Quantos anos levou apenas a olhá-lo? Quanto tempo pode durar uma paixão quando não se consome em boca, em corpo, em cama partilhada e dias azuis? Quando fica no limbo do tempo, em esperanças colocadas em banho maria?
Via-o todos os dias naquele seu ar desengonçado, modos envergonhados e olhar deslumbrado pela cidade. Ligava muitas vezes à namorada que tinha ficado no interior, no lugar em que ambos tinham dado as mãos pela primeira vez à saída da escola. Quando vens, dizia ele, quando vens, dizia ela. Nenhum deles ia, ela bem podia ver. Por isso aguardava que aquele namoro pudesse chegar ao fim e um dia ele dedilhasse para ela uma canção, erguesse os olhos e visse os dela cravados nele. Nada acontecia porém, um dia atrás do outro eram vividos em círculos de amigos.
Não se lembra do dia em que ele não apareceu mais no café em que se encontravam, certo é que lhe disseram que a aventura na cidade tinha chegado ao fim, certo também que nem se tinha despedido dela e isso confirmava as suas suspeitas, a sua ligação era um vento fátuo e sem força.
Guarda-o no baú das paixões breves e não correspondidas, mas também no das que não doem e quase não têm rosto. Os olhos eram trigueiros e os cabelos cor de mel, é disso que se recorda, e também do seu nome. Rosário preferia as paixões platónicas como aquela, eram histórias que acumulava num lugar de uma existência vivida no centro da timidez. Apenas uma vez alguém tinha tido coragem de romper a sua bolha, avançara para a sua boca com ímpeto e ferocidade, tinha ficado assustada e feito tanto esforço que aprendera a gostar, depois a desgostar. E agora era assim, apaixonava-se pelos vizinhos casados, pelos músicos de rua, pelos escritores nas feiras de literatura, por certos actores em certos filmes, em síntese, pelos homens impossíveis.
~CC~