe, ida em Fevereiro (deu-me um aperto daqueles de enovelar as vísceras, o coração no sítio do estômago, os rins nos pulmões, ...)

    Iguaizinhas (até a distância que te separa dela é a mesma que nos separava!)

    Força... e ama-a e cuida dela como melhor puderes, que é única e com a idade tende para a birra, aqui e ali :)

    Um enorme abraço, querida CC*

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  2. O jardineiro de pessoas sofre com o degradar do corpo, da saúde, das faculdades, da dita dignidade das pessoas de quem trata.
    A mulher que lavava o futuro nas margens do rio, costuma dizer-lhe que deve ser a forma de a alma se ir afastando do corpo para seguir outros caminhos.
    Eu, que entendo os dois, acho que Deus talvez se tenha descuidado neste aspecto, mas acredito que tenha delegado a almas como o doutor Sousa Martins, a tarefa de amenizar e amparar esta realidade :)
    Bom fim de sábado, CC

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  3. A minha mãe não chegou a envelhecer. Tenho o meu pai que (bato forte na madeira da secretária) se vai aguentando bem, mas penso muitas vezes no dia em que vai precisar de apoio. Imagino a sua preocupação.
    Um abraço CC.

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  4. O seu texto impressionou-me muito. Imagino como para si ainda é mais difícil, sem ter com quem dividir o peso das circunstâncias (que não são boas e não tendem a melhorar). A vida para quem vive muito pode ser um caminho algo penoso -- para o próprio e para os que assistem, não podendo fazer muito para o atenuar.

    Sei o que isso é embora talvez com a vida mais facilitada que a sua. Mas o que se sente, quando se assiste ao irreversível caminho descendente dos nossos pais, é sempre idêntico.

    Partilho, pois, a sua tristeza e desejo que a sua mãe consiga sentir alegria e conforto quando estão juntas. E a si desejo que recupere rapidamente da sua doença e que aproveite bem o tempo em que está com a sua mãe, que é um tempo importante. E que saiba que está acompanhada no que sente.

    Força. E boa disposição para enfrentar a vida tal como ela é.

    Um abraço.

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  5. CC, a minha mãe está num lar há cerca de dois anos. Considero um bem ter ido, pois, necessitava e necessita de cuidados que seria difícil de prestar por pessoal não especializado. Tenho-a visto com melhor aspecto e um com ar mais descansado. Diz-me que gosta de lá estar e que a tratam bem, e que em casa não podiam prestar-lhe aqueles cuidados. (Está praticamente cega (diabetes) e de cadeira de rodas. Come bem e sozinha, mas no resto está dependente. (Usa fraldas, dão-lhe banho, etc.))

    Não considero que se deva resistir muito (e quero com isto dizer quando a segurança está em causa e estão muito dependentes) a pôr os idosos num lar, pois, não é bom para eles nem para quem cuida.
    Normalmente os familiares trabalham. Mesmo quando têm bastante tempo livre passam a viver exclusivamente para aquela situação, por vezes, durante muitos anos, com enorme desgaste e às vezes perda da paciência.

    Ninguém sabe o que virá e por isso eu também não sei. Contudo, já há bastante tempo, e na sequência de emaranhados difíceis, tenho vindo a dizer ao meu filho que quero ir para uma instituição quando perder a capacidade de cuidar de mim, pois, gostaria que ele pudesse prosseguir a vida dele com a normalidade possível, o que não é viável com uma situação de cuidador.
    Por exemplo, se eu tivesse que tratar de alguém numa situação dessas, não poderia ter feito mudanças recentes na minha vida, que foram e são importantes, na medida em que me proporcionam mais felicidade. E a noção de escassez de tempo, e dos anos que passam a correr, também já é uma realidade para mim, percebendo que a altura oportuna para dar passos maiores estava a esgotar-se.

    Não me faz confusão nenhuma que estas minhas posições sejam tidas como egoístas. Até podia não as dizer, aqui e no curso dos dias, e no entanto faço-o. O ponto de equilíbrio de cada um, nestas e noutras questões da vida, não é chapa dez e o burburinho à volta (que se faz muito à custa dos estigmas e do parecer bem aos outros), é apenas isso, ruído.

    Ainda uma outra coisa. Já reparaste que o mundo "carrega" (penaliza e cobra) muito mais nas mulheres/filhas que põem os idosos em lares do que nos filhos/homens, considerando-se mais normal que eles o façam?
    (A discriminação joga-se muito nestes interstícios que as mulheres contribuem bastante para alimentar.)

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  6. Alexandra, pude ir percebendo essa tua dor...mas agora entendi ainda melhor, obrigada pela força.
    Ana, quem me dera ter metade da sua forma mística de encarar estas coisas, torna tudo tão mais leve e belo.
    UJM, é o que ajuda, uma quase constante boa disposição.
    Isabel, talvez se ela estivesse nessa situação da sua mãe, a decisão fosse mais fácil mas ainda não está e prefere morrer antes de estar, é pelo menos isso que diz sempre.
    Um beijo a todas (e sim, como vemos são as mulheres que mais cuidam...ou pelo menos que comentam).
    ~CC~

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  7. Luisa, cuide desse pai, se possível dando-lhe também espaço e autonomia:)
    Abraço
    ~CC~

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