As memórias antes dos cinco são ténues.
Mas estou certa que entre os seis e os dez saí muitas vezes do carro para ficar de pé enquanto o meu pai fazia continência e os adultos cantavam o hino, eu sabia meia dúzia de frases ensaiadas à força na escola e não tinha nenhum gosto em cantá-las. Era um ritual estranho que a qualquer momento podia acontecer ou então eu não percebia as razões pelas quais acontecia, havia invariavelmente uma bandeira a subir num mastro e um nome de um sítio chamado Portugal ao qual diziam que também pertencíamos, ou pelo menos eram de lá os avós que não conhecia.
Mais tarde, muito mais tarde percebi que para o meu pai seria apenas o sítio onde viria morrer, regressou como os elefantes regressam depois de uma longa jornada, quando já não têm força para caminhar. Com ele aprendi a amar outros continentes e países que não este, já velho ainda o desdenhava, caracterizando-o como um lugar em que se todas as mesas num café estiverem ocupadas, ninguém convida alguém que está a beber ou a comer em pé para se sentar na sua mesa.
Nem no leite materno (que não bebi) nem nas palavras paternas que bebi maravilhada até à adolescência encontrei o caminho para gostar deste país, tive que fazer um trilho longo, solitário, com muitas curvas e curvinhas. Só depois de voltar á terra em que nasci, já nos quarenta, é que percebi que afinal o nosso lugar não é forçosamente aquele em que nascemos e vivemos a infância, por mais que isso nos deixe marcas. Hoje sinto que pertenço aqui, que é bom ter um país para pertencer.
~CC~