sábado, 29 de junho de 2024

Antibiótico natural

 

No fim da caminhada, ela disse:

- Vou dar-te um antibiótico natural...

Como isto de caminhar com grupos que incluem muitos alternativos me traz sempre grandes surpresas temi pela mezinha que viria...um caldo de urtigas? chá de cardo? iogurtes feitos com vinagre?

Mas ela chegou mais perto e abraçou-me. Achei graça e recebi o abraço...e quando ia deslaçar, ela disse: não, tem que ser 3 minutos para fazer efeito.

Não tenho a certeza se será mesmo um antibiótico natural, mas por certo há coisas piores.

~CC~

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Teimosias

 

- Mas a senhora vai jogar para sexta feira, sabendo que há 216 milhões que podem sair já amanhã?!

(eu já estava irritada porque ela estava a atender uma cliente que só falava bem do senhor mal educado que interrogou a mãe das gémeas, nas suas palavras, o único corajoso daquele parlamento...)

- Há regras sabe, eu só jogo às vezes e só e sempre à sexta feira. É só quando penso muito no Alentejo, aquele onde a GNR em tempos matou uma senhora de nome Catarina e em como gostava de lá morar (olhos fitos na dita cuja cliente).

- A senhora é que sabe mas eu acho que amanhã vai sair em Portugal.

E assim foi, devia ter-lhe pedido também a chave, já que ela falava com os deuses. Assim, o ganho até hoje foi um máximo de doze euros e tal. Enfim, chega para atravessar o rio Sado até Tróia, uma viagem que encareceu ao preço do casino do lado de lá e de quem o governa.

~CC~


domingo, 23 de junho de 2024

Fio de tecer

 

Foto de uma atividade dinamizada pelos estudantes

Foi um ano lectivo difícil, trabalhoso e por vezes sofrido. Houve uma turma da qual gostei quase de imediato e afinal se revelou uma desilusão. Mas dos sonsos, ainda por cima se adultos, não reza grande história. Foi um período demasiado curto para poder inverter a história de um desencontro que não percebi de imediato, como não houve frontalidade para gerir o presente, o futuro irá encarregar-se de me atenuar a dor das coisas que não correm bem. 

E houve outra, de gente bem mais miúda, que após duas aulas me causou desde logo perturbação pelo seu estilo conflitual e por vezes até violento (connosco mas sobretudo entre eles), grande parte deles sem grande interesse em coisa nenhuma, identificando ali problemas que extravasam muito o ensino e a aprendizagem. E com estes fiquei um ano inteiro, muitas vezes interrogando como poderia trilhar o caminho, avançando e invertendo, analisando e enfrentando. Mas houve a verdade, essencial para mim em qualquer relação, a capacidade de dizer olhos nos olhos. E não terminou num oásis de felicidade, nem com todos a dizer que afinal compreendiam e apreciavam o que tínhamos tentado construir com eles durante um ano inteiro, mas grande parte sim. Deixaram mensagens que por vezes me toldaram os olhos de água. A lenta construção das coisas é desde sempre o que me interessa, na profissão, no amor, em tudo. 

É o tempo, com o seu fio de tecer, caso queiramos aprender.

~CC~


quinta-feira, 20 de junho de 2024

O dia mais longo

 

Pudesse eu dançar todo este dia de Solstício de Verão. Pudesse eu fazer prolongar os dias grandes e o entrar tardio da noite. Pudesse eu trazer sempre uma chuva para cortar os dias quentes e sufocantes. Pudesse eu fazer como ontem e comover-me feliz a cada vitória sofrida e prolongada. Pudesse eu dar a mão a alguém sem pensar no que vem a seguir, só porque sim e apetece, tal qual uma criança quando faz um novo amigo na praia. Pudesse eu festejar por muito mais o dia maior do ano, agora interiormente mas quem sabe futuramente correndo atrás dos lugares em que a festa se faz a sério.

Imagino-me assim uma discreta velhota caçadora de festas de Solstício de Verão.

Quem puder, não hesite.

~CC~

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Por onde passa amar um país?!

 

Gosto muito deste país. 

Mas não vibro nem um bocadinho com a selecção de futebol, é-me quase indiferente. Talvez seja uma pessoa estranha, será que há mais por aí?

Prefiro alimentar o meu amor com sardinhas e cerejas. E com esta largueza de horizontes voltada para o mar. Ainda esteja a falhar e muito nas três matérias primas referidas. E claro que há mais.

Por onde passa amar um país?

~CC~


sábado, 15 de junho de 2024

Geografias

 

Passamos anos a trabalhar na mesma instituição usando apenas o cumprimento trivial, com a distância que se parece impor entre quem tem pouco em comum ou julga que tem. Mais ainda, antipatias criadas muitas vezes à conta do que outros nos disseram ou contaram influenciam o modo como vemos ou nos vêm.  Consolidam-se geografias de proximidades e distâncias, tantas vezes sem fundamento.

Até que um dia há uma pequena tempestade e parece que nos vimos pela primeira vez debaixo de uma árvore, de um guarda chuva, de um qualquer abrigo. Há uma mão disposta a agarrar-se a uma outra que nunca agarrou. Não imaginava já poder viver novas geografias de amizade por dentro do trabalho e ao mesmo tempo consolidar outras em jornada de maior cumplicidade. Não imaginava um ano letivo a acabar assim, a dançar debaixo de um sobreiro, acho que sobretudo não imaginava deixar de ter medo de estar aqui, mercê de tantos anos em que a pressão para me fazer sair foi muito grande. Pouco a pouco a gente de mal vai perdendo terreno e a gente do bem vai-se juntando. Fiz bem em resistir para poder chamar casa a este lugar em que se passa mais de metade da nossa vida. Quero continuar a ter coragem para novas geografias.

~CC~


quarta-feira, 12 de junho de 2024

Amolecedores

 

Encaixar os erros como jóias preciosas numa caixinha. Mas os que guardo são os que vejo de olhos bem abertos e às vezes com alguma dor que são mesmo erros meus, não basta que os outros digam, contudo, fico atenta se o dizem, avaliando o peso da verdade. Corrigir torna-se depois um desafio, uma rampa de lançamento, um desígnio. Também guardo outras jóias, as das palavras que dizem coisas boas, aquilo que fiz bem, o que consegui, tantas vezes com esforço. E agora emociono-me quando me dizem coisas dessas, muito mais do que alguma vez aconteceu, penso se isso é sinal da minha força ou da minha fraqueza. Mas também fico mais triste quando me dizem coisas más.

Suspeito da idade ou da Primavera, dois amortecedores da alma.

~CC~



segunda-feira, 10 de junho de 2024

Irmã

 


Não aproveite junho apenas para ir aos Santos Populares ou à Feira do Livro de Lisboa (sem dúvida, dois bons programas), vá também ao Teatro. Este não é certamente um espectáculo fácil de ver, mas também não o é aquilo que se passa nesse lugar do mundo, vejamos como nos vão dizer da dor de existir tanto desencontro feito guerra. 

Tenho duas irmãs e não têm nome de país mas toda a vida lutei que as nossas diferenças se tornassem amor em vez desamor.

~CC~





domingo, 9 de junho de 2024

Vamos votar?!

 

Mãe, já foste votar?

Hoje pela primeira vez, se estivesses entre nós, poderia fazê-lo contigo. Nunca aconteceu por morarmos em locais diferentes. É tão inevitável lembrar-me de ti. É tão bom sentir saudades tuas, são doces e não um grito por dentro, são as saudades de quem se decidiu pelo amor após tantos anos de afastamento. Tanto que me apetecia ligar-te hoje pois quase até ao final da tua vida a lucidez que te acompanhou ainda ditava interesse por estes processos eleitorais, embora muito menos por aquele que hoje se joga, a Europa não era o teu lugar.

Talvez achem estranho misturar amor e decisão na mesma equação. Mas aprendi a fazê-lo, não deixar que o amor seja dor e como tal não amar quando ele comporta lá dentro esse gaz mortífero. Se o amor não é bom, não tem aquele grau de alegria, cumplicidade e desafio, não vou atrás, por mais que vislumbre um brilho nos olhos e me pareça poder arrastar-me. 

Mãe, já foste votar? Faço por não entristecer e te celebrar este domingo, tinhas um sorriso tão bonito.

~CC~


Nota: Conheci ontem pela primeira vez em concerto do Festival Língua Terra, que beleza.


 



sexta-feira, 7 de junho de 2024

E os olhos encheram-se...

 

Os olhos encheram-se de beleza na contemplação do jasmim centenário, rolaram húmidos ante a beleza das rochas e das mãos humanas que com eles privaram em estreita sintonia e por fim pasmaram perante o louceiro que sobrou dentro da casa agora vazia. 








As histórias dos lugares intricadas nas histórias das pessoas são sempre o alento que me faz querer respirar, querer partir, querer ficar. Viajar é guardar lugares dentro de mim para os desdobrar e saborear quando deles preciso. Não há paraíso, mas há paraísos, no entanto, para encontrá-los temos que sair de nós, não moram dentro dos compartimentos fechados em que, se deixarmos, a vida se constrói. Eis o que nunca perdi, salvo nos dias de maior cansaço, a vontade de conhecer, não apenas as paisagens,  sobretudo as vidas que nelas se entranham. 

Nenhuma amarra me prende já, vou sozinha, vou com simples conhecidos, vou com queira acompanhar-me ou quem eu possa acompanhar e sinta que vem por bem, não sei quanto tempo mais a vida me brindará com a sua presença em mim e da morte nada sei nem quero saber.

~CC~




segunda-feira, 3 de junho de 2024

Amores trágicos

 


Portas de Rodão

Em puro contraste com a leveza que actualmente se apregoa como o caminho certo para um amor sem sofrimento, a História está cheia de amores profundos e trágicos.

Deste lado do rio, já conquistado aos mouros, vivia uma rainha cujo rei raramente estava no pequeno castelo, envolto nas muitas batalhas que havia a travar. Aos mouros, do outro lado do rio, não escapava tal solidão e numa das suas incursões levaram-na. Deste lado do rio, a rainha tinha sido raptada, do outro lado do rio a rainha deleitava-se com uma vida mais animada que na sua parca corte. O rei cristão, no seu regresso, depressa decidiu resgatá-la. Como o seu exército era parco para tal empreendimento, optou por se mascarar de mendigo e ir buscá-la. Para sua surpresa, a rainha não quis voltar, dizendo-se mais feliz daquele lado do rio. Uma humilhação que o rei não pode aceitar. Voltou para casa ofendido e rancoroso, decidido a arranjar reforços e voltar para a buscar, já não por amor (se alguma vez foi essa a razão) mas por despeito. E conseguiu. Contudo, no regresso a casa não era o resgaste do amor que estava nas intenções do rei, era a morte da rainha. E assim, decidiu que seria atirada por estas escarpas abaixo até ao rio. Consta que nos sítios onde o seu corpo tocou numa mais cresceu erva.

Curiosamente na capela um pouco abaixo ia celebrar-se um casamento. Espero que na sua história nada desta lenda se repita, ainda que fique sempre curiosa por alguém escolher estes sítios recônditos mas sem dúvida belos para se casar.


Que a sua história possa habitada pela paz do sítio onde se celebra.




Nota 1. Tudo nesta história pode ser verdade ou inventado, mas não fui eu que inventei. Há uma festa que aqui se comemora com base na lenda que referi, mas na verdade não sei qual o motivo, se o resgate da rainha, se a sua morte às mãos do rei cristão. Provavelmente já ninguém sabe.

Nota 2. Se não acredito em amores leves, também não os desejo com este peso, se é que é de amor que esta história trata, suspeito que possa não ser.