A escola situava-se na margem sul, não muito longe de Lisboa. A turma era constituída por 70% de crianças oriundas do Brasil ou, se nascidas cá, com sotaque vincado do português do Brasil. Decifrar um pequeno texto do manual do 4º ano demorou mais de uma hora, as crianças não entendiam metade das palavras que ele continha. A professora era paciente, explicando cada palavra, ainda que o método fosse tradicional, era ela que explicava tudo. Os miúdos eram óptimos, queriam mesmo entender tudo. Pensei na minha bolha e em como cada um tem uma. Não supunha a existência de tal realidade, não com aquela força. O que se terá passado para esta nova vaga migratória ter tomado tal força? Houve um tempo contrário, talvez há cerca de dez anos, em pleno tempo da Troika, já erámos nós a ir.
Lembrei-me como há tantos anos atrás um pedido de uma torrada e um sumo de laranja tinha, no Rio de Janeiro, deixado o empregado a olhar para mim atónito, como se eu tivesse falado Francês. Eu que cresci na grande vaga das telenovelas brasileiras e que mesmo sem ser grande fã, também vibrei com algumas personagens, entendo tudo o que dizem. Não sei em que momento nos deixámos de perceber, de nos atrair, de nos querer, mas tenho a estranha sensação que isso aconteceu, não obstante estas vagas para cá e para lá do Atlântico. Usámos a palavra irmão e agora parece que ela não desperta na nossa boca, muito menos chega com o sorriso de antes.
~CC~