Eu hoje também não vou sair de casa, mas já estou habituada. Na próxima madrugada (às duas e tal) faz dois anos que chamei o INEM que nos levou ao Hospital. Entrou com pulseira laranja e eu fiquei à espera, à entrada das urgências (chovia) pois a sala estava um forno. Sozinha, sem ninguém me dizer nada até às 10 e tal. Fui tomar um café duplo e um salgado até que me deixaram vê-la por 15 min e me entregaram um saco com a roupa dela, "e volte cá amanhã". Chamei um taxi e vim para casa. E a minha vida mudou. Só contei a três pessoas, duas delas virtuais: uma dessas pessoas revelou-se um ser humano extraordinário, jamais esquecerei o conforto que me deu.
Há dias em que consigo sair de mim, mas na maior parte deles não consigo. Nem sei para que estou a contar isto, haverá vidas bem piores, afinal ainda estamos vivas, dir-me-ão, mas a verdade é que isto não é vida: não estamos cá a fazer nada e dois anos é muito tempo, é mesmo muito tempo... e agora nem esperança temos que a vida melhore.
Maria Talvez, se contasse a mais gente, existissem outras pessoas extraordinárias e excepcionais na sua vida. Mas entendo se o não quis ou pôde fazer. Há um recato que é pudor e talvez nem seja de ultrapassar. Admito que não estejamos cá a fazer nada de especial, a grande maioria dos homens é apenas comum, mas pertencer a esse grande grupo anónimo não é vergonha. Mas não fazer nada...cuidar de sua mãe doente é nada porquê. Alguém a trataria melhor?! Tem um objectivo, acompanhá-la. Acho altamente meritório e haverá gente a quem não foi dada a oportunidade de retribuir um pouco do que recebeu de sua mãe. Talvez nem se importassem de trocar consigo:). Mas a experiência ensina que todas as vidas têm a sua dificuldade e ajuizar em causa alheia é fácil.
CC pois eu, que até saio de casa diariamente excepto aos fins de semana, digo que faz muito bem. De acordo com a fenomenologia, há-de estar a conhecer alguma coisa enquanto permanece fora de si.
Bem, não estou à espera que a bea compreenda, mas acredite, ninguém no seu perfeito juizo trocaria de lugar comigo. Já trato da minha mãe há muitos anos, desde a morte do meu pai, e sempre fomos muito amigas. O problema é que eu estou doente há muito tempo, e até sei o que tenho, mas nunca me quis tratar para não a deixar sozinha... e depois aconteceu o que contei. Consegui 'puxá-la para cima' mas afundei-me eu, e ela vê isso e fica infeliz e eu não tenho forças para fazer melhor e fico infeliz também. E conversamos sobre o assunto e estamos de acordo: ainda gostaríamos de andar por cá mais um tempo mas assim não, assim não.
Bem me parecia que não devia ter falado nisto, mas estive a ler o que na altura escrevi na agenda e fiquei com peninha de mim, o que é, de facto, lamentável. E não, bea, não há assim tantas pessoas extraordinárias, ou então cada um encontra as que merece, deve ser isso, cada um encontra as que merece. Bom fds. 🌾
Compreendo as duas, a Maria por se sentir amarrada a um lugar e a uma condição, a uma prisão, por mais que sinta isso como responsabilidade moral, não isenta a dor. Mas os seus emojis têm tanta esperança lá dentro, tanta luz, não desista...
A Bea, quando refere que a vida da maior parte de nós é só banal, não comporta nada de excepcional, cabe a cada um fazer algo com o ar que respira e pouco mais. Essa sua visão muito crua da vida é muito honesta, a maior parte das pessoas gosta de se inventar como alguém especial.
E gosto muito das duas, na singularidade que cada uma tem e no direito que têm a dizer o que vos vai na alma - continuem a fazê-lo aqui na rua sempre que vos apetecer.
Maria conheço uma situação semelhante à sua, quiçá mais dolorosa e irremediável. E é como diz, ninguém quer tal lugar, antes dizemos todos como Cristo, Pai se é possível, afasta de mim esse cálice. Alguns homens apenas escolhem o modo como vivem o que lhes surge. E, pelo que vou lendo, vejo que o seu é admirável e até erudito. Acresce que não perdeu a poesia nem a capacidade de análise. Nota: quando referi a troca referia-me apenas ao apoio a sua mãe que é, afectivamente, um bem para as duas. Um bom sábado, Maria.
Obrigada CC, eu também gosto muito de si e da bea e, embora sejamos as três muito diferentes, convergimos em muitos pontos.
A minha vida sempre foi banal, nunca tive grandes ambições (apenas queria conhecer o mundo 😂) mas dentro dessa banalidade eu conseguia "sair de dentro de mim" muitas vezes e com coisas bem simples, desde brincar com um gato até descobrir a primeira esteva do ano; desde ler um livro a ver um filme; desde comover-me com uma paisagem que poderia ser (e foi) o Pico do Areeiro, a Lagoa do Fogo, o Cabo Sounion, ou aqui mais perto Marvão, Monsanto ou a Serra do Açor. E agora não estou a conseguir voar... foi só isso que eu quis dizer. Abracinho.
Bea: Já sabe o que eu penso desse deus mau e vingativo do antigo testamento, um pai nunca deveria fazer ou deixar fazer isso a um filho, ponto. Não admiro nem compreendo um deus assim; já sei que não é para ser tomado à letra e tal, blablabla, mas não acredito e vou acabar no inferno - pois que assim seja! Sábado bom para si e para o Gato. 🐈
Eu hoje também não vou sair de casa, mas já estou habituada.
ResponderEliminarNa próxima madrugada (às duas e tal) faz dois anos que chamei o INEM que nos levou ao Hospital. Entrou com pulseira laranja e eu fiquei à espera, à entrada das urgências (chovia) pois a sala estava um forno. Sozinha, sem ninguém me dizer nada até às 10 e tal. Fui tomar um café duplo e um salgado até que me deixaram vê-la por 15 min e me entregaram um saco com a roupa dela, "e volte cá amanhã".
Chamei um taxi e vim para casa.
E a minha vida mudou.
Só contei a três pessoas, duas delas virtuais: uma dessas pessoas revelou-se um ser humano extraordinário, jamais esquecerei o conforto que me deu.
Há dias em que consigo sair de mim, mas na maior parte deles não consigo.
Nem sei para que estou a contar isto, haverá vidas bem piores, afinal ainda estamos vivas, dir-me-ão, mas a verdade é que isto não é vida: não estamos cá a fazer nada e dois anos é muito tempo, é mesmo muito tempo... e agora nem esperança temos que a vida melhore.
Abraço ~CC~.
🌿🌼
Maria
ResponderEliminarTalvez, se contasse a mais gente, existissem outras pessoas extraordinárias e excepcionais na sua vida. Mas entendo se o não quis ou pôde fazer. Há um recato que é pudor e talvez nem seja de ultrapassar.
Admito que não estejamos cá a fazer nada de especial, a grande maioria dos homens é apenas comum, mas pertencer a esse grande grupo anónimo não é vergonha. Mas não fazer nada...cuidar de sua mãe doente é nada porquê. Alguém a trataria melhor?! Tem um objectivo, acompanhá-la. Acho altamente meritório e haverá gente a quem não foi dada a oportunidade de retribuir um pouco do que recebeu de sua mãe. Talvez nem se importassem de trocar consigo:). Mas a experiência ensina que todas as vidas têm a sua dificuldade e ajuizar em causa alheia é fácil.
CC
pois eu, que até saio de casa diariamente excepto aos fins de semana, digo que faz muito bem. De acordo com a fenomenologia, há-de estar a conhecer alguma coisa enquanto permanece fora de si.
Bem, não estou à espera que a bea compreenda, mas acredite, ninguém no seu perfeito juizo trocaria de lugar comigo.
EliminarJá trato da minha mãe há muitos anos, desde a morte do meu pai, e sempre fomos muito amigas. O problema é que eu estou doente há muito tempo, e até sei o que tenho, mas nunca me quis tratar para não a deixar sozinha... e depois aconteceu o que contei. Consegui 'puxá-la para cima' mas afundei-me eu, e ela vê isso e fica infeliz e eu não tenho forças para fazer melhor e fico infeliz também. E conversamos sobre o assunto e estamos de acordo: ainda gostaríamos de andar por cá mais um tempo mas assim não, assim não.
Bem me parecia que não devia ter falado nisto, mas estive a ler o que na altura escrevi na agenda e fiquei com peninha de mim, o que é, de facto, lamentável.
E não, bea, não há assim tantas pessoas extraordinárias, ou então cada um encontra as que merece, deve ser isso, cada um encontra as que merece.
Bom fds.
🌾
Maria e Bea
EliminarCompreendo as duas, a Maria por se sentir amarrada a um lugar e a uma condição, a uma prisão, por mais que sinta isso como responsabilidade moral, não isenta a dor. Mas os seus emojis têm tanta esperança lá dentro, tanta luz, não desista...
A Bea, quando refere que a vida da maior parte de nós é só banal, não comporta nada de excepcional, cabe a cada um fazer algo com o ar que respira e pouco mais. Essa sua visão muito crua da vida é muito honesta, a maior parte das pessoas gosta de se inventar como alguém especial.
E gosto muito das duas, na singularidade que cada uma tem e no direito que têm a dizer o que vos vai na alma - continuem a fazê-lo aqui na rua sempre que vos apetecer.
Abracinhos
~CC~
Maria
Eliminarconheço uma situação semelhante à sua, quiçá mais dolorosa e irremediável. E é como diz, ninguém quer tal lugar, antes dizemos todos como Cristo, Pai se é possível, afasta de mim esse cálice. Alguns homens apenas escolhem o modo como vivem o que lhes surge. E, pelo que vou lendo, vejo que o seu é admirável e até erudito. Acresce que não perdeu a poesia nem a capacidade de análise.
Nota: quando referi a troca referia-me apenas ao apoio a sua mãe que é, afectivamente, um bem para as duas.
Um bom sábado, Maria.
Obrigada CC, eu também gosto muito de si e da bea e, embora sejamos as três muito diferentes, convergimos em muitos pontos.
EliminarA minha vida sempre foi banal, nunca tive grandes ambições (apenas queria conhecer o mundo 😂) mas dentro dessa banalidade eu conseguia "sair de dentro de mim" muitas vezes e com coisas bem simples, desde brincar com um gato até descobrir a primeira esteva do ano; desde ler um livro a ver um filme; desde comover-me com uma paisagem que poderia ser (e foi) o Pico do Areeiro, a Lagoa do Fogo, o Cabo Sounion, ou aqui mais perto Marvão, Monsanto ou a Serra do Açor.
E agora não estou a conseguir voar... foi só isso que eu quis dizer.
Abracinho.
Bea:
Já sabe o que eu penso desse deus mau e vingativo do antigo testamento, um pai nunca deveria fazer ou deixar fazer isso a um filho, ponto.
Não admiro nem compreendo um deus assim; já sei que não é para ser tomado à letra e tal, blablabla, mas não acredito e vou acabar no inferno - pois que assim seja!
Sábado bom para si e para o Gato.
🐈
não é o Deus do antigo testamento. E a Maria que sabe muita coisa, também sabe isto. Quanto ao inferno, digo que, regra geral, é aqui que o vivemos.
EliminarOut of the night that covers me,
ResponderEliminarBlack as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.
William Hernest Henley
Querida Ana, junto a minha voz à tua e a do William:)
ResponderEliminar~CC~