quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Montanhas mágicas

 

Estive num lugar em que as pedras das casas isolam do calor e do frio e ninguém as deita abaixo para construir novo e em betão. Em todas as fontes há agua fresca e potável e os meninos saem à hora do almoço com um jarro para a ir buscar directamente para as mesas. Agora há jovens e meninos porque é Verão e todos vieram, lá mais para diante ficarão ainda alguns pois há projetos que mantêm aqui a possibilidade de vida. Dois corações fazem tudo pulsar, o teatro de Montemuro e a tecelagem das Capuchinhas. Ainda é longe mas quando começaram a lavrar tudo isto, era ainda mais longe, muito longe. Há amoras nos caminhos e um cantinho onde pousam os passarinhos, e até nós podemos ser passarinhos.

Estive num lugar em que se procura misturar a memória com a crítica e com o riso, teatro inteligente mas popular, que quer trazer as pessoas e falar com elas ao ouvido, é um teatro que conta histórias, parece trivial mas já não o é assim tanto. Entre o performativo e o panfletário, muito se perdeu dessa origem.

Estive num lugar em que havia um céu salgado com peixes a nadar no céu. Estive num lugar em que um cisne ferido se vinga da humanidade transformando crianças em cisnes até que uma menina é capaz de a travar, fazendo-a perceber que nenhuma vingança mata a dor. Estive num lugar em que há um juiz tonto a fazer lembrar outros reais, tão ou mais tontos que aquele. E entre tantas peças, ainda houve cinema ao ar livre e momentos de debate e conversa e que lindas eram aquelas senhoras que vieram explicar que aldeia é conforto e alegria e que a morte se chegar aqui, chega de mansinho, com  a paz que emana das montanhas.

Fui pela segunda vez ao Altitudes para ser novamente feliz ou ainda mais feliz. Com um acréscimo de estar calor em vez do frio que oito anos antes me tolheu o corpo e sem a indisposição permamente que então o sacudia (era a doença a manifestar-se).

E tenho esperança que haja terceira. Não acredites que não deves voltar a um lugar em que foste feliz, creio que é ao contrário. Arrisca, volta. 

~CC~



9 comentários:

  1. É tão lindo o que escreve, CC.
    Espero, do fundo do coração, que volte muitas vezes aos lugares onde foi feliz e que, nos novos lugares, descubra novas alegrias, e também a eles possa voltar uma e outra e outra vez.
    Concordo absolutamente que a morte, se chegar ao conforto de uma aldeia, chegará de mansinho.
    Um abraço comovido.

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    1. Não confie nesse absolutamente da morte numa aldeia. Por mais idílica e calma e cheia de gente amiga que seja. Deseje que seja assim, mas não dê nada por garantido quanto à senhora da foice.

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    2. Susana, também me comovo com a sua generosidade! E com os seus veados😊. Beijinhos e obrigada

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  2. Lindo! Como sempre, CC.
    Já fui defensora ferrenha da ideia de não voltar aos lugares onde fomos felizes.
    Agora, com mais experiência adquirida, não penso assim. Podemos ser felizes várias vezes e de maneiras diferentes quando voltamos.
    Um abraço,
    Sandra Martins

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    1. Querida Sandra, sabemos tanto e tão pouco da vida, não é? Um beijinho para si e obrigada

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  3. Um texto excelente e muito luminoso. Digo que tb poético, como todos os que por aqui encontramos. Muito bem, se foi feliz num lugar, por que razão não é de voltar?! Volte sempre.
    Gente existe que não volta a lugares onde foi feliz, porque esse bem lhe veio das pessoas que os habitavam e elas faltam. A CC não tem lugares desta natureza?

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    1. De vez em quando há luz e sigo-a como um farol. Talvez haja esses lugares sim, os que só fazem sentido com uma determinada pessoa ao lado. Beijinhos e obrigada

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