Pela primeira vez nas férias li um único livro inteiro. Ainda tenho a biografia da Sophia para acabar e dois outros que viajam comigo no carro há meses, sem que os abra. Os meus olhos estavam tão sedentos de horizonte que não os conseguia mergulhar no papel, só no azul ou verde da paisagem.
Não gostei de 3/4 do livro que li* pois junta uma série de figuras de intelectuais numa ficção mas goza com eles de tal modo, que até eu, que não sou de santos nem santinhos, me incomodei. Tinha, contudo, uma ideia fantástica, a dos torneios de argumentação, em que cada um, de acordo com o seu nível (uma espécie de cinturão de judo) podia desafiar outro(s) para o debate de um tema controverso. Se perderem, poderá até ser-lhes cortado um dedo ou bem pior. Num tempo de retórica sem argumentação, descontando o pormenor do dedo, tais debates são bem necessários.
Vivemos um tempo de pouca, pouquíssima palavra. Cada vez que uma rede social vinga, há um degrau a menos de palavra escrita e um degrau a mais de imagem. Não sei como falaremos no futuro, trocaremos cromos como antes os miúdos faziam?
~CC~
* A sétima função da linguagem.
Os miúdos trocavam cromos e berlindes e, mesmo que não conversassem muito, tocavam insultos (mais ou menos carinhosos), que era uma forma de exprimirem a proximidade e o afecto.
ResponderEliminarEu, pelo contrário, nos últimos tempos li compulsivamente - nunca li tanto em tão pouco tempo. A leitura foi a minha bolha e a minha fuga.
Que bom Deep ter conseguido ler assim...
EliminarPois era, a história dos cromos não é uma boa analogia, foi só por terem imagens:)
~CC~
mas os miúdos que trocavam cromos fartavam-se de falar uns com os outros, não vi nenhum silencioso. Esta é a era da imagem, estamos fora de moda, CC. Com muito gosto.
ResponderEliminar"Fora de moda com muito gosto:)"
EliminarAbraço Bea
No século XXI já percebemos que mais importante do que possuir coisas é viver experiências, são estas as responsáveis por nos edificar enquanto pessoas. Repare-se no que as pessoas hoje em dia gostam de viajar, de participar em todo o tipo de actividades das mais às menos radicais, de Erasmus, de workshops, de espectáculos, e depois, publicar esses momentos nas redes sociais. Ter uma vida intensa, cheia de realizações e experiências e mostrá-las isso é que vale (já vi postagens de duas pessoas numa mesa de café com um pastel de Belém à frente).
ResponderEliminarA questão que se coloca então é, como fazer o "transfer" daquilo que foi vivido para a cultura, como podemos fortalecer o nosso conhecimento a partir daquilo que experienciámos e essa interligação só pode ser feita com a partilha. É essa a palavra mágica. Partilha de experiências, partilha de vivências, de informação - em suma partilha de conhecimento.
Parece-me pois que o importante é as pessoas falarem, escreverem, debaterem, conversarem sobre o que viveram, o que experienciaram, e de forma continua e reiterada - como fazemos aqui - nunca esquecendo que é a fala que nos distingue dos animais.
Eu gosto muito de ir a todas essas "experiências" mas para as viver não preciso necessariamente de as partilhar com todos e todas. Não é a partilha que as faz existir ou as faz melhores. Já para muitos a vida não existe se não se espelhar em mil e uma imagens oferecidas aos outros.
ResponderEliminarViva a fala - para quando o seu blogue?
~CC~