sexta-feira, 21 de março de 2014

PP



Chegou fria e chuvosa, não fora o passarinho que teimava ainda ali na varanda, num pio suave, pequenino. 

Não esteve presente em algumas partes do dia, nem a Primavera, nem a poesia. 

A poesia fugiu-me em pleno comboio. A miúda de dezassete anos, desde os doze na casa pia, a quem tiraram o filho assim que nasceu, querem forçá-la a dá-lo para adopção. Vi uma história assim num filme mas era em Itália, a meio do século passado. Mas é assim hoje e em Portugal? Negra, praticamente analfabeta, desde cedo abandonada, mas desesperada pela filha que "o Estado lhe tirou". Como recuperá-la dizia ao senhor da frente, invocando ter trabalho, era um pedido de ajuda atabalhoado, entontecido, entontecedor, mesmo que seja apenas um lado da história. Os desprotegidos geram desprotegidos numa cadeia sem fim.

A poesia dita em voz alta num centro comercial lisboeta, quem diria que sabiam passar mais do que música ruidosa...e descontos sobre os livros de poesia da livraria. O comércio abraçou os dias comemorativos, mas a poesia, essa parecia-lhe escapar-lhes. 

Poesia só encontrei-a nos olhos dos meus alunos quando eles se tentavam esquecer de tudo o que lhes tinham ensinado para ver arte contemporânea no museu do CAM, não é fácil gostar de praxes e entender o peso do paraíso. Não é fácil ter crescido à procura das palavras certas que os outros esperam ouvir e depois nos dizerem que não há palavras certas. O desconcerto do mundo passava como uma luz nos rostos deles. 

A beleza do mundo presa entre o sim e o não na escultura preta, feita tragédia clássica nas fotografias da fada má, os artistas baralham tempos e símbolos e rasgam-nos horizontes. O jardim, um dos espaços de poesia da minha vida. O concerto dos Trovante ali, há tantos anos. A tua boca carnuda, os teus caracóis. Não me fujas, poesia.

~CC~





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