Desde que a Susana escreveu
isto sobre as lojas chinesas que ando a pensar no assunto. Mas nas últimas duas idas às ditas, a minha imagem sobre elas sofreu um forte abanão.
Tive durante muitos anos uns vizinhos chineses e havia entre nós cordialidade mas nada de confianças. Pedia-lhes para saltar da janela deles para a minha e assim entrar em casa quando me esquecia da chave, mesmo sendo um 6º andar (que loucura, penso hoje) eles acediam. As crianças e os jovens nunca vieram brincar connosco para o enorme terraço onde todos nos juntávamos, mas sorriamos e acenávamos e dizíamos sempre olá. Nunca lhes ouvi uma briga, uma discussão, um ralhete. Eram muitos mas tudo parecia funcionar na perfeição. Nesse tempo, nos anos 70 e 80 não havia ainda lojas chinesas, creio que o seu grande boom foi nos anos 90.
Rejeitei nos primeiros anos a entrada em qualquer loja do tipo, pensando que qualquer compra iria alimentar o trabalho infantil, coisa mais parva de se pensar uns anos depois, quando todos ficámos a saber que as grandes marcas (e caras) tinham as suas fábricas na china ou lá por perto. Depois de entrar foi a luta contra o cheiro a naftalina, agoniava com o cheiro e tinha de sair imediatamente. Certo é que agora cheiram muito menos. Como a Susana, tenho um companheiro que as frequenta amiúde, que gosta de se perder nas milhares de coisas que há por lá. Eu continuo a aguentar pouco tempo, mas vou sempre que é isso que se afigura o mais razoável e necessário. Sempre lhes admirei o silêncio, a cordialidade para com os clientes, o modo como toda a família se mobiliza para lá trabalhar e como as crianças são lá criadas até irem para a escola.
Mas as duas últimas idas a estas lojas mostraram-me um outro lado ainda não visto e ou eles estão a aculturar-se ao pior do ocidente ou este lado mais escondido esteve oculto muito tempo. Numa delas ia jurar-vos que o empregado ou proprietário se estava a masturbar junto às meias e cuecas das senhoras, certo mesmo é que quando eu entrei o homem, meio estremunhado (a loja estava vazia) puxou o fecho das calças e abotoou o cinto. Parece coisa de filme, pois parece, mas acho que estava mesmo a acontecer. Fiquei à entrada a remexer numas coisas deixando-o compor-se, mas confesso que tive dificuldade em entrar e agir normalmente. Na outra, uma empregada ou proprietária estava simplesmente aos berros com um cliente, primeiro em português, depois quando ele saiu, ela continuou em chinês com as outras colegas, tão mas tão alterada que pediu à outra para trocar de lugar com ela. Fiquei incrédula porque nunca tinha visto um homem chinês a gritar, quanto mais uma mulher. Se calhar não há povos que não sejam violentos e é verdade que há na literatura e na cinematografia chinesa alguma dessa violência. Se calhar eu era que não a conhecia, não a identificava, não a imaginava (as ideias que construímos dos outros). Ou então, como canta o Rui Veloso, temos todos um lado lunar, um vulcão adormecido, que a mim me apareceu assim de forma inesperada e mesmo inóspita no rosto de um povo.
~CC~