quarta-feira, 30 de julho de 2025

Se tivesse aberto os braços e voado eu não me teria admirado.

 

Os verdadeiros habitantes das praias não somos nós, meros passeantes de Verão. Os que sabem do mar, da areia, dos animais marinhos, dos fósseis, dos pássaros, esses vivem lá todo o ano. Estou certa que nestes dias turbulentos...ou chegam de madrugada ou ao crepúsculo ou não aparecem. A mulher de calças e t-shirt e sapatos de ir à água, muito magra e tisnada do sol, de idade indistinta mas sem dúvida acima dos sessenta, saco de pano a tiracolo era um desses seres misteriosos, outros habitantes da praia. O que fazia ela antes de todos ou quase todos chegarem? Com uma caninha, ela revirava as conchas, as pedras, os buraquinhos da areia, cada duna, cada amontoado de fósseis. Era raro apanhar alguma coisa e eu não conseguia ver com clareza o que é que ela achava que valia a pena. Apenas três ou quatro vezes isso aconteceu e ela colocou algo dentro do saco. Percebi que aquilo não era um acaso, não era uma mania, não era uma coleccionadora, aquilo era um trabalho. Imaginei que as conchinhas dos chapéus, dos colares, das pulseiras talvez fossem afinal recolhidas por pessoas como ela? Quem as apanha afinal? Quem as fornece a quem cria aqueles adornos?

Tal como apareceu no meu horizonte, assim desapareceu silenciosamente. Tudo isto se passa antes dos banheiros chegarem, supostamente às nove, mas muitas vezes só às nove e meia, não raro às dez. Nós, os turistas velhos e os muito, muito novos (famílias com bebés com menos 2 anos), tomamos banho sem bandeira, adivinhando pela ondulação e pela maré. A mulher das conchinhas nem toma banho nem se estende na areia, a praia é o seu ofício, ela é como os pássaros, deve detestar que lhe roubemos desta forma o areal. Toda ela era aliás um ser alado, se tivesse aberto os braços e voado eu não me teria admirado. 

~CC~


9 comentários:

  1. Vejo que a poesia te mordeu. Achei belo.

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    1. Obrigada Davi. Fico a pensar que ainda há mordidelas boas:)

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  2. Embalei-me nesta descrição. Vi com toda a clareza este cenário, entrei nele, quase que senti a temperatura do mar...
    Obrigado por este momento, CC

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    1. Eu é que agradeço ter leitores...e deixam aqui algo que me faz saber que está gente do outro lado.

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  3. Que fascinante gostar de livros e de bibliotecas ambulantes. É realmente interessante como esses conceitos evoluíram ao longo do tempo, desde as antigas cabines telefónicas britânicas até às carrinhas icónicas da Gulbenkian. E, mesmo que praias chiques não sejam a sua preferência, é sempre bom explorar diferentes ambientes e experiências.
    Quanto ao café com gelo na praia, oito euros podem parecer bastante, especialmente em Portugal, onde muitas vezes os preços são mais acessíveis. Mas às vezes, o local, a vista ou a experiência valem o investimento. Espero que, apesar do preço, tenha sido uma experiência agradável.

    O meu comentário nada tem a ver com o magnífico texto desta publicação.
    Ou talvez até tenha. Somos ambas passeantes de verão em praias de países diferentes 🌊

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    1. Olá Teresa...o bom é que trazemos coisas uns aos outros e assim nos enriquecemos. Obrigada por vir passear também nesta rua.

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  4. Um texto muito bonito, sim.
    Sinto alguma pena de quem vê a praia como trabalho; ainda que os entenda. Lamento os vendedores de bolas de berlim que atravessam a praia vezes sem conta, pés na areia a escaldar e o mesmo pregão cantado "olhá bolinha", ora embelezado por sotaque brasileiro. Decerto trazem a tiracolo o cansaço moreno das pernas todas músculo e veias.
    Invejo quem pode ter a praia manhãzinha ou ao crepúsculo. Se bem que me pareça ser a manhã a mostrá-la quando ela é só ela. O crepúsculo, por variadas razões, tem cada dia mais gente.

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    1. Tanto que penso neles e os observo Bea, assim como aos vendedores de toalhas e colares, quase todos do Senegal... que quase nada vendem. Mas uma vez conheci um vendedor de Bolas de Berlim que me disse que aquilo que fazia em 3 meses lhe dava para viver um ano inteiro...fiquei espantada mas até achei que assim sim, era justo o esforço.

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    2. É bem capaz de ser verdade, CC. Mas os que passam na minha praia são assalariados de uma empresa, têm uma sede onde reabastecem -vendem muito - e um horário de trabalho (sendo verdade o que um deles me contou). E sim, apesar de não comprar bolas ou o que seja, não consigo evitar um certo mal estar por isso mesmo, e condoo daquela gente que calcorreia a praia pelo ordenado mínimo enquanto o resto do pessoal goza do sol ou se diverte em conversas e banhos de mar. Apiedo-me tanto deles como invejo os nadadores salvadores em seu posto de vigia, muito feito num motociclo a quatro rodas que percorre a praia. Os elementos femininos então.... de cabelo ao vento, lindas e bronzeadas, são amazonas sazonais, autênticos modelos de publicidade; personificam a liberdade com que sonhávamos na juventude - eu sonharia se existissem nesse meu tempo :).
      Boas férias

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