domingo, 12 de janeiro de 2020

Mães e filhas



Olho para a sua condição de fragilidade e crescente falta de autonomia e revejo o curto período da minha vida em que também eu estive naquela condição, lembro-me de todos os pensamentos negros que então tive, mas havia alguma esperança de recuperar, coisa que nela é mais ténue, embora tenha havido lentos progressos.

Só há uma coisa que me distancia totalmente dela. Enquanto para ela a imagem é muito importante, recusando sair à rua porque o cabelo não está arranjado, porque não quer que a vejam de andarilho ou de cadeira de rodas, eu saí muitas vezes de carequinha e se fosse preciso ir ver o mar de cadeira de rodas, iria. Enquanto para ela a velhice foi o perder de uma magnífica beleza sem nada em troca de substantivo, eu não tenho assim tanta beleza para perder e espero ganhar alguma paz e mais saber. Não posso prometer não ficar algo implicativa, por vezes injusta, por vezes sombria. Terei ganho por ter lidado com este processo, espero poder lembrar-me e fazer o meu melhor, sobretudo por ti, menina que vens depois de mim.

~CC~

10 comentários:

  1. Ai tem muita beleza, tem, querida CC. Eu vejo-a daqui.
    Que o mar nunca lhe falte.
    :-)

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    1. Ah Susana, que visão apurada tem:)
      Beijinho e muito obrigada
      ~CC~

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  2. Este texto comoveu-me bastante, ~CC~, mas não consigo escrever nada de jeito agora... a vida para alguns não é nada fácil.
    E aquela história que a partir dos cinquenta é que é bom é uma treta, porque começamos a perder capacidades físicas (algumas bem dolorosas) e mentais - salvo algumas raras excepções, claro.
    (Parece que a Lili Caneças está muito bem 😄).

    Aproveite bem o sol, parece que vem aí chuva para a semana.

    Um beijo.
    🌹

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    1. Eu sei Maria, ou imagino...às vezes as palavras não nos saem.
      Tento aproveitar o sol mas hoje senti-o frio, estava um vento gelado matinal, o que me fez regressar ao calor da casa.
      Bom domingo!
      ~CC~

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  3. Toda a nossa vida é composta de mudança, tomando sempre novos significados, não é?

    «Mas há qualquer coisa a mudar em mim, assim como o rosto se está a transformar, assim o meu eu me mostra vontades até agora desconhecidas. Este desejo de recolhimento, de silêncio, de casa. Antes um dia passado em casa era um pesadelo, só o fazia se estivesse doente. Agora vejo passar velozes as horas diante de mim enquanto as tento apanhar. E não sinto nenhum tédio, nenhum anseio por gente, nenhuma angústia por vozes. Estou comigo, mas ao mesmo tempo não estou só, não me sinto só.»
    ~CC~

    Gostei de ambos os textos, como quase sempre.
    Depois, com um interior desses, quem olha para a sua aparência?
    E o teatro correspondeu às expectativas?
    Gosto do carácter intimista do seu blog apesar de achar que somos muito diferentes e dificilmente pertenceriamos ao mesmo círculo de amigos.
    Bom domingo para a CC.

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  4. Olá Joaquim, então?! Podemos ser amigos de pessoas muito diferentes de nós, eu pelo menos gosto. Só não posso ser amiga de fascistas e neo-nazis...Um bom ano para si e muito obrigada pela companhia.
    Bom domingo!
    PS. O teatro foi bem interessante, sobre casamento e relação conjugal, com muita ironia e humor.

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    1. ~CC~, a esses dois grupos eu acrescentaria os pedófilos.
      De resto, não tem piada ser amigo de 'fotocópias', convém terem alguns interesses comuns (quantos mais, melhor), mas iguais, não :)
      E aqui na net há pessoas com quem (tenho quase a certeza) me daria muito bem.
      🍀

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  5. Não entendi completamente se se refere apenas a situação de doença que envelhece e desfaz ou deteriora a imagem exterior que cada um tem de si e os outros de cada um, no caso do cancro por exemplo, ou se acrescenta o envelhecer natural.
    Podia dizer que não ligo à imagem, o que não é verdade senão parcialmente. Por ser de épocas, umas vezes ligo mais e outras menos (à minha). Mas nunca a considerei fundamental. Sobretudo por verificar que, no caso das pessoas de quem gostamos, pouco importa. Mas talvez esta posição descontraída esteja relacionada com o facto de me considerar normal, não atrair as atenções. E, portanto, despreocupo. Suponho que não iria de cadeira de rodas ver o mar porque teriam de me levar até lá, não vivo assim perto dele:) e não sei se alguém o faria. Estar carequinha é coisa que não incomoda terceiros, só olha quem quer. Mas também aí, eu que nunca experimentei uma peruca (mas gostava), acho que comprava uma, passava mais despercebida:). Mas cada um age como se sente melhor. E a CC parece-me uma pessoa que sabe o que quer.

    Quanto ao envelhecimento, como é gradual, a gente vai-se habituando. Mas custa um bocado. E o pior nem são as mudanças no aspecto físico. O que magoa são as limitações irreversíveis. Mas também com elas se vai aprendendo a viver.

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  6. Olá Bea, eu gosto desta escrita de "sinais" mais do que de "factos". Também pensava que ia gostar de uma peruca mas detestei, descobri com isso que há por aí muitas carequinhas fruto das sessões de quimioterapia, e trocávamos sorrisos cúmplices, valeu contra todos os olhares "de pena". Então os amigos e os filhos não seriam capazes de a trazer a ver o mar? Vou lá eu se for preciso:)
    ~CC~

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  7. Seriam concerteza capazes, mas não sei se lhes pedia. Tento viver sem incomodar terceiros:).
    Boa noite, CC.

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