domingo, 13 de fevereiro de 2022

Nossos irmãos

 

A escola situava-se na margem sul, não muito longe de Lisboa. A turma era constituída por 70% de crianças oriundas do Brasil ou, se nascidas cá, com sotaque vincado do português do Brasil. Decifrar um pequeno texto do manual do 4º ano demorou mais de uma hora, as crianças não entendiam metade das palavras que ele continha. A professora era paciente, explicando cada palavra, ainda que o método fosse tradicional, era ela que explicava tudo. Os miúdos eram óptimos, queriam mesmo entender tudo. Pensei na minha bolha e em como cada um tem uma. Não supunha a existência de tal realidade, não com aquela força. O que se terá passado para esta nova vaga migratória ter tomado tal força? Houve um tempo contrário, talvez há cerca de dez anos, em pleno tempo da Troika,  já erámos nós a ir.

Lembrei-me como há tantos anos atrás um pedido de uma torrada e um sumo de laranja tinha, no Rio de Janeiro, deixado o empregado a olhar para mim atónito, como se eu tivesse falado Francês. Eu que cresci na grande vaga das telenovelas brasileiras e que mesmo sem ser grande fã, também vibrei com algumas personagens, entendo tudo o que dizem. Não sei em que momento nos deixámos de perceber, de nos atrair, de nos querer, mas tenho a estranha sensação que isso aconteceu, não obstante estas vagas para cá e para lá do Atlântico. Usámos a palavra irmão e agora parece que ela não desperta na nossa boca, muito menos chega com o sorriso de antes.

~CC~




6 comentários:

  1. Duas coisas são certas, o preconceito de parte a parte (mesmo que se finja ou queira que não)

    e que falando a mesma lingua não nos percebemos

    mesmo nós que estamos mais habituados, uma coisa é entender um programa na tv, outra é estar no meio dum grupo de brasileiros a falar

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    1. Concordo Luís, não tenho muita dificuldade de os entender, mas acho que eles têm.
      ~CC~

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  2. Eu creio que é tudo uma questão de ginástica mental das células cinzentas...
    De uma forma geral, melhor ou pior, também os portugueses percebem os espanhóis, mas eles (tirando os galegos) raramente entendem o português.
    Não esquecendo, em acréscimo, que 2 milhões de brasileiros são analfabetos.

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    1. Os povos não têm todos a mesma aptidão para as línguas, nem a mesma relação com a sua e com as dos outros. Uns fazem isso com uma pontinha de arrogância (como os franceses), outros nem tanto...
      ~CC~

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  3. Se há coisa que não nos separa é a língua. Apesar de expressões e nomes que são diversos, há muito de comum que permite um entendimento mais nítido do que com qualquer outro povo. E as crianças, parece-me, têm uma capacidade de adaptação extraordinária, lembro um aluno de leste que, após dois anos no país já concorria a prémios literários e chegou mesmo a ganhar um. Ora os brasileiros estão, nesta questão da língua, muito mais próximos de nós. Desde que me lembro, nunca me pareceu que sentíssemos os brasileiros como irmãos como tanto é dito. O preconceito entre colonizador e colonizado - parece-me - criou muita raiz, incomoda e enleia. No entanto, julgo que hoje os brasileiros se sentem bem em Portugal. Pelo menos, bem melhor que no Brasil. Ou não emigravam. Muitos, por cá ficarão. Mas brasileiros não são portugueses. À parte complexos mútuos deixados pela relação colonial, são outro povo e há que ter esse facto em consideração, preservá-lo nas relações que ora se estabelecem. Que no resto são pessoas como quaisquer outras. Há os que chegam e se estabelecem nas quintas e condomínios mais caros. E os que vêm para todo o serviço (em maior número). Já foi assim quando nos calhou a nós emigrar para o Brasil. Como então, os mais abonados foram bem aceites. Integrados em plenitude, confraternizavam com as elites brasileiras; os muitos restantes serviam onde calhasse, sobreviviam. E, por cá, não é hoje também assim?!

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    1. Olhe Bea que isso de falarmos a mesma língua e nos entendermos pode ser um bocadinho ilusório pois não há uma forma única de falar o português, ate já se admite que há o Português de Portugal e o do Brasil, mas eu diria que há também o de Timor, de São Tomé, etc...e acho bonito que assim seja, uma língua diversa e diversificada...com algum esforço e muita motivação conseguimos. Quanto ao resto, complexo demais para a hora a que estou a responder:)

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