quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O que não consta do exame do Crato


Na portaria da escola perguntei pela professora G com quem ia encontrar-me.

O miúdo ouviu e exclamou: eu sei, eu sei quem é, é a minha Directora de Turma! Eu levo lá a senhora. Notei que ficou feliz por ser prestável mas não o faria se não houvesse qualquer coisa mais.

No caminho comentei: vejo que gostas da tua directora de turma...ao que o miúdo respondeu: sim, é simpática e ajuda-nos quando precisamos, podemos contar com ela para tudo.

Pensei para comigo: ora aí está, coisas que não constam do exame que o Crato inventou para se aceder à profissão.

~CC~

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Das cerejas



Ensaio para mim própria uma nova área do comentário político. Se os expressionistas fizessem comentário político, o que diriam? Se os poetas fizessem comentário político, como o fariam? Se os músicos usassem os seus instrumentos para exprimir o que acontece neste momento, que melodia sairia? Qualquer coisa que pudessem dizer iria soar melhor que Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa ou Miguel Sousa Tavares, para falar das estrelas mais antigas e não das mais jovens que saltam todos os dias para a ribalta sem que saibamos porquê. Já não suporto o comentário político.

Eu, por exemplo, penso em cerejas cada vez que se fala na Grécia, não apenas pela semelhança sonora com o nome do partido que ganhou as eleições. As cerejas são vermelhas, redondas, sumarentas e lembram o Verão. Têm a doçura dos frutos que chegam com o calor e se comem inteiros, o brilho de um tempo que começa. Há quem as diga demasiado calóricas, arma letal para a boa forma. Mas a boa forma é um conceito tão imposto e tão dominante que os desalinhados não deixarão de as saborear plenamente. As cerejas são arma contra o desespero, uma espécie de vitamina esperança. O seu fulgor talvez dure pouco como acontece com todas as frutas de Verão que em geral desaparecem em três semanas, já o sabor perdura e faz-nos ansiar por mais. 

E então? Não é um bocadinho melhor do que o Marques Mendes?

~CC~

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Lado lunar


Vou cada vez menos a Lisboa, embora goste muito da cidade. Não há porém uma cidade mas muitas lá dentro. Lembro-me de no último Verão junto à Casa dos Bicos ter pasmado com uma cidade cheia de turistas, onde se ouvia falar línguas de todo o mundo. Todas as lojas pareciam gourmet. Tive a sensação que já se vivia dentro de um postal ilustrado.

Desta vez estive no alto de S.João, numa Lisboa sem turistas nem gente de fora do bairro, cafés pequeninos e escuros que ainda se denominam todos como snack bar, muitos toxicodepentes e com um aspecto muito degradado, só homens na rua e nos cafés, desde os mais novos à volta de uma mini logo pela manhã, aos mais velhos bebericando um galão. Uma ou outra mercearia com ar desarrumado e uma senhora de meia idade, redondinha e com bata aos quadrados. Curiosamente há em alguns becos e ruelas uma bela vista de rio e ninguém parado a ver ou a tirar fotos, é só o rio lá em baixo, o que sempre correu por ali. 

Já o vento frio e gelado que anda a correr pelas cidades, esse está por todo o lado.

~CC~

sábado, 17 de janeiro de 2015

Tanto ruído no mundo



Tanto ruído no mundo, tanta gente a querer fazer a última análise, a melhor reflexão, a palavra maior. Todos sabem o que fazer e qual é o caminho, embora só nos chegue desorientação, informação e contra informação. Tanta manifestação e contra manifestação, a favor e contra, deste e do outro lado do mundo, cada um que se levanta e fala acorda outro alguém para se levantar e falar. Falam os políticos, falam os comentaristas que nascem como cogumelos, fala o Papa, fala o povo todo aqui e ali. Tanto ruído onde o silêncio devia fazer o seu caminho, antes quando alguém morria numa aldeia fazia-se um silêncio triste, um respeito mudo. As lágrimas também podem chorar-se baixinho, para dentro. Não duvido que todos estamos tristes.

Calem-se um bocadinho a ver se o silêncio nos ajuda a compreender esta desorientação a que o mundo parece ter chegado.

~CC~

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Mais meia hora de sol


Há uma diferença de cerca de meia hora entre o sol que se põe aqui na terra onde moro e na planície de onde venho. Ou talvez não seja tanto, mas parece, porque hoje cheguei aqui com chuva e noite cerrada e ontem a essa hora era dia lá. Ia contando, feliz, estes minutos de progresso em direcção à Primavera, a única estação em que me apetece permanecer. Apontei as estevas que já nascem, um outro cheiro, os muitos pássaros.

À hora do crepúsculo as ruas lá e cá despovoam-se no frio que corre por este Janeiro. 

Mas lá quando entramos num café ou num restaurante, está quase vazio mas há sempre um grupo de homens ruidosos, quase sempre olhando para um televisor que dá futebol, não há mulheres nem crianças. Aqui a baixa é um deserto mas há certas zonas sempre com gente, nichos de vida na cidade adormecida, com rapazes e raparigas.

Ao contrário do que pensamos há muita gente em viagem de trabalho, parando em hotéis modestos, com doces empacotados, queijo de plástico e sumo que imita bem o natural. Tudo se ouve nesses hotéis, mas depois da meia noite há silêncio e paz. Este país é outro país, há tantas coisas que não sabemos se não formos aos lugares.

Temos mais sono no campo, dormimos cedo, eu e o meu amor, no torpor alentejano que se nos cola ao corpo e se torna segunda pele. Trabalhei tanto e, não sei como, descansei. 

~CC~

domingo, 11 de janeiro de 2015

Outra eu



Vou ser alentejana por uns dias, se é que este conceito existe. Não para um Alentejo de charme, vulgo costa alentejana (como não gostar dela, apesar de tão ser tão capa de revista) mas para um Alentejo interior, sem nenhum hotel com mais de três estrelas ou quinta de turismo rural, ou seja, um lugar pouco ou nada turístico e sem motivos aparentes de visita, daqueles que fica fora do roteiro, mesmo dos que procuram sobretudo sossego. Vou em trabalho e por causa dele sei que vou conhecer muita gente que lá vive, de várias faixas etárias. É o que levo de melhor desta minha passagem pelo mundo, a possibilidade que tenho tido de conhecer tantas histórias de vida, de me embrenhar em tantas lugares diferentes, de aprender tantas coisas. Sempre quis ir morar para o Alentejo, é lá que me vejo a conseguir paz, tempo, a envelhecer. Curiosamente conheci recentemente uma alentejana (do interior) que me disse que a melhor coisa que o Alentejo tem é a estrada para Lisboa, fiquei estarrecida, mas compreendi, nem sempre pertencemos ao lugar onde nascemos, a vontade de sair de lá é por vezes a coisa mais forte. Mas fez-me também duvidar um bocadinho do meu sonho, fiquei com aquele receio que todos temos de nos aproximarmos dos nossos sonhos e à medida que o fazemos eles ficarem mais e mais pequenos. Deve ser por isso que há gente que não sonha nada, não quer nada, assim nunca se desilude. 

E vou ter um amor alentejano, mesmo que ele seja alentejano apenas por uns dias, se é que este conceito existe. 

~CC~

sábado, 10 de janeiro de 2015

Desse teu abraço que me falta



O cansaço seca-nos por dentro mesmo que nos tenhamos cansado por coisas boas, interessantes. O excesso cria vazio. Quando chego a casa num sábado à tarde depois de um dia de formação na escola onde estive a trabalhar ontem e antes de ontem e antes de anteontem, surpreendo-me por um vizinho que entra no elevador com uma criança falar comigo como se me conhecesse, de repente não tenho ideia de o ter visto antes, o que deve ser impossível pois já estive na gestão deste condomínio.

Mas ele não me cumprimenta apenas, pergunta se está tudo bem, o que me parece acordar do meu intenso adormecimento social, digo-lhe que sim estranhando uma pergunta tão cordial e ele continua; já estamos num novo ano... e eu: pois (com vergonha de não me apetecer dizer nada). Ele continua; já passou o dia de reis (quando o diz, eu penso de que reis estará ele a falar, só depois percebo) mas desejo-lhe um bom ano. Eu parva...sem conseguir sequer desejar o mesmo, reagir, disse apenas: obrigado. 

De repente tenho muita vontade que alguém me abrace, me console deste cansaço, abrir a porta e saber-te em casa. Sinto uma dor fininha no peito, é o teu abraço que me falta.

~CC~

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Junto a minha voz


Junto a minha voz a de todos os que gritam pela liberdade, não apenas uma por ser uma palavra bela mas por ser todo um sentido de vida.
~CC~

sábado, 3 de janeiro de 2015

Balançar



A minha história do ano não é feita pelo facebook, não a imagino a ser feita por um algoritmo que é tão sensível que é capaz de mostrar a um pai a morte de uma filha como um acontecimento do seu ano. Terá sido certamente uma tragédia do seu ano mas o fb não sabe classificar emoções, embora se atreva a fazer histórias de vida. Ao contrário de muitos outros que não gostam de balanços, eu sempre gostei. E um ano é apenas um marco de tempo cultural, mas é na cultura que vivemos enraizados e é por causa dela que não somos marcianos.

Fiz coisas de mais. Fiz coisas de menos. Fiz coisas certas e difíceis. Fiz coisas certas e fáceis. Cometi erros, alguns sem saber bem o porquê, sem ter meios de os evitar. Trabalhei certamente de mais, sem dúvida. E como foi de mais nem tudo foi bem feito como deveria, suficientemente bem feito, ao nível da minha exigência, em alguns casos apenas me safei, isto é, dei aulas menos boas, fiz formações que ainda nem avaliei devidamente, escrevi artigos que não me deixaram suficientemente satisfeita. Este lado virginiano de autocrítica é-me útil, saber-me imperfeita tornou-me mais humana o que não me impede de não me sentir bem quando não chego lá, fico aquém. Fiz coisas boas, uma comunicação que saiu muito bem, uma associação de natureza social e cultural que saiu do papel e ganhou forma, uma maravilhosa oficina com crianças e jovens numa semana em que devia estar de férias mas abdiquei delas e ainda bem. Vi a minha filha entrar na universidade, não exactamente no que queria mas na mesma área, vi-a sair-se bem, integrar-se noutro meio e noutra cidade e senti orgulho, não apenas por ser uma brilhante aluna mas por ser uma pessoa que gosta tanto da vida, que se adapta, que vai a luta.

Queria ter escrito mais, transformado vida em histórias de ler e partilhar mas o tempo escasseia, falta-me a paz necessária. Queria ter viajado mais, este ano não andei de avião. Viajei em trabalho é certo, mas não é a mesma coisa. Não fui para perder cidades, para acordar de manhã e pensar que a tarefa principal é andar pelas ruas desconhecidas, quando fui tinha por missão acordar para ir trabalhar, mesmo que noutro lugar, o que não deixa de ser bom mas não é a mesma coisa. Queria ter encontrado o tal lugar mas agradeço não o ter encontrado porque é a altura menos certa para o tentar comprar. Ganhei por natal só prendas de cor preta mas ainda não faz mal, o preto ainda não me afecta, o sol que tenho por dentro ainda é suficiente para o vestir.

Se um balanço é um modo de encontrar o que nos faz falta, de saber o que é, de querer isso, que venha então em forma de doze passas ou de qualquer outra coisa.

Ano bom.

~CC~