sábado, 31 de julho de 2021

Crónicas de Verão (I)

 

Vi passar o primeiro, um iate branco de grande dimensão, a uma distância razoável da costa.

Vi passar o segundo, bem perto, um barco à vela, como num desenho de infância.

Vi passar o terceiro, uma traineira de pesca, ainda tão distante mas tão perto que ouvia o seu ruído.

E de todos eles, era no terceiro que escolhia ir, passar uma noite à pesca no mar. Devia ter sido na companhia do meu avó, que conheci já mestre terra, depois do terceiro naufrágio.

~CC~

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Peixinho pequeno é para deixar no mar


 Eis um princípio que se podia aplicar a múltiplas coisas em muitas situações.

As meninas que na praia brincavam com a rede de apanhar peixinhos pequenos. Com que prazer diziam que iam apanhá-los. Mas uma contou que no último dia um deles tinha morrido dentro do seu balde e o tinha enterrado e feito um funeral. Nem percebia que tinha sido ela a causar aquela morte que depois tinha transformado num ritual humano. Algures, na sua educação, já lhes deviam ter explicado que os peixes pequeninos são para deixar dentro de água, é tão bom vê-los a nadar na transparência do mar, senti-los a debicarem as nossas pernas. A avó, alheia às meninas, usou todo o seu tempo para o telemóvel, mas foi ela mesma que se zangou com elas quando resolveram apanhar lixo com o camaroeiro, uma actividade, sem dúvida, muito mais preciosa.

O ambiente grita de dor mas uma parte significativa da humanidade está surda e é egoísta. 

~CC~


segunda-feira, 26 de julho de 2021

Aqui, coração cheio.


Aqui é certamente um dos meus lugares favoritos, não sei explicar como certos sítios nos sabem ao nosso próprio nome. No primeiro confinamento fecharam o caminho e fiquei a respirar muito pior, não é só a doença que nos rouba pedaços aos pulmões. Aqui, coração cheio.

~CC~


domingo, 25 de julho de 2021

É outra vez Domingo

 

Lembro-me deles por ser novamente domingo, mas já foi há uma semana.

Deviam ser entre sete a dez. Calculo-lhes também as idades, entre 10 e 14. Chegaram com umas caixas e umas garrafas de gasosa de litro que passavam de mão em mão. Ocuparam a entrada dos prédios, a sombra dos varandins.  Nesse dia estava calor. Cantaram, riram, comeram e beberam. Ouvia-lhes as gargalhadas. Todos sem máscara. Devem ter tido receio de ocupar um jardim público, só isso explica esta escolha. Ou talvez ser um sitio central na cidade, bem servido de transportes públicos, creio que não moravam por aqui.

Por fim ouvi os parabéns a você, uns dez minutos depois desapareceram como chegaram.

É assim que se faz a festa dos adolescentes pobres da minha cidade em tempos de pandemia.

~CC~




quinta-feira, 22 de julho de 2021

Pequena e transitória, mas ainda assim...

 

Hoje tenho na minha boca o sabor das pequenas revoluções. E é como o gelado da fruta verdadeira, deixa o seu sabor leve e fresco durante algum tempo e até nos parece que com ele virá a mudança, aquela que fica. Mas não sou tão inocente assim. Por isso, só espero para saber o modo transformarão a vitória em derrota e os carrascos em vítimas.

Mas hoje, só hoje, ainda saboreio, ainda rio, ainda festejo a democracia.

~CC~

terça-feira, 20 de julho de 2021

Tapar e mostrar

 

As norueguesas do andebol de praia querem vestir-se mais, ter o direito de não exibir o seu corpo, colocado como isco para patrocínios. Não poderem tapar um bocadinho da perna é uma coisa anedótica.

Durante anos e anos as mulheres lutaram para o poderem mostrar o seu corpo, destapá-lo como bem quisessem. Enfrentaram o preconceito, a maledicência e até houve mesmo quem as culpasse nessa exposição por ofensas sexuais que pudessem vir a sofrer.

Mas no fundo não são lutas diferentes, é só a mesma, o mesmo direito. Estou tanto com umas como com as outras.

~CC~




domingo, 18 de julho de 2021

Coisas de um domingo de calor

 

Poderei chamar-lhes um mal do mundo, ou dois.

Negatividade sem saída nem nada de construtivo que aponte outra coisa ou mínimo futuro, nenhuma ideia de felicidade, quer para si, quer para os outros. São os becos sem saída, pessoas que são assim. Estamos com eles e não há um comentário bom, um elogio, uma luz no seu sorriso.

Positividade sem realismo, falsa ingenuidade e felicidade artificial, alicerçadas em teorias do tudo e do nada, se é que se lhe podem chamar teorias, a maior parte das vezes são apenas conjecturas e em nada ajudam à mudança de aspectos decisivos para o mundo e para a própria vida de quem as acarinha. Nem sempre são tontos felizes ou se tem que ser tonto para se ser feliz. Estamos com eles, passa uma borboleta, e é um sinal divino qualquer. 

Não há um modelo de se ser, é verdade. Também não há uma só solução para um mundo melhor.

Mas há coisas que ajudam a viver e outras que não. 

No outro dia tinha um saco com maçãs no supermercado, o saco rompeu-se e as maçãs espalharam-se pelo chão. Houve um senhor que as apanhou uma a uma e ainda foi buscar outro saco e mo devolveu assim, tudo arrumadinho, com uma explicação: sabe, estes sacos agora já não são de plástico, são mais frágeis, não coloque mais que 3 ou 4 maçãs. Achei extraordinário, a atitude, a explicação prospectiva, a generosidade. Nem lhe fixei o rosto, mas a atitude sim.

~CC~




sábado, 17 de julho de 2021

Horta dos Eremitas

 


Desinteresso-me às vezes do mundo, até me dá vontade de me esconder dele e que o seu ruído não possa alcançar-me.

Talvez fosse esse o sentimento mais forte de quem criou na Serra d´Ossa a Horta dos Eremitas. Curiosamente não é uma horta pois nessa há que cuidar, trabalhar, amparar. É só um lugar com árvores junto a um ribeiro, talvez se deixassem ficar por ali, escondidos como às vezes eu desejo.

Como prefiro meditar com os olhos abertos, deixo-me ir, céu adentro, tentando encontrar-me nos abraços doces das árvores.

~CC~




terça-feira, 13 de julho de 2021

Grande amor


 Alentejo, três amores. Um deles, sem dúvida, um grande amor, o próprio Alentejo.

~CC~

sábado, 10 de julho de 2021

Erros meus...

 

Sei que não sou imune à fúria mas controlo-a geralmente bem. E se me domina e me faz inchar o peito e levantar a voz, vem depois uma grande tristeza. Quando julgo ter aprendido quais os conflitos que valem a pena e os que não valem, deixo-me por vezes levar para uma má escolha. Reconheço, contudo, esse dano no interior do próprio corpo e tinha prometido não o deixar maltratar, afinal preciso tanto dele.

~CC~

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Flor amarela

 



Seis anos depois do dia um.

Sete anos se contarmos com aquele em que ainda tentaste outra coisa, mas nem a perspectiva de nos tornares os sorrisos bonitos te convenceu.

Tenho a íntima convicção de que escolheste bem, hoje muito mais do que no dia um, foi isso que me foste mostrando. Estou feliz. No ano dois as coisas complicaram-se tanto que julguei não poder chegar aqui para assistir. E no entanto, sem deixares de estar lá, não perdeste sequer esse ano, estudavas ao meu lado na cama do hospital, outras vezes pousavas os cadernos e víamos filmes. Diz o Fausto que "foi por ela", digo eu que também "foi por ela". É a minha flor amarela, que todo o futuro possa ser dela.

~CC~


quarta-feira, 7 de julho de 2021

Ainda agora chegou e já está a partir

 

Cinco minutos de dia a menos são cinco alfinetadas na minha alegria, anunciam que o Verão ainda agora começou e já começou a partir. Verifiquem se já não começámos a ter a visita da noite mais cedo.

Ainda precisava de ter aquela sensação de praia até às oito da noite. Parece que vem aí calor, quem pode, é deixar-se ficar a ver o sol em mergulho vagaroso, é tão bom.

~CC~



terça-feira, 6 de julho de 2021

Duetos (II)

 

Comprei uma cafeteira Louboutin, isto é, vermelha por fora e metal por dentro, é linda mas foi barata, por isso como imaginam a marca é um mero devaneio. 

Faz-me uma certa vontade de combinar café com cerejas ou com melancia, coisa que talvez passe depois desta alucinação veranil de cansaço.

~CC~



sábado, 3 de julho de 2021

Duetos (I)

 

A senhora pediu um café com um perna de pau.

Fiquei ali a vê-la a alternar bebericar um golinho de café e dar uma dentadinha no gelado, alheia a tudo e a todos.

Há gente feliz ou que tenta sê-lo.

~CC~