Apenas ela tinha ficado na aldeia, as outras irmãs tinham partido uma a uma. Ela não conseguia deixar lá a mãe sozinha, depois da morte do pai.
Começou primeiro por ir à Igreja por excesso de tempo livre, a mãe nem lho pedia, acompanhava-a. Ainda lhe sobrava tempo depois da horta, de dar comida às galinhas e aos coelhos, dos bordados, da confecção dos doces. E acreditava em Deus como qualquer coisa que a acompanhava, uma parte da sua pele, um golo da fonte da aldeia, um bocado de broa cozida no forno de lenha, o riso dos meninos que vinham em Agosto encher de vida a Aldeia.
A princípio nem reparou bem nele, era um pouco mais velho que ela, cinco, dez anos, não sabia. Os padres para ela nem tinham rosto. Mas um dia entrou e estava um homem sentado no banco e chorava baixinho, quando ela se aproximou percebeu que era o padre, sem batina, como um homem normal. Colocou-lhe o braço por cima e assim ficaram algum tempo, bastante tempo. Naquele dia nem soube qual a razão daquele choro, só muito mais tarde. Certo é que e se começaram a entender e a amenizar a solidão um do outro. Talvez se soubesse, talvez nunca se viesse a saber. Não fora a sua barriga ter crescido sem motivo outro que não fosse carregar lá dentro uma criança. E ela querer essa criança como nunca tinha desejado nada antes. E ao contrário de outros ele ter dito: quero dar-lhe o meu nome. Nos primeiros meses depois da criança nascer, todos sabiam e calavam. Eram assim algumas aldeias, compassivas, clementes, dispostas a perdoar para ter um padre amável, simpático, que os ouvia e acolhia. O celibato não era nenhum juramento feito às pessoas, era a uma instituição.
Mas houve um telefonema a avisá-lo de que teria que escolher e como ele não o tivesse feito, chegou a carta. Era clara a ordem de expulsão e a proibição de dizer missa, fosse onde fosse. Mas como se expulsa alguém da sua terra e se tira a fé a alguém que a tem?
Não se sabe quantas pessoas ajudaram. Parece ter sido feita de noite. E era tão pequenina a capela que não cabiam mais que uma dúzia de pessoas. Mas ainda lá está. E foi nela que o padre disse missa durante o resto da sua vida. Ainda tiveram mais uma criança. Consta que as pessoas deixavam sempre qualquer coisa para os ajudar, às vezes durante a noite, para não afrontar o padre oficial que entretanto tinha chegado.
Eu estive lá e não rezei por não saber fazê-lo. Mas fiz um brinde com a seiva das flores, um desses brindes que por se fazerem em Agosto, só podem ser ao amor.
~CC~
PS (1) Inspirado, é claro, numa história verdadeira.
PS (2) Para boas crónicas de Verão, inspiradoras para mim, ler " A vez da Maria" e o Sr. Impontual.
PS (2) Para boas crónicas de Verão, inspiradoras para mim, ler " A vez da Maria" e o Sr. Impontual.
Uma história muito mais bonita que aquela que o Eça escreveu, e com um final muito mais feliz para a heroína: amou, foi amada de verdade, teve filhos, cuidou da mãe.
ResponderEliminarNunca consegui(rei) compreender o celibato dos padres, nem muitos outros dogmas de algumas igrejas; porque insistirão eles em obrigar as pessoas a fazer as coisas às escondidas?
E as pessoas dessa aldeia eram bem especiais, outras teriam reagido de forma bem diversa, de pedras na mão...
Um dia bom ~CC~.
⚘
Isto sim é uma magnifica história de verão. Ergo uma taça dessa seiva.
ResponderEliminarCrónica deveras interessante a fazer lembrar os velhos tempos (serão tão velhos assim?) do Ardósia Azul. Agradeço as sugestões inspiradoras, não obstante, insisto, se o Ardósia estivesse compilado, eu comprava o livro e pedia-lhe assinatura com dedicatória. Fica o desafio; mantenha-me informado!
ResponderEliminarTenha um excelente dia.
Pois é Maria, o Eça não deve ter andado por ali:)
ResponderEliminarBrindemos pois, Sr. Impontual.
Joaquim, obrigada pelo me estimular a fazer algo que gostava mesmo de fazer, quem sabe um dia...mas na verdade há tanta coisa escrita e tão boa que na maior parte das vezes sentimos que não temos nada a acrescentar e é só por vaidade que queremos ver-nos impressos(as).
~CC~
É verdade, mas a história que ele contou (aliás, de forma magistral) também terá sido inspirada em factos reais. Foi o meu primeiro Eça e deixou marca.
ResponderEliminarPublicar um livro poderá não ser vaidade, pode ser apenas a vontade de deixar um pedacinho de si, do que sente, em forma de livro, um testemunho da sua passagem aqui pelo Pale Blue Dot.
Filhota e amigos iriam adorar, muitos desconhecidos também; e não é lindo imaginar que daqui a muitos anos alguém poderá encontrar o Ardósia Azul e ler e emocionar-se com o que a ~CC~ escreveu?
Pense nisso.
Eu também compro um :)
⚘
Os padres são homens como outros e deviam casar.
ResponderEliminarJá agora que calha em caminho: também gostei do que li no ardósia azul, ainda que não compre livros feitos a partir de blogues e salve as minhas poupanças para autores que só os livros me podem dar.
ResponderEliminarMaria, muito obrigada, assim com duas pessoas a comprar o livro já vou pensar mais a sério no assunto:) E claro que o Eça é bom, muito bom!
ResponderEliminarBea, acrescento: e as mulheres deviam poder exercer o sacerdócio, nessa matéria nem os protestantes lá chegaram.
~CC~
Sim Bea, compreendo-a bem, a ideia também não seria essa, também não os compro. Não iria publicar o que escrevi aqui ou na Ardósia azul, mesmo que a história Almar pudesse constar, mas já a reescrevi depois de a publicar na Ardósia. A Ardósia nasceu para ser um blogue de escrita, para dar corpo a esse gosto por contar histórias, até ter percebido três coisas: que publicar on line me impedia de desenvolver adequadamente cada história; que toda a gente podia copiar o que eu escrevia e não há nenhuma forma segura de o impedir; que tinha criado um estilo que me aprisionava e não podia simplesmente escrever sobre o que me apetecia e como sou uma alma meio anarquista não gosto de me sentir prisioneira, queria poder dizer coisas parvas, simples, quotidianas...e cá está a Rua da Índia.
ResponderEliminar~CC~
Pois faça-se segundo a vontade do torrão anárquico da sua alma, CC. Com ou sem ardósia, por aqui andamos.
Eliminarotos de um bom e profícuo domingo.
Pois, minhas caras Senhoras, mas eu compro, embora agora menos, pois o meu poder de compra já não é o que era :(
ResponderEliminarAntigamente costumava retirar as crónicas do Pedro Mexia, do Tolentino Mendonça e do Manuel S. Fonseca (para só citar três) e guardava-as dentro dos livros e filmes referidos nessas crónicas; ainda hoje lá estão (as outras iam para uma gaveta).
Mas quando surgiam os livros comprava sempre. Era diferente, podia (re)ler quando me apetecia (mesmo que não houvesse luz), sublinhar o que me apetecesse, enfim era diferente, adoro o cheiro dos livros (não do napalm) a qualquer hora do dia (e não apenas pela manhã...).
Acresce o facto de já há algum tempo não ter pc e pagar a net a peso de ouro.
Portanto, ~CC~, a promessa mantém-se 😏
Excelente fds para as duas.
⚘⚘
Hummm....coleccionei ao longo dos anos as crónicas da Visão de Lobo Antunes arrancando as páginas das revistas pois então. Agora faço o mesmo às de Dulce Maria Cardoso. Tenho também várias de José Luís Peixoto. E não comprei os livros (mas ofereceram-me dois:)).
EliminarE no entanto tenho à cabeceira o livro de um bloguer. Que comprei:). As excepções existem:).
Bea, fiquei curiosa, que bloguer a fez comprar um livro dele(a)?
Eliminar~CC~
Será o Jaime Bulhosa?
Eliminar⚘
Uma história bonita com um brinde que acompanho. :)
ResponderEliminar[Pois eu estou com a Maria. Já comprei livros de blog(ger)s e sou capaz de o voltar a fazer...]
Pois...não divulgo; administrem as vossas dúvidas:).
ResponderEliminarPois muito bem, bea, não podemos contar tudo, não é verdade? Há que manter alguns segredos só para nós, manter uma certa aura de mistério...
EliminarEstou a brincar �� e sorry, não pretendia ser indiscreta.
E a verdade é que eu tenho muitos livros de crónicas, mas a maioria são colectâneas de crónicas publicadas em jornais e revistas; apenas 4 ou 5 são de bloggers.
Mas vou ficar à espera que a ~CC~ e a Bea entrem aqui na minha casa em livro, okay? ��
⚘
Ora bolas, cá estão os famosos pontos de interrogação...
EliminarOs primeiros são um smile.
Os do fim são um montinho de livros.
⚘
Ah, ah Maria, os seus emojis são só pontos de interrogação, tem que se render a isso:)
ResponderEliminar~CC~
A sério ~CC~?
EliminarEstou destroçada! :(((
E a flor que eu ponho no fim também não se vê?
Nem o barquinho azul e branco?
Vou ali barafustar com o Blogger e volto já :))).
(Flor)
Maria, a flor sim, as flores são muito resistentes e especiais:)
Eliminar~CC~