quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Notas de viagem (I)

 

Queria entrar no "74" que em letras grandes e luminosas tem escrito apenas "Camélias". Imagino o autocarro a terminar num espaço com camélias rosas, brancas, violetas e quiçá azuis, os meus olhos ficariam inundados da sua beleza e deixariam de estar assim secos como ultimamente andam.

Mas sei que a minha carreira terá que ser o "24" , são 14 paragens e 15 minutos para chegar a um lugar mais pintando de cinzento. Ainda assim, não são todos os congressos que abrem com poesia, pelo que este já está de parabéns. E com um nome belíssimo Sindicato da Poesia – Só três sílabas.

~CC~

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Caixa de bombons (VI)

 

Este bombom ficou nos lugares cimeiros da escala.

Todo ele era Tiramisu, um doce do qual gosto bastante mas nunca faço, nunca fiz.

Itália é sem dúvida um dos meus países favoritos no mundo. Fui três vezes. Mas voltava outras tantas. Desta vez rumaria aos lugares de Elena Ferrante, essa itália pobre, suja, viscosa, barulhenta, mas dizem que também bela. Talvez seja um lugar igual a ela, preso no seu labirinto, ela escreve o mesmo livro sempre, com muitas variantes.

Quem leu os livros? Quem quer vir? Não, não é para ir já amanhã, está algures inscrito numa energia agora submersa no meu cansaço, espero recuperar.

~CC~

domingo, 28 de janeiro de 2024

Eis a maravilha

 

JP Simões cantou José Mário branco durante uma hora e 15m. 

Nunca o tinha visto em modo tão central, nem tão próximo. Deixem-me delirar, acho que cantou para mim, não digo só para mim para não delirar em excesso.

Eis a maravilha da vida a acontecer.

~CC~

sábado, 27 de janeiro de 2024

Samba matinal

Quem canta?! Quem me trazia um samba ao pequeno almoço?! Era do prédio em frente. Trabalharam o sábado inteiro na pintura do prédio, empoleirados naqueles andaimes de segurança duvidosa, cobertos pela rede verde que os disfarça no seu interior. 

São todos brasileiros, tal como as senhoras que me atendem no café do lado, as que foram cuidadoras da minha mãe e as que agora são cuidadoras da minha amiga. Que seria deste país sem eles, será que aqueles que os querem expulsar estão prontos para ocupar os seus lugares? Quererão, como aqueles que chegam do sudoeste asiático, ir para os campos de madrugada apanhar o tomate e os morangos, regressando também já de noite? Quererão mudar as fraldas das pessoas idosas, dar-lhes comer à boca e mal dormir de noite? Estes e outros trabalhos que exigem esforço, paciência, horários incómodos. 

Em cada brasileiro que oiço pela manhã no seu samba corrido, oiço também um fado cantado por um português que algures no mundo abriu uma padaria.

~CC~





sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Fazer a mala

 

Depois de muitos e muitos anos de mala aviada fim de semana sim, fim de semana não e às vezes mais que isso, vejo com agrado o depósito de gasóleo a esvair-se mais lentamente (pois, ainda não tenho um eléctrico). Mas não só, também o enraizamento local é agora outro, assim como as mudanças a nível profissional que me possibilitam trabalhar com gente mais crescida, que só ao fim de semana está disponível. 

Contudo, às vezes tenho saudades da estrada, das estevas, da itinerância. Uma parte de mim está sempre com vontade de ir a algum lado, acordar noutro sítio e beber café num outro lugar. É também um sentimento que cresce à medida que o Inverno se despede mais. Fazer uma mala, um pesadelo para tantos, a mim nunca me custou.


~CC~


terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Caixa de bombons (V)

 

Nunca teria escolhido prová-lo, não fora fazer parte integrante da caixa. Tal qual como rejeitamos algo ou nos atraímos ao primeiro olhar. A sua apresentação em chocolate branco fez-me respirar fundo, à partida seria excessivamente doce. E era. Contudo, uma cambiante interna tornou-o interessante. Sabia a framboesa, era rosa no interior, um rosa suave e acetinado. Havia nele uma promessa de Primavera, de luz e de sol. Foi um bom prenúncio para estes dias que se avizinham. E tanto que eu gosto de frutos vermelhos e de Primavera. 

Controlar a rejeição à partida ou o seu inverso também se pode aplicar a outras áreas da minha vida, sempre segui muitos esses primeiros impulsos, considerando-me uma avaliadora instintiva e dotada. Não que o primeiro olhar não tenha valor, mas não tem todo o valor. 

~CC~

domingo, 21 de janeiro de 2024

No escurinho do cinema

 

Folhas Caídas é a Finlândia desconhecida de todos nós. Um lugar escuro e triste onde se bebe em excesso e os menos escolarizadas estão tão à mercê do Capitalismo selvagem como em qualquer lugar do Sul. 

Este é o subtexto e é tão importante como o texto.

No texto está o amor, como ele pode escapar por coisas tão ínfimas, como o desencontro se infiltra dentro do encontro, a tristeza dentro da alegria e o desespero dentro da esperança. No fim, apesar de tudo, não vence a solidão. E isso chega para aquecer uma noite de Inverno. 

~CC~

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Caixa de bombons (IV)

 

Chocolate preto e por dentro um creme verde escuro e fresco. Ligeiramente parecido com aqueles que, em adolescente, era capaz de consumir metade da caixa, mas este evidentemente com uma assinatura mais personalizada, mais distinta. Nessa altura não sabia dosear, entre a aflição da pobreza e a dor de existir, não conseguia evitar o excesso.

Noite de pirilampos na Arrábida. Aquela sensação de calor no crepúsculo que se desfaz numa noite fresca e húmida. Depois as mil luzinhas que se acendem. Este bombom era dessa natureza, fresco, travo amargo, textura suave. Não podia comer dois pois o outro não seria igual a este. Valorizar cada coisa efémera como única está a ser uma grande aprendizagem. 

~CC~

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Dia mais triste do ano

 

A tristeza é uma pele que visto com agrado e sem medo. Dentro dela fico a nadar como quem o faz num lago pouco profundo e amigável, olhando para o céu cinzento e interrogando cada uma das suas nuvens e matizes. Dentro dela há uma chávena de chá que bebo devagar e se houver lágrimas misturo-as com essas ervas para as absorver dentro de mim. Deixo-a estar comigo por saber que me guia, me aconselha, me orienta. Às vezes ela é só minha, é a ausência de palavras que fazem falta: casa, amor, viagem. Outras vezes ela é a tristeza do mundo, é a ausência de palavras como: paz, habitação, comida. Como estar sempre feliz? Como desejar só a felicidade? Vejo-os a caminhar com esses novos mestres, artificies do bem estar que substituíram as igrejas nessa promessa. Não os quero acompanhar. Chove, é Inverno, as casas estão frias, o dinheiro nunca se poupa, os alimentos encareceram, os amigos telefonam menos, não há possibilidade de banhos de mar. Estar triste é da natureza das coisas e da minha natureza. Permanecer triste, sempre triste, isso sim é já outra coisa.

 


Nota: Vem isto a propósito de ter ouvido na rádio que hoje é o dia mais triste do ano.

domingo, 14 de janeiro de 2024

A planta carnuda de Z.

 


Está ali a crescer a olhos vistos a planta que Z me deu para a tosse. Foi muito clara: as folhas são muito carnudas, esmaga-as com um garfo e recolhe a seiva que delas escorrer e depois toma-a como se fosse um xarope. Já lá vai um ano, sei que foi nesta data por ter trazido Z a uma aula minha com a mesma temática que ontem leccionei, desta vez sem a sua presença e senti-lhe a falta. Z nunca foi à escola mas sabe tudo sobre plantas e aprendeu a fazer contas vendendo-as no mercado. A sua estufa é construída com paus e bocados de plástico e alberga mais de 50 espécies para todas as maleitas, com o cultivo e venda de plantas alimentou três filhos.

Nunca fiz o que Z me recomendou mesmo tendo tido tosse e vendo outros amigos e familiares com tosse. Não o fiz porque a minha conexão com a natureza não é a mesma que a dela e tenho receio de apanhar coisas e comer, sem lavar e esfregar para que brilhem como as que aprendi a ver como comestíveis no supermercado ou dentro de xaropes. Fico ali a olhar para a planta como uma espécie de adorno, enquanto Z as ama mas sabe cortá-las, esmagá-las, espalhá-las sobre a pele, os olhos, torná-las gotas, seivas e remédios.  É dela a sabedoria e eu sou só uma má aprendiz. 

~CC~


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Caixa de Bombons (III)

 

Completamente branco por fora e por dentro. O creme tinha um ligeiro sabor a amêndoa amarga. Este, a ser uma região, seria Algarve. Também por isso por me fazer lembrar a minha mãe no que nela era desejo de beleza e luxo, não obstante ser filha de pescador da vila Cubista, era mulher de muitas peles. Era excessivo este bombom, em requinte e em doçura. Ficaria bem num salão de baile de um clube de ricos de uma capital de província, entre risos sussurrados e promessas de amor.

~CC~

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Assobiando...

 

Maravilhosos os trabalhos que os estudantes de uma turma hoje partilharam comigo e com os colegas, três escritas tão diferentes, três modos de dizer absolutamente singulares. Tão simples, só ler em voz alta o que se escreveu, sem efeitos nem rodriguinhos. Só me lembrava do Sebastião da Gama e da sua alegria infantil quanto a aula era "boa", também eu vinha quase a assobiar...e não era para o lado, era ali bem no centro do meu coração.

Que pena a escola não ser só isto e estarmos obrigados a tantas outras coisas com tão pouco interesse.

~CC~

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Caixa de bombons (II)

 

Plenamente negro por fora, contudo, à primeira dentada, revelou um interior branco, ligeiramente amargo, talvez whisky. Delicioso como o primeiro.

Vi-me, branca por fora, quantas vezes negra por dentro. Não negra de sombrio, doença ou morte mas negro de brilho, dança, calor, terra mãe. 

Duas peles juntas, negra e branca, branca e negra. Ou rósea, que não há peles brancas. Que bonita é a diferença e como seria monótono se tudo fosse de tom único. E há ainda quem não saiba olhar, apreciar, amar isso.

~CC~

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Caixa de bombons (I)

 

Às vezes um blogue opera pequenos milagres. Foi assim que este ano recebi uma caixa de bombons de grande qualidade, numa embalagem muito bonita e com 29 diferentes possibilidades de prova. Destas futilidades também se alimenta a vida. 

Fiquei hesitante por onde começar, ainda pensei ao acaso, escolher um ali do meio, da terceira fila...mas embora não me considere uma pessoa por aí além muito organizada, os outros dizem que sim. E de facto escolhi o primeiro da primeira fila como se fosse uma menina de colégio, coisa que nunca fui.

Escolha tão feliz. Sabor chocolate, canela, café e avelã. Chegou África com o bombom, voltei a S. Tomé, às enseadas de mar ameno e quente e ao calor húmido colado à pele. Voltei ao centro daquela floresta de mil verdes onde provei cacau, as sementes estão envolvidas numa espécie de polpa algodão que as envolve e que é doce e podemos retirar e comer. Ver as coisas na natureza é para mim uma espécie de deslumbramento existencial. Bela viagem num bombom.

Obrigada!

~CC~


sábado, 6 de janeiro de 2024

Elevador para um e (talvez) um cão

 

Cumprimentei os vizinhos, embora me parecessem recém chegados, em geral conheço quase todos. Abrimos em conjunto a porta do parqueamento que dá acesso ao elevador, eu primeiro, cedi-lhes passagem e chamei o elevador. Eles mantiveram-se a quase um metro do elevador, sorrindo com simpatia mas mantendo aquela distância física. Quando o elevador chegou não se mexeram, perguntei-lhes se não queriam subir. Mas podemos?! Podem, claro! E enquanto subíamos foram contando que as pessoas agora preferem andar de elevador sozinhas e aqui mesmo no prédio já lhes disseram isso, então eles nunca se aproximam. O elevador é grande e dá para quatro pessoas bem pesadas. Será que foi isto que nos sobrou da pandemia? Ou já antes preferíamos a companhia dos cães à dos humanos, como é agora tão frequente acontecer? 

Os animais domésticos são servis, obedientes, dependentes, não contestam e gostam incondicionalmente dos seus donos. Parece-me que os seres humanos têm cada vez mais dificuldade em viver em relações em que estas premissas não existem. Acabamos no elevador para um ou para um e o seu cão.

~CC~

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Regresso

 

Como são difíceis estes regressos, em janeiro ainda tenho turmas novas para conhecer e tenho apenas três semanas para o fazer.

O melhor da profissão que tenho é que me proporciona conhecer sempre novas pessoas, há sempre alguém no grupo, que tento que não seja apenas uma massa humana, que tem uns olhos grandes, curiosos e atentos. Mas também há sempre alguém no grupo que nada vê e não quer ver nada, por mais que isso ainda me desafie, também me cansa. 

Mas não há trabalhos, nem profissões perfeitas, a não ser a da Paula Moura Pinheiro, claro, a única que sempre invejei, nem precisava da câmara atrás, a mim bastava-me só a visita guiada

~CC~