sábado, 10 de setembro de 2016

Do ser e do não ser



A ida a Roma mostrou-me em toda a sua plenitude que posso ser o que sempre não desejo ser: turista. Confrontou-me com muitas coisas, entre as quais as que são contraditórias em mim. É esta coisa de ser eu e ainda o outro. Há muitas perguntas a ecoar em mim, quase todas são sempre para quebrar as certezas das coisas, as dos outros e as minhas. Fui mais turista em Roma ou numa praia fluvial no rio Paiva? Quando olhava no centro de Portugal para as pessoas que faziam os seus grelhados e colocavam os rádios num som o mais estridente possível, para os emigrantes portugueses a falar com os filhos no seu francês com sotaque, para os mergulhos em fila dados em pirueta por um conjunto de jovens ruidosos, nesse caso, com toda a distância que me separava deles, senti-me de fora, uma estranha naquele lugar que lhes pertencia. Mas era o meu país e o lugar não era turístico.

No centro do coliseu em Roma estremeci muitas vezes, emocionei-me e horrorizei-me. O horror não advinha das correnteza de gente em magotes a encher o espaço, mas da própria história, da noção que parte das minhas células contêm uma parte de tudo aquilo. Ensinar a violência, o horror como espectáculo, a estratificação social, as mulheres na última fila, de onde não seria possível ver quase nada, o pão e o circo. São vinte séculos e tão pouca mudança. Senti-me parte de tudo aquilo, fez-se luz para tudo o que parecia distante nos livros de história mas também para tudo o que daquilo ecoa na modernidade.

Emocionei-me estupidamente também entre gente e mais gente que enchia a Fontana de Trevi, como se de repente estivesse ali dentro do filme e pudesse olhar os anos 60 com os olhos do Fellini. Percebi o que significam os ícones da modernidade, já os vimos a todos, mesmo que sejam nos lugares mais distantes e no entanto perto deles, quando os podemos tocar, só aí são verdadeiros, existem mesmo e são a nossa história. Por isso odiei Roma, amei Roma. Odiei por me sentir parte daquela horda de gente que estraga os lugares, consumindo-os como um produto. Amei porque senti com intensidade cada estátua romana de cabeça cortada, cada coluna romana perdida no meio da cidade, porque imaginei o Teatro Marcello no seu esplendor, cada fonte achada em qualquer lugar da cidade, cada gelado, amei porque aquilo somos nós, sou eu. 

Acresce que o italiano foi desde sempre a única língua que quis aprender a falar. Embora em Roma o italiano não seja tão belo como noutros lugares de Itália, como a cidade está cheia de emigrantes e são eles que encontramos a trabalhar em quase todo o comércio, o italiano falado por eles não tem o mesmo fascínio. O meu deslumbre na Fontana de Trevi, tão mais intenso que na praia fluvial do rio Paiva (e eu que gosto tanto de rios) espantou-me, afinal há em nós sempre um lado desconhecido, qualquer coisa que não conhecemos, não dominamos, não sabemos acerca de nós próprios.

~CC~




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