Fiz a mala a 21 de dezembro e ainda não voltei a casa, nestes dias dormi em muitas casas diferentes e tive a minha aldeia como queria, tive mesmo duas. Acho que o meu ter vai ser sempre assim, volátil, temporário, errante. Voltarei para vos falar dessas aldeias em lugares tão diferentes, tão temporariamente minhas, sei que em nenhuma delas viveria. Cada dia que avança sei que de meu só terei mesmo o meu corpo e as marcas que fui deixando por aí, muitas coisas que o tempo apagará e outras que talvez não. Provavelmente ter não é a minha natureza, enraizar-me, fazer ninho. Um dia aceitarei talvez a minha natureza vagabunda, saltimbanca, desprendida de tudo quanto é material.
Por necessidade encostei aqui, talvez a terceira das minhas cidades, a número três.
Onde vocês cresceram e foram tão felizes, entre zangas monumentais, muita praia, portas a abrir e a fechar, fantasias de deixar qualquer um estupefacto. Pouco resta dos vossos risos, as casas são já outras, sobretudo uma delas, é agora bela como um museu pode ser belo, mas que saudade da desarrumação em que se arrumava. As duas casas estão agora mais tristes, embora o sol lhes continue a bater durante toda a tarde e a vista continue deslumbrante.
A linha do horizonte mostra três camadas de um laranja a três tons sobre os vários braços da ria. A senhora que esta manhã vendia conquilhas na rua diz que as apanhou ali, quando o sol ainda raiava. A ria, esta ria, talvez a primeira das coisas com que este país me encantou. É tão bom poder vê-la ao acordar.
~CC~