Enquanto a bruxa má que veste Prada nos dá sempre o mesmo remédio, cuja eficácia que testa há meses não tem resultado, pois a inflação não desce, conheço mais e mais histórias tristes.
E ela sabe que praticamente dobrar o valor um empréstimo bancário é lançar muita gente no desespero. As pessoas não podem correr a vender as casas, não podem pedir mais ordenado, não podem abandonar os filhos, os animais de estimação, em alguns casos os mais velhos a quem auxiliam. Agarram biscates ao final do dia, ao fim de semana, coisas que nunca antes tinham feito. Artistas aceitam fazer limpeza de prédios, administrativas cuidam de velhotes ao fim de semana, técnicos superiores na função pública vão servir à mesa em casamentos.
Longe de estar no mesmo sufoco, também eu trabalho para além do desejável, quando verifico o dinheiro que entra dessas tarefas, tendo a achar que não foi a gratificação suficiente para todos os crepúsculos que perdi, todos os livros que ficaram por ler, todos os momentos que não passei junto de quem precisava de mim (sobretudo a minha amiga doente). Tenho uma vida inteira de trabalho adicional para pagar aqueles extras que ainda assim foram sempre o outro alimento: os bilhetes dos espectáculos, a renovação do guarda roupa, a ida ao restaurante, uma viagem a um lugar sonhado, a ajuda à mais velha ou a quem em determinado momento precisa ou precisou. Praticamente nada acumulado para além dessa colecção de momentos felizes que o dinheiro não pagou mas ajudou a construir. Enquanto o banco ao qual pago a prestação vai enriquecendo com o que pago a mais em juros, não consigo arranjar a cozinha, investir na troca do carro velho que já bebeu metade do seu valor em arranjos ou adquirir a ruína que imagino semente daquela casa branca na planície com a qual sonhei uma vida. E ainda dizem que isto é dinamizar a economia. E claro que isto são pequenos males comparados com os de outros que os sofrem bem maiores, mas ainda assim, também tenho o meu direito à insatisfação.
~CC~