Eu enfiava os pés na areia enquanto sentia o vento a crescer na praia vermelha e o meu olhar se prendia no teleférico que cruzava os céus mas sobretudo nos morros que ladeavam aquela pequena enseada, onde as casas e casinhas de muitas cores e feitios se empoleiravam num engenho de natureza e humanidade. As favelas eram os lugares onde a vista do mar e do rio se desfrutava mais, estavam mais perto de Deus e sabemos como o Deus brasileiro é diferente do europeu, é um Deus que dança e ri.
Nesse tempo parecia que as favelas se iam transformar num imenso lugar turístico, a classe média emergente subia para lá comer nos botecos, perdendo pouco a pouco o medo e havia alemães e ingleses pasmados com os bailes de funky em nos terraços cimentados por cima das barracas cambaleantes. Falava-se em pacificação e não era apenas a miragem que hoje parece, havia esperança.
Esse Brasil que eu vi atrair os europeus e tantos portugueses jovens não era o país para onde fugiram os retornados que não aceitaram a descolonização (a esses, adivinho-lhes o voto). Esse país que eu vi em plena ascensão, no tempo em que o real subia na cotação dos mercados, organizava competições desportivas e mandava estudantes para a velha Europa para realizar mestrados e doutoramentos numa ânsia de qualificação da população, esse pais existiu, brilhou como uma estrela que nos iluminava e nos transmitia uma crença desmesurada nos nossos irmãos. Recordo como admirava o facto de haver um dia semanal de acesso gratuito ou de muito baixo preço à cultura, fosse uma ópera ou um museu.
Por isso não entristeço apenas, há uma parte de mim que está consternada, chocada, perdida. Sim, eu sei, já havia a Polónia, a Áustria, a Hungria...e os EUA...mas este país fala a minha, a tua, a nossa língua, é nosso irmão. Sinto-me como se sentem os irmãos quando um deles nos vira as costas e segue sem olhar sequer para trás, é um amor a morrer.
Três semanas, apenas três semanas para poder recuperar o meu coração partido. Ou para ele se quebrar.
~CC~