domingo, 27 de dezembro de 2020

É só um...

 

Sabem que gosto mais dos anos ímpares, sempre o disse. Sou prolixa na arte de desejar mas este ano não consigo ir muito longe, é como se cada desejo esbarrasse no muro da realidade, não conseguisse atravessá-lo. Por isso vou desejar algo que não é para mim. 

O Pai Natal que habita há muitos anos o centro comercial Colombo diz que já recebeu de tudo como pedido de presente natalício. Um dos seus pedidos impressionou-me muito e anda há dias a habitar o meu coração. Diz ele que uma menina lhe pediu que o pai deixasse de bater na mãe, que era a melhor prenda que lhe podiam dar. É isso que eu desejo, que o pedido dessa menina se possa concretizar, dessa e das muitas meninas que a tal assistem. 

É só um mas é muito forte.

~CC~




quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Ainda

 


Fazemos a massa das filhoses com a receita da minha mãe. E ela, lá na sua casa, ainda autónoma, faz o seu pudim de laranja.

E discutimos política, vamos ao passado, passamos pelo presente e tentamos imaginar outro(s) futuros. A diferença é que, por ora, somos apenas três. Estas discussões sobre o mundo em que vivemos, da religião, à política, à educação, à família, são para nós uma tradição à mesa natalícia. É a única ocasião no ano em o mais comum é estarmos todos e é isso que faz dela um momento especial, tudo o resto é apenas o acompanhamento.

Sim, é diferente este ano, muitos não virão, mas ainda é Natal.

Daqui a nada a cozinha irá cheirar a açúcar e a canela.

~CC~

Um abraço a todos os que passam por esta rua.





domingo, 20 de dezembro de 2020

Ilhas

 

É verdade, nunca fomos tão poucos a juntar-nos para o Natal, não há memória de outro assim, mesmo num em que cruzámos fronteiras e fomos realizá-lo no país vizinho. Creio que a perturbação não resulta, contudo, apenas disso, mas sim da consciência de que a família alargada se junta cada vez menos e que as bolhas não são apenas bolhas pandémicas, elas já se vinham formando como resultado das nossas múltiplas dispersões territoriais, inserções laborais, afazeres múltiplos e, isto talvez mais inédito, dificuldade em compatibilizar pessoas tão diferentes. Eu própria, desde sempre uma tecedeira das nossas raízes, crente na minha capacidade de encontrar encanto em cada um, certa de que a diferença é a que traz cor às nossas vidas, acuso algum cansaço. Esta erosão, pergunto-me, é já um resultado viral, ou algo ainda mais profundo que se vai cavando na nossa sociedade, como se no limite nos tornássemos ilhas, ilhas cada vez mais pequenas, mais estreitas, de ancoradouro único, no qual apenas poucos barcos aportam.

Afinal, oxalá tudo seja apenas resultado do vírus, se não for este o mal, o outro é ainda pior.

~CC~



quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Toxicidade

 


O alto grau de toxicidade de certas pessoas é cada vez mais uma certeza para mim. A reacção que lhes tenho é intensamente física, infelizmente. Só lhes digo metade do que tenho a dizer-lhes e a outra raiva engulo-a e infiltra-se pelas minhas células e adoece-me. Nesse momento sei que as tenho de tirar dos mesmos trilhos que eu piso, ainda assim meço os caminhos, as formas de não as magoar. E demoro, demoro tanto.

~CC~


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Mais um para a prateleira...

 


Comprei lá o mais maravilhoso dos chás, está certo que o gengibre lhe dá um toque picante mas é adocicado, vibrante, quente e harmonioso. Foi um tiro no escuro. Um bom chá salva-me do Inverno, da escuridão, da tristeza.

Acabou depressa e voltei lá. Nada, não havia. Arrisquei num outro. Que decepção, quem diria que o manjericão, uma erva que adoro, tornava o chá nesta mistela intragável. Lembrei-me de Sevilha, anos atrás e como quis trazer uma mistura que se intitulava como genuína, intérprete do próprio espírito da cidade, pensei que ao bebê-la me chegaria a memória daquele tempo tão bom. Nunca a consegui beber. 

Como não aprendo, nunca aprendo a não arriscar, tenho uma prateleira cheia de chás intragáveis. Há loucuras piores certamente.

~CC~


domingo, 13 de dezembro de 2020

De que temos saudades?

 

Tenho muitas saudades da baixa lisboeta, especialmente nesta altura do ano, em que procurava visitá-la. Não foi sempre, mas em alguns anos as iluminações de Natal foram encantadoras, sempre que se afastaram do barroco e investiram num estilo mais minimalista mas consistente, com uma coerência própria. Olho com tristeza para os enfeites de Natal das rotundas da minha cidade, estão simplesmente pavorosos.

Tenho saudades da baixa lisboeta, e já nem falo do lugar onde adolesci, a leitaria que era o ponto de encontro de todos os que vinham dos subúrbios e das várias partes da cidade e que apelidámos de Vaquinha, nunca lhe soube o nome correcto e só muito mais tarde, já na procura das memórias desse tempo, percebi que o seu nome era Camponesa. Não havia telemóveis e por isso arriscávamos, íamos sem saber se estaria por lá um de nós e quase sempre aparecia alguém, tempos que me parecem não só do século passado mas muito mais atrás.

Nos últimos anos as minhas deslocações raramente se faziam por ali, a quantidade de turistas, a crónica falta de estacionamento e até a diminuição do seu encanto próprio, em parte alimentado  por ali se encontrarem as lojas que noutros sítios não existiam, foi-me afastando. Quando vi abrir as lojas das grandes cadeias de roupas, achei que o Chiado estava a morrer.

Mas este Domingo apetecia-me gastá-lo lá, percorrendo desde o Príncipe Real até à Sé, andando e andando, para chegar a casa extenuada, com dores nas pernas, poucas compras, mas os olhos cheios de Tejo. 


~CC~


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Digo de mim para mim

 

Digo de mim para mim que não precisava de ter comprado a biografia da Sophia de Mello Breyner. Mas ela disse mesmo da Natália Correia que não passava de uma cortesã? Disse mesmo da Agustina que ela tinha muitas flutuações de escrita e não era sempre brilhante? Disse mesmo que o Miguel Torga devia ter pensado em escrever-lhe um poema num tempo em que ainda escrevia bem? (ai, o que me ri com esta última).

Mas o que é que eu faço ao pedestal em que a colocava?

Digo de mim para mim que as biografias dos autores que amamos não servem para nada, que os livros deles deviam bastar-nos e que a curiosidade só mata a grande admiração que por eles temos.

E depois, como é costume, volto a dizer-me outras coisas.

Para que servem afinal os pedestais? Os heróis? A admiração? Não é muito mais bela a Sophia assim, humana, falível, às vezes até tonta ? 

Vou ler mais um bocadinho da Biografia.

~CC~






segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Vacina

 

Encontrei palavras antigas, escritas sobre o amor. Coisas que só um amor incerto, não correspondido e fugaz é capaz de produzir. Estavam carregadas de emoção e, no entanto, não consigo comover-me com elas, ocorre-me a palavra vacina, é como se me tivesse vacinado e tivesse produzido anticorpos. Anticorpos contra homens tóxicos. Espero que pelo menos esta vacina não seja duvidosa e que o seu efeito perdure por muito tempo. Menos poesia, mais vida boa.

~CC~


sábado, 5 de dezembro de 2020

A liberdade

 

As pessoas ficam mais bonitas com máscara, disse-me ela. Fitei-a incrédula, pedindo mais. Em geral os olhos das pessoas são a sua parte mais bonita e a máscara não só os mostra, como os realça. Já o nariz e a boca, são difíceis, há muito quem se torne feio por causa deles. Admirei-lhe, como quase sempre, a coragem e a frontalidade.  Não por ser uma admiradora do politicamente incorrecto que é agora uma moda que colocou alguns políticos no topo pela sua capacidade de dizer boçalidades, algumas atentatórias de direitos básicos essenciais. Contudo, também não admiro o politicamente correcto, a censura face a tudo o que não é suposto dizer, pensar ou sentir. É preciso que a essência da alma seja a liberdade.

~CC~


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Nostalgia e ambivalência

 

Há quanto tempo não a via, fiquei ali a olhá-la e a pensar em todas as vezes que a perdi, de tal modo que até lhe coloquei o meu nome, o que veio a revelar-se muito útil. A chave do meu gabinete na escola, tão valiosa e agora quase esquecida. Mas já não sei se o que sinto é saudade ou apenas nostalgia. E a eventualidade do regresso traz-se sentimentos ambivalentes, traço comum a estes tempos em que a estranheza das coisas se tende a tornar a realidade das coisas, em que não queremos este mundo mas também já não queremos o outro, tal qual era.

Ou talvez seja apenas dezembro, para mim o mês mais nostálgico do ano, aquele em que a minha infância me espreita mais.

~CC~

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Igrejinha

 

Vejo e revejo as fotografias dos dois beijos. 

O cenário, aquela aldeia alentejana, é exactamente o mesmo. O mês e o dia são exactamente estes, separados por quatro anos de distância, a primeira foto é de 1 de dezembro de 2014, a segunda é de 1 de Dezembro de 2018. Ele está mais forte, ela mais magra, ele tem o cabelo mais comprido, ela mais curto. Inevitavelmente têm mais rugas, mais do que isso, têm mais dores por dentro, feridas que demoraram a cicatrizar a um e ao outro. Ajudaram-se, sobreviveram. Mas tudo deixou marca.

Não sei o que aconteceu em 2019, provavelmente não houve beijo ou se houve, o fotógrafo não compareceu. Em 2020 há só este enorme vazio, nenhuma canção nem beijo que aconteça na paisagem azul e branca. Precisamos de alguns lugares para nos sentirmos felizes. 

~CC~


domingo, 29 de novembro de 2020

Boas ideias (4)

 

A mãe sempre gostou de costurar e a filha cresceu a vê-la inventar roupa e desconstruir outra já comprada. Quando receberam aquela pequena herança, ficaram a pensar no que poderiam fazer juntas e uma loja com marcas inovadoras e uma peça ou outra feita pela mãe apareceu como uma coisa que poderia trazer uma lufada de ar fresco a uma localidade pequena mas com bastantes jovens. A filha achava que já tinha passado a fase das grandes cadeias de marca e que muitos e muitas já estavam fartos de encontrar na escola e no trabalho pessoas com camisolas, calças e casacos idênticos aos seus. Talvez fosse o tempo de se ser um pouco original, de ter uma peça única.

O primeiro ano não correu mal, já o segundo chegou com a pandemia, o fecho abrupto e depois disso os múltiplos condicionamentos. Passavam tardes uma com a outra na loja vazia. Primeiro, a ideia mais óbvia foi a de criar o Facebook e o Site. Mas nem por isso as vendas cresceram muito, pois como elas, muitos já tinham tido a mesma ideia. Uma tarde a mãe disse à filha para vestir isto e aquilo e fazer um pequeno desfile pela loja, a filha brincou com ela e fê-la prometer que a seguir trocariam. Uma filmava e fotograva a outra e divertiam-se. Integraram esses pequenos vídeos nas redes socias e as visualizações cresceram, as compras também, ligeiramente. Depois disso, uns pequenos "directos" com a história das peças, desde o tipo de tecido aos vários modos de a vestir. Divertiram-se ainda mais. Mas mais do que isso descobriram nelas talentos que nem sabiam ter. Venderam um pouco mais, sem êxitos retumbantes mas a conseguir alguma compensação, a ver a luz ao fundo do túnel. 

Sentem-se agora muito menos sós e ganharam esperança.

~CC~

Nota: Inspirada numa história verdadeira lida num jornal local.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Centro gravítico

 


Do mais velho um abraço aconchegante.

Do mais novo um beijo repenicado numa das minhas bochechas,

São os rapazes do meu Sul.

Eu cresci com um homem doce e uma mulher fria. Mais tarde percebi que por trás do homem doce havia muita negligência e da mulher fria uma certa forma de cuidar. Tudo é mais complexo do que parece.

Hoje, em homens e mulheres a agressividade e a dureza afastam-me na mesma medida em que a delicadeza e a bondade me atraem como um centro gravítico sem fim. Mas a doçura não pode ser feita de excesso, uma alta concentração de açúcar não se dá com o meu sangue.

~CC~




segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Boas ideias (3)

 


Elas patinavam ao raiar da manhã de Domingo de Inverno no auditório ao ar livre e pareciam autênticos cisnes nadando no lago e até às máscaras lhes conferiam uma harmonia comum como se fossem parte da cenografia criada. Fiquei a ver emocionada e a adivinhar o que iria nos seus corações de quinze ou dezasseis anos. 

Eles estavam deitados na relva na segunda feira de manhã, tão quietos que ao longe pareciam dormir e só quando me aproximei vi que se mexiam lentamente, lançando para o ar vagarosamente os braços, as pernas, as cabeça rodando para cá e para lá. Fiquei a pensar se me aceitariam naquele grupo que claramente se situava nos +65 e tinham uma professora da mesma idade, tentando inspirá-los a usufruir do sopro da manhã bela de Outono. 

No campo de jogos, a senhora atirava a bola ao miúdo e ambos pareciam trôpegos na corrida para apanhá-la, ele por ter saído dos primeiros passos e ela cansada dos seus muitos passos, mas entendiam-se maravilhosamente em gargalhadas doces.

Nunca vi tanta gente nos jardins, nas veredas, nos caminhos, nos trilhos das bicicletas, parece que os Portugueses descobriram a rua, as esplanadas, os jardins. Espero que continuem a aproveitá-los mesmo depois de tudo isto passar, que não se esqueçam destes caminhos. Eu aproveito a hora a que saio como se já de uma vacina se tratasse, claro que esta é contra a tristeza.

~CC~


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Visitou-me

 


Recebi esta visita, estou certa que é de mim que ele fala.



~CC~

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Faltam-me as mãos

 


Nunca pensei que alguma vez me poderia doer a falta de contacto físico. Logo eu que me arrepiava por ter de dar a mão ou abraçar um estranho, mesmo quando em festas ou festivais em que isso era bastante incentivado (o Andanças, ai o Andanças...). E se num espaço público, a minha bolha dos 20cm era desfeita, isso incomodava-me verdadeiramente. Sempre me interroguei como é que sendo um bicho social era também um bicho do mato. E agora, no vazio enorme deste ecrã e destas luzes, sinto-me cega, faltam-me as mãos para poder ver.

~CC~



terça-feira, 17 de novembro de 2020

Boas ideias (2)

 

Sinto-lhes a falta todas as noites de sábado. Era o momento de transição, o momento em que me sabia viva, me dava ao direito de me esquecer do trabalho e em geral de todas as preocupações, em que mais me sentia a usufruir. Se não fosse a um espectáculo de música, teatro, cinema apenas seria por não haver nada na oferta cultural mais próxima.

Por ora não fazem take away. 

Mas fazem sessões de teatro às 11h da manhã, também há cinema às 10h. Se fecharem as salas de espectáculo e os deixarem, talvez façam sessões porta a porta junto às nossas casas.

Não desistem, reinventam as sessões, tentam criar segurança junto do público, desfasando lugares e enchendo apenas metade a um terço das salas. A vida para a cultura e para as artes já antes era difícil, agora apenas piorou. 

Pode parecer ilógico, o vírus faz o seu caminho tanto de dia como de noite. Mas os jovens têm muito mais dificuldade em se levantar cedo e a festa está associada à noite, creio que é por aí, é preciso que a noite feche pois é um convite ao descontrolo. Não é, claro, o único meio, mas é um dos possíveis, dos mais possíveis.

Domingo às 10h, talvez perto de si, enquanto for possível, com todo o cuidado. Até um sábado à noite de um qualquer ano, mais para diante.

~CC~

sábado, 14 de novembro de 2020

Boas ideias (I)

 


Estava ali, logo à beirinha, mal saí de casa.

Uma pequena ardósia colorida à porta de um restaurante muito próximo da minha casa mas ao qual nunca fui.

Dizia:

Coma em casa com toda a calma!

Take away pratos alentejanos.

Subtil " a calma" a condizer com os "pratos alentejanos" e o tom positivo da mensagem,

Fiquei com muita vontade de encomendar porque a criatividade e a serenidade merecem todo o meu respeito.

~CC~



quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Então, por onde anda esse maravilhoso país?

 

Estão sempre chocados com tudo, contra tudo e a precisar da ajuda do Estado. Primeiro defendem a economia de mercado mas quando há dificuldades, já não é boa, venha uma ajudinha que agora não há lucros.

Protestam porque a aplicação lhe roubará os seus maravilhosos dados privados. Protestam porque antes lhes diziam para não usarem máscaras e agora dizem (nem se chega a perceber se as queriam ou não usar, mas como usar o que não se tinha?). É por se lhes pedir confinamento a mais, ou confinamento a menos. É porque os médicos agora lhes telefonam todos os dias a perguntar como estão se tiveram um teste positivo à Covid ou porque antes nunca lhes telefonavam. É por as senhoras que regulam a Saúde falarem sentadas a uma mesa, vestidas normalmente (deve haver um dress code para a pandemia, eu é que não sei), é por os supermercados terem diminuído os seus horários ou por agora os ampliarem. Os concelhos que estão fora da lista negra querem estar e os outros querem sair. Os restaurantes estão contra os supermercados e os supermercados estão-se nas tintas para os hotéis e os hotéis estão contra os organizadores de eventos que não os fazem e são ineficazes a trazer turistas e...Os cientistas nunca mais se despacham com as vacinas mas quando houver a vacina só 10% admitem tomá-la. E não deviámos admitir cá espanhóis mas estamos muito chocados por agora exigirem aos portugueses um teste à entrada.

Os políticos então, esses não se prepararam, foram todos a banhos como se não houvesse segunda vaga, deviam ter ficado sentados às secretárias a engendrar planos contra o vírus...chamassem os últimos peritos em informática, afinal não são eles os pioneiros do antivírus?

E depois dá-se-lhes o microfone para que falem desses planos, para que digam o que fariam e como fariam...e afinal... a montanha pariu um rato. 

Lá se foram os arco-íris fofinhos nas janelas, as palmas à janela aos maravilhosos médicos e os favores feitos aos vizinhos. Lá se foram os políticos a falarem de união contra a pandemia e de um país maravilhoso chamado Portugal com um povo capaz de enfrentar grandes dificuldades. Agora o orçamento passa por uma unha negra: para uns social de mais, para outros social de menos.

E a morte, essa faça o favor de bater à porta de outro e não à minha - é basicamente isso. 

E embora eu não seja uma fã dos arco-íris fofinhos, também não sou grande fã das bandeira negras. Seria bom nos juntarmos para fazer umas quantas coisas bem feitas e nos livrarmos disto.

~CC~




segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Oh rapaz voador, toma o meu sorriso

 

A fuga dura cada vez menos. Ainda assim preciso de saber que outros seres humanos existem, o écran que me traz rostos não é suficiente, às vezes falta-me simplesmente o ar.

Por isso maravilho-me com o rapaz voador. É muito alto, muito moreno, talvez mesmo mestiço, anda de manga curta, mesmo com o vento a soprar gelado. Não há oficialmente serviço de mesa mas ele gosta de dançar entre as mesas, por isso traz tudo, o café, a água e a conta, suponho que estar parado atrás do balcão não seja coisa para uma alma inquieta. Todos os sorrisos que rompem por trás das máscaras deviam ser homenageados. Queria que ele visse o meu, de puro agradecimento.

~CC~


domingo, 8 de novembro de 2020

Georgia

 

Esse condão de se ser dominante.

Esse poder de ter sobre si os olhos do mundo.

Foi assim connosco também. Em família seguindo minuto a minuto, discutindo cada coisa, festejando cada pequena vitória, suspensos.

E por fim um suspiro, um sorriso, uma voz que não se deixa abater.




~CC~


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Ser um fogo que se acende com um pequeno fósforo

 


O cansaço é um manto escuro que se enrola em mim. Venço-o a cada madrugada a que me levanto para poder iniciar as aulas ao raiar do dia. Às vezes penso que não vou aguentar este ritmo. Mas há um eu que absorve cada bocadinho bom como reserva para o enfrentar, seja o bocadinho bom a aula de yoga, o café junto ao mar, o riso que um blogue consegue despertar-me, o whastapp da família, ou tão só os 5 minutos de silêncio. 

Agradeço ser um fogo que acende com um pequeno fósforo e que demora a apagar-se.

~CC~







terça-feira, 3 de novembro de 2020

Aves que buscam sol

 

Passaram num grande grupo, certamente mais de doze, entre os 15 e os 20, todos louros ou alourados, o que se coaduna com a Europa lá mais a norte. Devem ter enchido o hostel.

Os concessionários sabiam-no, ou sabem-no (embora o discurso oficial seja outro), tanto assim que não retiraram da praia as espreguiçadeiras. Vejo-os em trajes de banho e a entrar nas ondas, com o ar deliciado de que aqui o mundo é outra coisa. Eu não me atrevo sequer a usar manga curta. São as variações climáticas que as peles têm. 

A esplanada virada ao mar esgotou ao almoço, dois terços não eram portugueses. Indiquei pelo menos a três visitantes falantes de inglês onde era o supermercado. Não sei se o mapa do Algarve (quase) livre do vírus (excepção a S. Brás, por mero azar) decorre da leitura mesmo correcta dos números, se é parte de uma política assumida de chamamento de turistas (em que a informação que interessa é a que condiz) ou se é tudo verdade, o mapa bonito é a real e feliz conjugação do sol, sal e mar. 

Certo é que não me lembro de outro novembro assim tão cheio de turistas na rua principal da cidade capital do reino. É certo que ainda estamos longe da invasão dos anos oitenta, mas em tempos de pandemia, há quem desafie o inferno e talvez pense que chegou ao paraíso. Invejo-lhes o tempo e a disponibilidade e cedo-lhes com gosto o meu bocado de mar. Que aves não buscam o sol?

~CC~







sábado, 31 de outubro de 2020

Notícias da vizinha do lado

 

Foi num destes domingos já passados. Abri a porta de casa e ouvi barulho na cozinha. Corri ligeiramente o cortinado e confirmei a presença da vizinha na varanda. Com ela, uma amiga.

Tudo parecia ser como antes, os copos de Gin, as gargalhadas, a música alta.

Mas durou apenas uma tarde, aquela tarde. Desapareceu novamente e verifiquei que a varanda estava tão suja como antes. Significa isso que nem a limparam para a tarde de festa, fizeram-na ali entre a sujidade deixada pelos pombos. Só não fiquei mais estarrecida por imaginar que depois de umas quantas bebidas todos os lugares se possam assemelhar a um pedaço de paraíso. O mundo está mesmo a ficar um lugar estranho.

~CC~


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Acordar

 

Uma coisa que me caracteriza?!

Acordo feliz e com energia, raramente triste e sem vontade de nada. Adoro pequenos almoços, são a minha refeição do dia preferida, tenho fome.

Ao adormecer nem tanto, pesa-me a intensidade do dia, o que coloquei na lista e não consegui fazer e a falta de uma série televisiva que dure não mais que 45 minutos e me ilumine. Não ligo a jantares, a não ser em dias de festa ou saída.

E tu?

~CC~



segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Não como nós

 

Ele pergunta.

Já fiz idêntica pergunta a mim própria muitas vezes.

Já respondi também, mesmo que sem poder ter a certeza do que penso e digo. A identificação é um sistema complexo.

As pessoas mais pobres, vulneráveis, de grupos minoritários ou tão simplesmente de classe média ou média baixa não desejam ser representadas pelos seus iguais, primeiro porque ver essa imagem no espelho é confrontar-se outra vez consigo próprio e com a sua dor. Em segundo lugar, não acreditam que essas pessoas, uma vez no exercício do poder, se lembrem de as quem as escolheu para as representar, pensam que, ao invés, se vão aproveitar para esquecer isso e frequentar a mesa do rei. Basta ver junto de quem vendem as revistas que mostram o interior das vidas de luxo. Se há quem fuja à regra, há. Se pode ser diferente, pode. 

Há mesmo quem nunca sonhe com Porches ou Ferraris e nem consiga compreender o encanto de uma pista de Fórmula 1.

~CC~







sábado, 24 de outubro de 2020

Transparência

 

Já foi o café onde encontrei, como proprietária, uma irmã de uma amiga a quem há muitos anos tinha perdido o rasto. Depois ela desapareceu como tinha chegado, sem aviso relativo ao destino de partida. Por isso, quando a olho atrás do balcão, ainda é a pensar na outra. Desabafa ela que suspeita que o álcool gel lhe está a tirar as impressões digitais. 

Digo-lhe que não se incomode que eu já não as tenho. Ela olha-me incrédula e mostro-lhe os meus polegares, dizendo-lhe que apenas ali sobrou alguma coisa, são eles que constam no meu passaporte. Mas foi antes da pandemia, suspeito agora que nem já os polegares poderão provar a minha existência. Não lhe digo, contudo, o resto, ou seja, que não me desagrada a ideia de ser etérea. 

~CC~


quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Espelho meu

 

O espelho era antes um olhar breve, nem dava por ele.

Agora estou sempre a ver-me nele e a ter consciência do que os outros vêem. Isto de ter que lidar diariamente com horas e horas da minha própria imagem, ainda por cima a fazer gestos, a falar, a inclinar os olhos e a cabeça, é uma tortura. E o pior, mesmo o pior, é que ganhei consciência de como, ao falar, coloco a boca de lado e deste espacinho feio nos dentes do maxilar inferior. Será que posso criar ícones de mim, avatares, outras imagens para me substituir?! Se há criatividade nos fundos que usam, ainda não a vi aplicada às pessoas. Eu, poderia, com vantagem, ser um girassol falante, um golfinho ou uma grande nogueira.

~CC~


terça-feira, 20 de outubro de 2020

E o riso das árvores...

 


Vou desfazendo as malas aos poucos, durante o tempo que aqui permaneço. Isso justifica que tenha de lá tirado o fato de banho e me agarrado a ele já com saudade. E é com pesar que irei arrumá-lo na gaveta, agora que sei que até um voo tropical está fora de horizonte. Parece ser um tempo tão longo até ao Verão. 

Água essa há, desde ontem em catadupa como se tivesse vindo para ficar. Sei muito bem do seu valor, ao contrário de mim as árvores devem estar a rir-se, vestindo os seus fatos de banho para um enorme mergulho.

E o riso das árvores abafa a minha tristeza, quase a calo.


~CC~



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Diz-me uma coisa

 


Diz-me uma coisa que te caracteriza.

Digo-te.

Quando eu era jovem escrevia livros inteiros em sonhos, capítulos e mais capítulos. Depois passaram a ser apenas contos, histórias, micronarrativas. E agora sonho só frases, algumas que passam de noites para noites e são para mim próprias misteriosas.

Tirar a sombra dos olhos

Onde o vento faz a curva.

Foram estas as das últimas noites.

~CC~


Nota: A segunda juraria ser o título de um livro de alguém bastante conhecido, se souberem quem, digam.






sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A incluir

 

Tenho vindo a adquirir novas competências de teletransferência, quando o coração está num lugar consegue levar-me mesmo que o meu corpo esteja noutro sítio. 

É verdade que isto não está escrito nas 141 páginas da visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030, mas creio que um autor poeta deve reconhecer esta manobra de resiliência. E ainda para mais sendo um conterrâneo. 

~CC~




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Pedagogia da proximidade

 

Não medem exactamente bem a palavra distância. Ou não sabem qual o seu peso. Por isso usam-na a todo o momento.

À distância dos que amamos. 

A distância é um buraco negro, desses que até que engolem pedaços de céu.

Não podemos ficar distantes. É agora que temos que ficar próximos.

Imagino assim uma pedagogia da proximidade. Como se as palavras pudessem ser carícias pousadas sobre a pele e o os olhos aprendessem a sorrir por si só para colmatar a boca tapada.

Ontem abri pela primeira vez, em tantos meses, a porta da casa a alguém que não é da família. Colocámos as máscaras, sorrimos com os olhos, nada foi fácil, mas aconteceu.

~CC~







domingo, 11 de outubro de 2020

Tomamos posição!

 

Nós tomamos posição!

E tu? 


Começa hoje a campanha: Mobiliza-te contra o sexismo! (1)

(1)  Mais informação aqui.

~CC~




sábado, 10 de outubro de 2020

Como elas

 

Como elas, uma e outra mulheres de fogo.

Não, eu também não quero que se instale esse ridículo novo normal. Não quero habituar-me a ele como quem veste de vez uma outra realidade. Não usem também a palavra resiliência, gostava dela antes, mas agora tornou-se tão banal que já não serve, prefiro resistência ou mesmo combate. Ou mesmo luta.

Prefiro saber que o que vivemos é mesmo um tempo de loucura, de estranheza, de tristeza.

E ainda assim não enlouquecer, entristecer às vezes e estranhar quase sempre.

~CC~


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Banho de mar

 

Um Outubro assim, de sol e mar.

É como uma estrada que tomo na bifurcação sabendo que era a outra que devia tomar. Quando já a percorri absorvendo o cheiro a ervas, a maresia, a silêncio e, sobretudo, a liberdade, volto atrás e tomo a outra bifurcação. Fresco o banho de mar e ainda tão bom.

Vou seguindo pela estrada certa, cheia de agitação, barulho, ecos do mundo e, sobretudo, muito trabalho. Aguento-a na esperança de amanhã acordar e ser outra vez este Outubro de sol, ou aquele outro, em que experimentei pela primeira vez o sabor do teu beijo.

Quando a chuva chegar, acabam-se as bifurcações, os enganos, o faz de conta que ainda não começou mesmo, mesmo a sério. Espero não ficar excessivamente triste a cada hora que anoitecer mais cedo.

~CC~


sábado, 3 de outubro de 2020

Atravessando o Outono

 


Se com o meu abraço eu pudesse torná-lo feliz. Mas os meus braços parecem-me pequenos, magros e desajeitados. Os meus braços são insuficientes. E o calor do meu abraço só aquece uma parte do seu corpo, sei que a outra me escapa porque há parte de mim que também lhe escapa. Mas ainda lhe quero muito, há uma ternura transbordante quando penso nele e no que para mim significa. E ele não quer ser feliz, isso não lhe diz nada, como tal, talvez o meu abraço sem força ainda lhe chegue, talvez este calor tímido, este beijo doce, este sorriso que lhe ofereço. Queria saber e não sei, não sei realmente. Talvez ele não saiba também ou nem queira saber. Pequenas dúvidas com as quais a vida segue, não podemos realmente tropeçar nelas, talvez seja isso a vida e não outra coisa qualquer. Ou será?

Talvez seja apenas o Outono a agarrar-me. O final dos dias é já frio.


~CC~


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Retro

 

Voltei a ouvir CD em modo de repetição. 

É uma coisa que há muitos anos não fazia enquanto trabalhava.

Custa-me a tirar o "Cinema" e a mudar para outro CD. Podia ficar eternamente a ouvi-lo de tão belo que é.

 Agora que a oiço dou-me realmente conta de quanto a casa cheia de música me fez falta.

~CC~

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Agradeço

 

Obrigada Quino.

Sem ti os meus estudantes não teriam tido tantas oportunidades de rir nas minhas aulas. E de pensar duas vezes em quem somos e no mundo que vivemos. Tenho as minhas apresentações cheias dos teus bonecos.

~CC~



terça-feira, 29 de setembro de 2020

Como falaremos?!

 

Pela primeira vez nas férias li um único livro inteiro. Ainda tenho a biografia da Sophia para acabar e dois outros que viajam comigo no carro há meses, sem que os abra. Os meus olhos estavam tão sedentos de horizonte que não os conseguia mergulhar no papel, só no azul ou verde da paisagem.

Não gostei de 3/4 do livro que li* pois junta uma série de figuras de intelectuais numa ficção mas goza com eles de tal modo, que até eu, que não sou de santos nem santinhos, me incomodei. Tinha, contudo,  uma ideia fantástica, a dos torneios de argumentação, em que cada um, de acordo com o seu nível (uma espécie de cinturão de judo) podia desafiar outro(s) para o debate de um tema controverso. Se perderem, poderá até ser-lhes cortado um dedo ou bem pior. Num tempo de retórica sem argumentação, descontando o pormenor do dedo, tais debates são bem necessários.

Vivemos um tempo de pouca, pouquíssima palavra. Cada vez que uma rede social vinga, há um degrau a menos de palavra escrita e um degrau a mais de imagem. Não sei como falaremos no futuro, trocaremos cromos como antes os miúdos faziam?

~CC~



* A sétima função da linguagem.


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Este estranho início...

 

Há novos lugares instalados para o teletrabalho nos dois locais onde moro. As condições anteriores eram mínimas e péssimas e o meu corpo andava magoado. Em princípio chegará a autorização para ver o mundo desta janela, ainda a espero.

Hoje os colegas mais queridos repetiram, para me convencer, que seria só por mais algum tempo, que as salas de aula são muito pequenas e as condições bastante más, por mais que o tentem negar.

Mas não posso evitar a tristeza de não estar lá. Até do pó do giz tenho saudades. Já para não falar do sobreiro grande e dos risos, esses que às vezes me incomodavam.

~CC~

sábado, 26 de setembro de 2020

Sinais

 


Esta noite tive o primeiro sinal de que, ao contrário do que tenho pensado, a pandemia teve algum impacto na minha saúde mental. Sonhei que estava presa em casa, não pelos 14 dias da quarentena, mas para sempre pois a minha doença era eternamente contagiosa para os outros.

Só se percebe a dor disto numa alma peripatética, pois muito embora eu não considere a terra o centro do mundo, muito gostaria de deambular por toda a sua superfície.

~CC~



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Para a Ana

 

És o próprio azul do mar. 

E como ele sereno, tranquilo, lindo.

Se guardas dentro agitação, revolta e tempestade, é por o azul não ter apenas um tom, um modo de ser. Tudo o que se agita é também por ter vida.

O teu abraço é fresco, traz uma brisa e comporta um leve sabor a sal, sabe-me bem.


~CC~


(Parabéns minha querida!)

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Trabalho

 


Voltámos ao meio corpo. Tenho vestido e brincos mas as havaianas calçadas. 

As reuniões prolongam-se pelos dias. Ainda tenho dificuldade em dar o nome ao que sinto, em dizer se é bom, se é mau ou mais ou menos.

~CC~


domingo, 20 de setembro de 2020

Queria um país sem fome

 

Diria que a maior parte são emigrantes que aqui não encontraram trabalho ou que o encontraram sazonal e/ou mal pago. Mas há também idosos, sem abrigo, mulheres com filhos pequenos e que os trazem com elas. Poucos jovens, mas ainda assim alguns, podem ser mesmo universitários que uma vez deslocados vivem com recursos muito limitados.

Não percebo a organização da fila que me parece caótica nem sei como irão distribuir a comida. Mas vejo chegar o pão embalado, as saladas em sacos, a carne devidamente acondicionada...não se trata de dar restos mas sim comida em condições, muito embora provavelmente próxima do final do prazo de validade. Há várias organizações a fazer isto e até uma aplicação via TM que permite ir buscar a determinados restaurantes. Modelos alternativos à caridade, com outra dignidade. Era capaz de dar um bocado do meu tempo a uma organização destas, muito embora tenha tão pouco. Mas ao mesmo tempo tenho sempre receio de ver estas coisas por dentro, de me desiludir.

Eu também já acompanhei a minha mãe numa fila deste tipo, naquele tempo em que o nosso nome era "retornados" e íamos buscar o leite e as barras de queijo a uma organização holandesa. Ainda hoje recordo o sabor desse queijo, não era mau e alimentou-me muitas vezes. E é verdade que era triste mas mais triste era passar fome. Ninguém neste país devia passar fome pois está à vista o muito que se desperdiça. Mas temos que encontrar os modos certos para isso não acontecer e isso é, sem dúvida, mais difícil.

~CC~


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Corpo estranho

 


Não consigo entender o meu envelhecimento. Tenho borbulhinhas pequeninas por todo o corpo semelhantes à varicela. Suspeito que as minhas células endoideceram de vez e querem voltar a ser crianças. Ou então terei voltado às grandes alergias que encheram a minha adolescência e idade adulta e que terminaram de repente com o teu nascimento. Em síntese, não sei o que me está a acontecer. Resisto às explicações simples dos ácaros e afins, pois a existirem a mais nesta casa, suspeito que sempre aqui estiveram. Há ainda a hipótese da gula e do meu fascínio por produtos exóticos, indianos e afins. 

Corpo estranho, desconheço-te. 

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Globalização

 

Na frutaria da moça chinesa que é tão simpática como bem falante da nossa língua compro mangas pequenas que são as únicas a ter o mesmo sabor que as compradas e comidas em Cabo Delgado.

~CC~


 

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Impacto do Corona no meu Índice pessoal de felicidade

 

Vou começar a contar ao contrário....

"Uma vida normal" no meu cinema"...não vou

O Tito Paris no meu fórum...não vou

Ou seja coisas que esta semana me apeteciam muito: -2

Impacto no meu Índice pessoal de felicidade: ainda tolerável.

E quando já não houver sol e não puder ir junto ao mar? Não sei.

~CC~

domingo, 13 de setembro de 2020

Perplexidade

 


Sem bandeja não me era possível levar 3 coisas, o café, o copo de água e o queque de banana e canela, uma novidade de acompanhamento. Pousei-o na mesa da esplanada enquanto regressava ao interior para trazer o que estava em falta mas quando cheguei vi apenas o prato. 

Mais adiante, a gaivota comia-o a grandes bicadas, tinha vindo buscá-lo na minha curta ausência. É assustadora a mudança do comportamento destes bichos, cresci a imaginá-los à semelhança de Fernão Capelo. 

~CC~



quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Vizinhança

 

A vizinha desapareceu misteriosamente durante a pandemia. A varanda, antes tomada pelas amigas alemãs que bebiam madrugada dentro, falando em voz alta e soltando gargalhadas capazes de chegar ao outro lado da cidade, está agora tomada pelos pombos. Verão após Verão eu sabia que elas chegariam, que eu teria dificuldade em adormecer, que as vozes delas ficaram a ecoar na minha cabeça dentro dos sonhos. A vizinha parecia então outra pessoa, não baixava os olhos ao passar por nós, às vezes até sorria. Ora depois da morte do seu querido cão grande ela passou muito tempo sem sorrir.

A varanda está abandonada, suja e triste. Não sei o que fazer para saber dela sem ser intrusiva. Já pensei tocar à campainha, ligar para a administração do condomínio, perguntar ao vizinho que tal como eu e ela somos aqui os mais antigos. Nunca pedimos salsa uma à outra, nunca trocamos mais do que duas palavras, nunca nos ajudámos no que quer que fosse. Percebi, pelas suas ruidosas conversas na varanda, que muito me separava dela. Mas era também era uma mulher livre, senhora de si, disso eu gostava.

~CC~


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

E tu, o que aprendeste nas férias?

 

Gosto muito das perguntas que a Ana faz a si própria.

O que aprendeste nas férias? É essa a pergunta subjacente ao seu texto. É bom pensar com os nossos botões.

Mas a minha resposta poderia ser quase oposta à dela pois a minha vida não se faz com três rapazes em casa, por isso ela aprendeu a estar só e eu aprendi novamente a estar rodeada de gente.

E mesmo antes das férias, no primeiro período de desconfinamento, quando começamos lentamente a sair. E não foi fácil. Ao contrário de muitos, custou-me o bulício da cidade, os restaurantes e as praias cheios, as vozes, as gargalhadas, os guinchos e os gritos.

A primeira vez que reuni uma manhã inteira com dois colegas de trabalho dos quais gosto muito e há muito ultrapassaram a barreira de serem apenas uma relação de trabalho fiquei emocionalmente exausta. Precisava urgentemente de silêncio, de não ouvir vozes, de não ter que prestar atenção a alguém, no final já praticamente não conseguia responder. Foi um bálsamo chegar a casa e estar sozinha.

Estar com crianças, vê-las brincar, interagir, suportar os gritos, as gargalhadas, o ruído, tudo isso tive que reaprender. Só aí tive a plena consciência da bolha em que vivi entre Fevereiro e Junho, do efeito do teletrabalho, da modificação das relações sociais e profissionais.

Eu, nas férias, aprendi o que era estar de manhã à noite, dias e dias, sem estar sozinha. E tudo o que a relação com outros implica: cedências, atenção, negociação, entrega, descentração. Tinha, em parte, desaprendido. 

~CC~


domingo, 6 de setembro de 2020

Pó de estrelas

 

Escolho o caminho mais longo para regressar a casa apenas porque por ele posso espreitar como está a luz sobre o rio agora que o Verão começa a declinar.

Escolho o café pela beleza da esplanada e comecei a ir a um apenas porque a proprietária a cercou de flores e tenho a ilusão de estar dentro de um jardim. Interrogo-me como faz para estarem sempre floridas.

Deito fora objectos úteis se estão velhos ou partidos mas guardo outros inúteis por serem bonitos ou me contarem coisas do passado. 

Ia aos castelos de todas as terras e terríolas para ver o mundo de cima e respirar o odor das pedras antigas que contam histórias e por isso escolhi esta casa, tinha vista para dois castelos.

Uso receitas mas nunca as sigo completamente, mudo ingredientes e dosagem. Às vezes resulta, outras é desastroso.

Não sou totalmente isenta de racionalidade e sentido prático, sei o que são, aplico-os algumas vezes,  sei aliás que foi isso que me deu rumo e me tornou auto-sustentável, a única coisa para que me serviram os pés na terra.

Mas a maior parte do tempo o meu norte é só pó de estrelas. Talvez por isso me custe a compreender as pessoas sem sonhos.

~CC~



quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Turismo de corredor

 

Todos os dias a conversa do corredor para o Reino Unido. Serei eu a única farta desta conversa? 

Não pode ser um corredor para o Japão? Parece que também por lá há gente rica, com possibilidades de  animar o turismo do Algarve e da Madeira, sobretudo aquele que não se soube reconverter e consiste em colocar as pessoas meia dúzia de dias empilhadas numa torre cheia de quartos, as faz passar o dia em torno de uma piscina e os serões nocturnos em joguinhos de bingo e afins. Há uns anos num desses resorts uma estudante que apoiava num estágio tentou por tudo fazer uma feira de sabores locais, projecto que acabou no lixo, a administração dizia que os turistas procuravam os mesmos produtos que tinham em casa. 

Em Sagres, o proprietário de uma das cervejarias mais conhecidas disse-me que desde o início do Verão que estava sempre tudo cheio ao almoço e ao jantar. Pela primeira vez, a maioria eram portugueses. Mas segundo ele, comem tanto ou mais do que os outros...e nem pedem peixe com batatas fritas...

~CC~


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Setembro, meu querido mês

 

Setembro, um pouco adiante, é mês de nascer.

Por isso, Alexandra, não me importava mesmo de nascer com uma cabeleira afro, mais morena do que loura, se possível.

Por métodos naturais, o melhor que consigo é o que está na foto.


~CC~

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Apenas com as primeiras chuvas

 

Agora que Agosto se despede, tenho a certeza que as férias foram curtas. Preciso de descansar do que elas comportaram dessa agitação boa de percorrer caminhos, dormir em vários quartos e camas diferentes, andar sempre de mala aviada, encontrar a família, experimentar sabores, tomar banhos doces e salgados e palmilhar terras e areias. Um cansaço grande, quase sempre bom.

Imagino um Setembro que pudesse ser um segundo tempo de férias, em que poderia finalmente contemplar horizontes, ouvir silêncios, seguir durante muito tempo o voo das andorinhas, apaixonar-me por um livro, cansar-me de nada fazer, sentir saudades do trabalho.

Então, para quebrar o tédio, regressaria, apenas com as primeiras chuvas, com o cheiro da terra molhada.

~CC~



domingo, 30 de agosto de 2020

Longitude S

 

Foi há muitos anos, praticamente não me lembrava.

È um lugar de vento forte mesmo quando ele não sopra forte no resto dos lugares. Por causa dele as ondas são grandes, contínuas e a espuma é constante. Para me sentir parte dele faltou-me um fato de surf, só para experimentar como é estar dentro de um e não sentir nem frio, nem a areia fina a cortar-me a pele. Na vida há várias místicas e não temos tempo para experimentar todas elas, creio que é desse desejo que se alimentam os escritores, os actores, os dramaturgos. Qual é o lugar da fantasia e da imaginação nesse mistério chamado cérebro?

Fotografei-me de fato surfista e não ficava mal, afinal estou muito bronzeada e o cabelo muito claro. Faltam-me talvez 5 cm de altura, pelo menos.

~CC~



segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Latitude Z

 


Registei-a antes de ser notícia.

Não são todas as aldeias que se situam no Km 500 da N2.

Não tem um nome especialmente bonito mas garanto-vos que as casas brancas com barras ora azuis, ora amarelas, são, como em todo o Alentejo, as melhores para agarrar os tons do crepúsculo.

Maldita rota esta a do vírus que que apanha aqui e ali um lugar tranquilo, onde os mais velhos estavam a querer tornar aos bancos do largo para poder lembrar o que há muito se passou. Chamam-lhe surto, mas tenho a certeza que alguns o designarão apenas como um mau olhado. 

Não há já nenhum lugar seguro, incólume, protegido.

Ainda assim tendo a pensar que o que aquilo que me disse hoje o homem que me lavou o carro com o rosto inteiro visível não é bem verdade. Quando lhe perguntei porque não usava máscara, mexendo no carro de tanta gente e estando próximo dos clientes, respondeu-me que seria o que tivesse que ser. Mas já o ouvi mais vezes a várias pessoas, por crença ou cansaço, entregam ao acaso (ou a Deus?) o seu destino como se elas nada pudessem fazer por si próprias.

~CC~




domingo, 16 de agosto de 2020

Longitude A

 

O meu nível de cansaço é tanto que mal consigo ler.

Nas férias, lia, no mínimo, uns três livros. Vou a meio de um. A maior parte do tempo só quero me deitar num lugar verde e com água por perto, fecho os olhos e fico dentro de mim vagueando. Caminhar e nadar são as outras coisas que me dão prazer. E fiz o primeiro passeio de bicicleta depois da grande cirurgia, equilíbrio a precisar de mais treino mas tanta alegria no vento a passar no meu rosto.

Precisava de ter o dobro do tempo de férias. Não pelo lazer ou pela festa, trata-se, chego à conclusão, de uma emergência de saúde, uma terapia necessária, reconhecê-lo assusta-me um pouco.

~CC~



sábado, 15 de agosto de 2020

Latitude Y

 

Será que um lugar sem mar pode ser meu?

Sim, se ouvir o som da água nos açudes, se o olhar se poder perder de vista pelo céu cheio de estrelas, se os cães tiverem nomes e forem mansos e doces. Se as pessoas sorrirem por trás da máscara, nos pedirem desculpa por nos tirarem a febre e nos disserem que se chamam Maria.

Sim, se puder caminhar junto aos trilhos da água, por caminhos de verde e o vento sussurrar segredos e melodias.

Sim, se houver junto de mim alguém próximo, com quem se pode partilhar a palavra e o silêncio, recordar passados e inventar futuros.

Sim, se houver um horizonte limpo, por onde volteiam felizes as andorinhas sempre que o sol começa a declinar.

A mais de 200 Km do mar e, ainda assim, feliz a maior parte do tempo. Afinal talvez me chegue ter ar puro, silêncio e estrelas.

~CC~


domingo, 9 de agosto de 2020

Latitude X

 

Quando é que sabes que uma coisa não é tua? Quando ela não se inscreve na tua pele, nunca a incorporou.

É desse modo que sinto a neblina matinal, que não raro se prolonga todo o dia, com apenas uma ligeira trégua para deixar passar os raios de sol.

É desse modo que olho para as famílias que chegam à praia com uma temperatura de 20 graus e trazem com elas o chapéu de sol, o pára vento, a geladeira, muitos sacos de riscas ou flores, um sem número de brinquedos para as crianças. Chegam para ficar, não é apenas uma ida à praia, é um dia lá passado. 

É desse modo que olho para o que significa família, um conceito alargado em que cabem três ou quatro gerações juntas e que não se alimentarão apenas a sandes, muito menos a fruta cortada em pedaços.

Julgo-me num outro século, como se fizesse uma viagem no tempo, mas não é disso que se trata. É simplesmente um efeito atmosférico que deve determinar em grande parte outros modos de apropriação da água e da areia.

Não vi passar o vendedor das Bolas de Berlim. Mas eu mal sai do café para a paisagem. Faz frio.

~CC~





segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Manhã de Domingo


Nem praia, nem campo.

O silêncio morou este Domingo de manhã nas ruas da cidade a que chamo casa.






~CC~

sábado, 1 de agosto de 2020

Agosto e pessoas de corpo inteiro



Agosto sempre me assustou. Associo-o a muita gente, barulho, filas, esplanadas cheias, cidades desertas, acidentes na estrada, festas até de manhã, noites de calor sem dormir. Sempre procurei esconder-me dele nalgum lugar com um pouco de sombra, água, melancia, um livro para ler, silêncio. 

Este ano, contudo, desejo-o como nunca. Apenas por ser o mês em que desligarei o computador, o deixarei em casa e não terei sessões no zoom, no teams, nem em qualquer outra coisa a que se chegue por meio de um link. Este mês não haverá pessoas do outro lado do écran. As pessoas que encontrar terão um corpo inteiro, é assim, pode desejar-se uma coisa destas assim simples. Está quase.

~CC~


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Fetiche (em jeito de resposta)



Acredito que sim. Mas também depende do que estiverem a ler.

Comigo aconteceu o oposto. Fui beber café a um local desportivo, desses clubes de ténis e de padel. A meio da manhã e nenhuma mulher, apenas homens nos campos e no café, não supunha, mas não é coisa que me incomode. Quase todos entre os trinta e os sessenta. Longas e entendiantes conversas sobre a forma física, o jogo, a performance, o último grito em proteína. Tanta saúde, tão giros, nota zero no resto. Se voltar a encontrar algum, não  me lembrarei dele.

~CC~

Os dias com ela



Os dias estão cheios da solidão dela. É uma solidão que grita, estrebucha e desconforta-nos. Cada um de nós tem uma vida cheia de outros desafios e ainda por viver. O mais difícil é que já nem sabemos fazer-lhe companhia, nada do que temos para dar a parece satisfazer. Digo que a vida tem sempre um horizonte, algo que ainda queremos, algo que ainda não fizemos. Mas às vezes não lhe descortino esse querer. Os dias com ela tornam-se pesados e não é o peso da tarefa, é muito mais, é a ausência do gosto pela vida (à qual apesar de tudo se agarra) e por estar connosco. É o pânico que lhe sinto quando os bisnetos lhe tocam à porta, já não consegue inspirar-se na alegria que eles trazem.

~CC~

terça-feira, 28 de julho de 2020

Como eles...



Era um bando tão grande de pássaros brancos a voar para cá e para lá, não seguiam a direito rumo a algum lugar, quando pareciam ir, volteavam e tomavam outra direcção.

Sinto-me assim às vezes, um entre eles.

~CC~

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Nudez



Parecemos às vezes caminhar por estradas tão distintas que tenho dificuldade em me lembrar do tanto que nos une.

Para mim o amor é uma palavra absoluta, redonda e transparente. É um vínculo, uma importância dada ao outro, um saber que ele nos faz falta. Quando é para ser, deve sê-lo, quando não é, não deve. Talvez o reduza a uma coisa demasiado simples, mas é dessa simplicidade que preciso, que se assemelhe mais a água do que a fogo, mais a terra do que a ar.

Gostaria de ir pouco a pouco reduzindo a minha vida às matérias essenciais, como quem se vai despindo para finalmente entrar nua na idade madura.

~CC~

terça-feira, 21 de julho de 2020

Por aqui



Nos dias de trabalho mais a Sul fico a maior parte do tempo num escritório emprestado bem na baixa da capital. Almoço por aqui. É um confinamento um pouco mais doloroso por saber o mar ao virar da esquina, mas resta sempre a esperança de um banho de mar matinal ou ao final do dia.

Hoje, no café-restaurante, era eu a única portuguesa. Imaginam a nacionalidade dos outros? Todos Ingleses. Devem ter boas casas para ficarem de quarentena no regresso. Ou então, ninguém controlará coisa alguma. Não, não são residentes no Algarve, estavam efectivamente de férias. Também oiço os aviões a chegar com alguma regularidade, não posso aferir se exactamente a mesma de antes.

Às vezes, parece simplesmente que andamos a brincar às pandemias, talvez mesmo seja só um jogo on line. Ou simplesmente um jogo do qual não consigo descortinar todas as facetas, muito menos quem serão os vitoriosos. 

~CC~

sábado, 18 de julho de 2020

Quero esquecer-me de tudo



Todo o corpo me está a enviar sinais de paragem e eu forço-o, peço-lhe mais um bocadinho de força, de coragem, falo-lhe das maratonas e de que como os atletas procuram resistir até ao final da meta. Um ano anormalmente longo em que apenas Agosto se afigura como trégua.

O corpo fala-me,  só me aponta a direcção do por do sol em pleno Verão, dizendo-me que é por ali que tenho que parar, sorver, apreciar, contemplar. Diz-me que cada dia não voltará mais, que a terra não voltará a passar no mesmo sítio, nunca mais será aquela data, aquela hora.

As coisas, todas as coisas de trabalho, por mais importantes que sejam, começam a fazer pouco sentido. É-me difícil estabelecer o diálogo com quem me pede mais e mais. Torno-me capaz de não atender telefonemas, é toda uma aprendizagem nova, deixá-lo tocar, enquanto vejo o nome da pessoa luminoso no écran a piscar e a piscar. Em alguns casos já nem sou capaz de ligar de volta. Pouco falta para que me autorize a esquecer-me de tudo.

~CC~

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Sim, era eu



Não a vi. Confesso que tive pena

Mas se viram passar uma comitiva de uma carrinha e dois carros com um grupo de pessoas com instrumentos musicais que paravam às portas de umas casinhas isoladas em lugares rurais, aqui no lado sul da minha cidade, cantando e tocando músicas que os idosos dantes ouviam no Centro de Dia, sim, era eu a mulher de vestido branco de bordado inglês com um ar extenuado mas feliz. 

~CC~


(com um obrigado especial ao rapaz das duas letras que combinam com CC)

sábado, 11 de julho de 2020

Litoral



Há tanta beleza neste mar do Alentejo. E o odor, este cheiro forte e salgado. Aprecio as ondas tão grandes, absolutamente incapaz de entrar nelas.

Há quem não tenha medo de nada, em grupos que sem dificuldade chegam e ultrapassam os dez, parecem ter pressa, urgência em viver, não querem ser impedidos, confinados, amarrados.

Até eu por vezes pareço esquecer-me do medo, mas na maior parte das vezes ele não me larga e permaneço vigilante.

Os empregados do bar da praia, a esses nunca os achei tão cansados, subitamente envelhecidos e quase derrotados por trás das máscaras. São eles quem se sujeita mais ao risco.

As crianças pequenas, essas continuam a exclamar praia, omitindo o "r", com os olhos grandes e espantados de felicidade. Os pais, esses bem os avisam: não se cheguem às outras pessoas. Será que algum dia se lembrarão deste estranho aviso? Espero que um dia o esqueçam, eu gostava quando as crianças se abeiravam com os baldes para eu encher de água.


~CC~

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Bem vinda, o Universo estava à tua espera.



Nascem blogues no sul da margem mas no centro do meu mundo.

Que voz jovem e já tão bonita, densa, profunda.

Bem vinda, o Universo estava à tua espera.

~CC~

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Volver



A magnólia já não tinha flores. Já não há rosas de campo, as rosas albardeiras, apenas as de jardim, uma delas de um vermelho escuro, a minha cor preferida para rosas. Fui rever os caminhos molhados de onde voltava com os ténis cheios de terra, no tempo do grande silêncio, em que quase só se ouvia o latir dos cães. Agora estão secos, há mais ruído, um pouco mais de gente. Ouvi dizer que os turistas tinham aos poucos regressado.

As duas árvores de fruto do quintal estão cheias, as ameixas já as colhemos, as maçãs precisam de mais tempo. Deixei umas sementes na terra e algumas cresceram, uma abóbora, dois pés de milho e umas plantas que não sabemos reconhecer. Agora deixei lá um abacate, às vezes, com sorte, nascem. Já não fugimos da chuva, agora, há grelhados no carvão no quintal. Tentamos, sem êxito, dominar as moscas que chegam atraídas pelo cheiro.

Quando nos emprestam uma aldeia e lá vivemos um mês, quando isso acontece em tempos difíceis, quando é lá que aprendemos a fazer bem pão e ainda temos a marca da queimadura que aconteceu nessa interacção com o forno intensamente quente, quando aprendemos como é amarela a gema do ovo comprada na pequena mercearia e são bons os seus biscoitos com sabor a limão, mas, e sobretudo, quando quem nos acolhe tem sempre tempo para nós, há que voltar, mesmo que para visitas mais breves. Há coisas que agradeceremos sempre, uma e outra vez, por se repetirem do mesmo modo.
~CC~

sábado, 4 de julho de 2020

Questões literárias


Ela pergunta muitas vezes pelos livros da nossa vida: os dez, os dez mais importantes!

Não sei se com os anos a minha lista seria e será sempre a mesma, há livros que eu sei que não devem constar de nenhum Top Literário mas tenho com eles uma relação especial (já vos contei anteriormente como me espanto com a lista dos mais vendidos, isso nem conta). Acho que não os devo recomendar por receio de o outro não sentir o mesmo que eu, pois a sua qualidade literária não é o motivo maior da minha escolha, mas o modo como se entrelaçaram de modo singular num momento ou mais da minha vida. Três deles: Maria Tonta como eu; Quem me dera ser onda; Baía dos Tigres. Nenhum deles muito conhecido, nenhum deles considerado obra única.

Há outros que são mesmo grandes obras literárias, praticamente obrigatórias em qualquer estante. Falo, por exemplo, dos Sinais de Fogo, do Jorge de Sena. É uma obra magistral que nunca passará de época.

E o vosso Top 3? Desenhavam-no a partir da monumentalidade e qualidade da obra? Ou do efeito que teve em vós? Ou das duas coisas?

~CC~


quinta-feira, 2 de julho de 2020

Menos muros


Fui em espírito à abertura entre fronteiras entre países vizinhos, irmãos com fronteiras não é bonito.

Às vezes sonho muito alto com um mundo sem qualquer fronteira. Menos muros.

Estou aqui hesitante entre ir a Salamanca ou a Sevilha, duas cidades espanholas que me ocupam parte do coração. Brinco, não tenho agenda nem hipótese, mas a vossa escolha, qual seria?

~CC~


terça-feira, 30 de junho de 2020

Saudades



Tenho tantas saudades destas noites assim

https://mutante.pt/2020/06/jazz-na-real-vinicola/

Que pena ser tão longe, não consigo estar em locais fechados, mas um jardim arriscaria.

Estou cansada das noites interiores.

~CC~

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Essa dupla...



Acontece-vos um azar não vir sozinho?

Não soubesse eu que os ditados populares estão tão cheios de verdade quanto de mentira e acharia que tudo se justificaria por tal. Nunca fui uma adepta da palavra Domingo, se calhar foi apenas isso.

E a sorte, essa virá sozinha? E o que será? Apenas o número do euromilhões? Creio que não, para mim chegaria a luz do carro com sinal de avaria apagar-se, assim do nada como chegou. Chegaria encontrar o par de um brinco. 

Chegaria tudo correr bem com ela hoje, exame presencial depois de um mês inteiro de estudo. Mas a acontecer já não será apenas sorte, é resultado do esforço, do empenho, da persistência. 

Não posso, contudo, desdenhar completamente a sorte, apenas não sei defini-la bem, nem ao azar. O fortuito existe, o que não controlamos inteiramente, o que não sabemos como acontece, porque acontece. E a um sinal menos, até é possível juntar um sinal mais. Por exemplo, ela caiu este fim de semana e eu tinha saído por breves momentos, um susto imenso, quedas aos 92 podem ser graves. Um azar. Mas conseguiu manter-se lúcida, telefonar-me, ficar consciente, ainda limpar o sangue que saía da ferida. Consegui ter sangue frio, fazer o que era preciso, não costumo ser muito boa nestas coisas, mas tudo se aprende. Parte foi sorte. 

Coisas tontas, já agora espero ter sorte hoje.

~CC~




sábado, 27 de junho de 2020

Sábado



Chegar e sair muito cedo, antes da invasão. Já era assim antes do vírus, mais será agora.

Uma caminhada na maré vazia e dois banhos de mar, mesmo em água fria. 

E o meu corpo reage enviando ao meu cérebro um sopro, vem aí vida, é boa a vida.

Fazer do pouco muito é um dos meus únicos segredos. Por isso nunca invejei carros, casas, barcos, aviões, em suma o terreno da fortuna em que o muito parece ou pode ser mesmo pouco.

~CC~



quarta-feira, 24 de junho de 2020

Meu querido mês de junho



Perco junho sentada 10 horas por dia num escritório emprestado, agora que a casa se tornou excessivamente quente. Mas terei que lá voltar e ainda trabalhar lá.

Perco junho, esse mês que costumo amar pelas praias quase vazias, o sabor das cerejas e os enormes fins de tarde que entram com luz pela noite dentro.


Perdi sempre junho por ser desde sempre um dos meses mais intensos de trabalho, mas este ano dói-me mais este fechamento, por vir na sequência do que vem. A exaustão espalha-se pelo corpo como se fosse o próprio vírus.


~CC~

sábado, 20 de junho de 2020

Beijos


O Sul é um beijo branco de sol e sal.

O Norte é um beijo verde, com vento fresco e sabor a água doce.

~CC~


(Juro que isto não é uma nova versão do "tenho dois amores")


quinta-feira, 18 de junho de 2020

Mais uma ruga



Lentamente vamos observando os traços da velhice a chegar. Antes preocupava-me se gostavam de mim, isso era um ingrediente chave do meu desempenho profissional e da relação pedagógica com os estudantes, esse desejo de reconhecimento das minhas qualidades profissionais.

Agora preocupo-me se gosto deles, se os reconheço na sua integridade e humanidade, se sinto que vale a pena a luta. Fico derrotada e infeliz se tal não acontece. 

Ontem ganhei aqui mais uma ruga, uma espécie de cicatriz de valor e se ninguém a vir como tal, pouco importa.

~CC~

terça-feira, 16 de junho de 2020

Porque escrevemos em blogues?



Diria que ele está certo.

Mas acrescentaria: para nos encontrarmos connosco próprios.

E precisamos dos outros para isso? Sim, precisamos. O espelho só nos devolve a nossa própria imagem.


~CC~




PS. Caríssimo, saberá você, mais especialista que eu, se o plural de blog é blogs ou antes blogues, nas minhas pesquisas ambas estão certas, mas eu prefiro a palavra mais composta.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Aceito um



Aceito um com notas de chá.

Gosto de erva príncipe, rooibos, hibisco, perpétua roxa, roseira brava...ou só mesmo uma casquinha de limão.

Que falta me (nos) fez.

~CC~

domingo, 14 de junho de 2020

Preciso de ter asas



Fui ver as tuas praias do Tejo. Aquelas em que tomavas banho no intervalo do almoço com um bando de miúdos, à pressa, antes que as mães ralhassem ou a régua da professora se materializasse nas tuas mãos.

As praias de rio não atravessaram a minha infância, nem os rios.

A primeira vez que entrei num rio a sensação de estranheza e desconforto foi grande, não via o fundo e os pés batiam num chão meio mole, onde se enterravam ligeiramente. Não podia acreditar que tomavam banho entre gafanhotos, embora lhe chamassem alfaiates e assegurassem que eram inofensivos.

Aprendi a gostar dos açudes, da água fria e escura, das folhinhas caídas na água, a ignorar os bichos, a perder o medo. Não havia opção, animar as férias dos miúdos incluía levar um grupo de dez ao rio, foi um dos meus trabalhos de juventude. Foi só aí que percebi o que era uma aldeia, um baile de bombeiros, um parque de merendas, o valor de um largo de igreja e de uma capela de milagres.

Mas ainda me lembro já adulta de me espantar com os piqueniques, a algazarra, a imensidão das famílias, a panóplia dos brinquedos, o volume da música. Era um Portugal rural que (ainda) desconhecia.

Mas as praias de rio nunca serão verdadeiramente as minhas praias. Preciso de sentir o sal na pele. Mas vou cada vez menos e este ano esta ameaça das praias hipervigiadas, guardadas, com sinais e bandeiras está a afastar-me ainda mais. Não gosto de barreiras, de prisões, de vigilância, de ordens. É um nó no peito que cresce, ando a ver se não me sufoca. Preciso de ter asas.

~CC~



terça-feira, 9 de junho de 2020

A felicidade


Sem dúvida, uma bela pergunta. O que é a felicidade?

Definições levam-nos a sinónimos e sinónimos não nos levam a lado algum. Se fosse por aí, ficaria aqui a alinhar palavras como bem estar, alegria, prazer, e outras tantas, todas encarreiradas e nenhuma tão bonita.

Poderia também falar-te de momentos em que a certeza da felicidade se instalou. Não te posso falar do primeiro beijo mas sim do primeiro beijo de um grande amor, um amor que me acompanhou durante toda a juventude, que perdi na entrada da idade adulta. O primeiro beijo ao raiar da noite, numa paragem de autocarro, à entrada do Outono. Poderia falar-te daquele momento em que vi a minha filha pela primeira vez, do sentimento intenso de prisão doce que a vida inaugurou ali.  Poderia falar-te da primeira vez, já bem entrada na idade adulta, em que dancei nos santos populares. Poderia falar-te das vezes em que houve sexo com prazer, desse bem estar que se segue. Poderia falar-te das pequenas mangas da cidade do cabo e da estrela do mar que me visitou no Oceano Índico. Poderia falar-te daquele momento em que acordei viva depois de uma cirurgia complicada de dez horas.  Do primeiro banho depois dessa cirurgia, muitos dias depois. Poderia falar-te do dia de hoje, das miúdas que elogiaram a forma como consegui trabalhar com elas neste semestre tão atípico, curiosamente a disciplina que me parecia a mais surreal e quase impossível de trabalhar em ensino à distância.

Mas prefiro dizer-te que o que ela é em si mesmo, é uma utopia e que só existe como tal, como desejo puro, um desejo que nunca nos larga e por isso nunca se sacia mesmo quando saciado.

~CC~


Nota: O António fez o desafio e eu respondi, mais alguém aí se atreve?

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Volte a um lugar onde foi feliz


Há dias, minha amiga, passei num dos seus lugares.

Acho que devemos voltar aos lugares onde fomos felizes, pois podemos sê-lo uma e outra e outra vez. Se calhar seremos outros, os lugares serão outros e a felicidade não será portanto igual. Ainda assim, poderá ser outra felicidade.

~CC~


domingo, 7 de junho de 2020

Sem voz



A miúda contava que quando eram simples adolescentes, ainda menores e saiam os 3 amigos, ela, um rapaz branco e um rapaz negro e a polícia os mandava parar, era sempre o miúdo negro que era revistado. Saído do bairro negro da cidade para integrar um liceu de miúdos brancos, era uma espécie de corpo estranho que a escola não absorvia.

Para mim começou logo no 9º ano quando a directora de turma me disse que ela andava com más companhias: era o tal miúdo negro. O que lhe conheci como pecado mais grave foi um canivete maior do que era suposto. Por ele foi condenado a quase um ano de trabalho comunitário. Ainda hoje são amigos.

Racismo há, sem dúvida, infiltrado em todos nós, não é um mal do outro, mas alguns legitimam-no e dão-lhe livre curso, embalados pelas vozes de uma nova direita disposta a tudo.

Mas os mais discriminados no mundo são os pobres, os pobres de qualquer cor de pele. São sem voz.

~CC~

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Se o céu não estivesse azul...



Hoje os meus olhos encheram-se de lágrimas pela primeira vez desde que tudo isto começou. Foi  um momento breve, só tive que tirar os óculos e desligar um pouco a câmara. Muitas emoções neste final tão atribulado de ano lectivo, um final que nem tem fim à vista.

Já ontem as coisas tinham sido difíceis, uma das estudantes que mais prezo chorou e disse coisas detestáveis numa tutoria em grupo, o que me custou foi que foram sobretudo acusações aos colegas, ainda mais do que aos professores. Imaginem vocês que a Ana Gomes de repente começa a falar como o André Ventura. Eu bem tentava desmontar-lhe o discurso mas acho que não me ouvia, só se ouvia a ela própria.

Já a outros só me apetece tirar-lhes o chapéu, como é possível contornar os obstáculos de forma tão diferente, e isto é válido para docentes e para estudantes. Aquela miúda valente que sabendo que não podia voltar ao hospital ficou ligada a um adolescente internado na pediatria que não sabe ler nem escrever e apoiou-o durante todo este tempo. As que se fotografaram em mil poses com livros e criaram um instagram de promoção da leitura e da escrita. Os que telefonam para casa dos idosos para os ouvir contar histórias. A que criou uma visita virtual para um museu que não a tinha. Não esquecerei. É bonito. Mas nem sempre é bonito, às vezes dói e é feio.

Quando as emoções se tornam chumbo e a casa parece desabar sobre mim, saio. 

E às vezes, como hoje, encontro a esperança ao virar da esquina. Eram duas miúdas e um miúdo de 13 ou 14 anos, máscaras colocadas e uma bola que iam passando uns aos outros, entre sorrisos. Irão procurar um jardim, uma sombra, continuarão a jogar à bola, talvez tirem por um bocadinho as máscaras, mas com o cuidado que as traziam não irão facilitar. Que bonitos. Se o céu não estivesse azul de certeza que teria ficado assim para contornar as suas silhuetas.

~CC~





quinta-feira, 4 de junho de 2020

Por haver



Chegámos vivos a Junho.

Podemos saborear cerejas. Eram lindas as que trouxeste, polpa nem demasiado doce, nem demasiado mole, exactamente como gosto delas.

Às vezes fico subitamente feliz. Por haver cerejas. Pela vossa companhia.

~CC~

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Duvida metódica



Quais são mais importante(s), a(s) pessoas que escolhemos para o confinamento ou as que escolhemos para o desconfinamento?

Ou será que umas e outras terão que ter características diferentes?

Isto se as pudermos escolher, há simplesmente quem não tenha tido escolha.

~CC~


domingo, 31 de maio de 2020

Será o amor?



Num lugar belo, costumo perguntar-me o que terá sentido o primeiro que o descobriu. Antes das casas, das pessoas e de todos pasmarmos, de enchermos os olhos com a beleza.

Tento situar-me nesse primeiro deslumbramento. Isso ajuda-me a encantar-me de novo mesmo quando já fui a esse lugar muitas vezes e o conheço bem. Gosto tanto de voltar aos lugares belos onde a meu modo fui sempre feliz. Pergunto-me se será isso o amor.

~CC~

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Marcas



Da última vez que tirei o passaporte, os indicadores já tinham deixado de marcar a sua impressão digital, não houve meio nem máquina capaz. Lá ficaram os polegares. Agora, depois de tanto álcool gel, suponho que já nenhum dedo servirá. Parece-me um gesto cada vez mais absurdo e, no entanto ,repito-o como se já o tivesse mecanizado para sempre. 

E quando vejo alguém já não me ocorre logo um abraço ou um beijo, fico parada, meio inerte, sem saber o que fazer, não me apetece dar-lhe um cotovelo. 

De resto, sempre que posso, absorvo o sol numa esplanada, acompanhado de um abatanado. O medo abandonou-me, julgo que por cansaço, não se aguenta viver com ele por muito tempo. Mas sobraram outras coisas às quais procuro dar nome.

~CC~

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Respirar


Debates e mais debates sobre o Ensino à Distância, agora rebaptizado ou rebaixado a Ensino Remoto de Emergência

Parece que os especialistas não gostaram de ver o seu objecto de estudo e de trabalho assim acessível ao povo em geral, afinal mais fácil do que parecia, pelo que se propõem a convencer-nos que não fizemos grande coisa. Já os saudosos do ensino presencial, que antes não se importavam de o considerar defunto, dizem agora que só através dele é possível criar afectos. Tantos disparates juntos. Entretenho-me a infernizá-los, quando eles dizem O nosso ensino é prático, necessitamos do presencial, eu digo mas presencial não é necessariamente prático. Quando eles dizem o EaD só funciona para ensino téorico, eu pergunto mas não é possível ensino prático não presencial

Raramente, muito raramente não me sinto como um peixinho fora de água em muitos e muitos fóruns de debate de presença obrigatória. Saio de lá e mergulho na minha pocinha de água, para respirar. 

Eu e os meus estudantes estamos bem, obrigada. Sabemos que não foi uma escolha mas uma solução, e vivemos bem com isso. Acenamos, sorrimos, cuidamos, e como docente continuo a corrigir, a pedir para melhorar e a exigir. A sério, não é muito complicado, não há heróis, nem vítimas.

~CC~

domingo, 24 de maio de 2020

Incertos dias



Trouxe uma mala cheia de roupa completamente desadequada, que saudades dos meus vestidos.

As botas ali à porta parecem um nado morto, saído de uma outra época, são a imagem do tempo difícil do confinamento, dos dias de chuva na aldeia. Cheguei aqui com o horizonte da temperatura máxima de 22 graus e de noites frias, à volta dos 15 graus.

Ontem, 30 graus às 22h, a boca seca como nos dias sufocantes de alguns Agostos. Uma noite em que sente a testa molhada.

Sinto amiúde que não tenho tempo para habituar-me, tanto impera o medo, como a falta dele, tanto chove granizo, como sufocamos com o calor. Preparo-me para uma coisa mas quando chego lá, essa coisa já não é o que parece, é já outra. A imprevisibilidade talvez seja afinal o que veio mesmo para ficar, este não saber como será a vida, a incerteza a infiltrar-se nas coisas. E quanto mais assim é, mais nos pedem planos e planos, como se as instituições estivessem presas dessa angústia do que não dominam. Mas talvez a aprendizagem tenha que ser outra.

~CC~

sábado, 23 de maio de 2020

O primeiro banho de mar



O primeiro banho de mar de cada ano é todos os anos um dia feliz.

Mas este que parecia longínquo, praticamente impossível, parte de um sonho daqueles dias de fechamento, assemelhou-se aquele sentimento que o homem deve ter tido quando pisou a lua, a de uma verdade que parece irreal.

E nem a água fria, nem as algas vermelhas, nem o tamanho das ondas, nem os vizinhos ali a dois metros impediram o corpo, pedia sal.

Crianças, muitas crianças. Oxalá os arcos-irís que pintaram possam proteger-nos. Oxalá saibamos.

~CC~

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Dias curtos



À medida que os dias se foram tornando maiores, os meus dias ficaram mais e mais pequenos. 

À medida que o desconfinamento ia aumentando, o meu confinamento ia aumentando também. Desta vez voluntário, auto imposto e despido do receio de contágio. 

Afinal a recta final do ano lectivo continua a ser igual: um sufoco. Com a ideia ainda mais assustadora de que esta recta final vai ser mais longa, assemelhando-se mais a uma corrida de resistência do que a uma corrida de velocidade.

Ainda assim salva por um café na esplanada, uma breve visão do mar, o mimo de uma criança, a concretização de um abraço.

~CC~

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Duelo



Sempre foi o meu lado cigarra que me aproximou do sul.

Os cafés abertos, as esplanadas ao dispor (com algum cuidado é certo) as velhotas a caminhar com vestidos brancos e as costas muito bronzeadas, este sol pendurado no céu como se todos os dias ficassem claros a partir de agora, claros e felizes.

É o branco, é a cal, é a proximidade a que está o mar.

É este amanhã que é já hoje e por isso é preciso viver.

É ela com a saia comprida, os lábios pintados e os óculos de sol estilosos, ela aos 92, pronta para sair de casa mesmo que o trajecto seja apenas de uma casa a outra.

Difícil é que a formiga está aqui ao lado, como uma sombra, pronta a arreganhar os dentes se a cigarra abusar.

~CC~