quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Venha de mansinho para me encontrar

 

Já desejei tanto e tantas coisas.

Já formulei tantos ensaios de superação de evidentes fragilidades que o espelho me traz.

Já me fiz e desfiz em desafios, esperando tanto de cada ano estreado no calendário.

Talvez por isso este ano me ocorra uma palavra pequena, só de três letras, duas consoantes e uma vogal. Infiltrada em mim e nos interstícios do mundo.

Pensem no que sentem quando se poem a olhar a noite em campo aberto, é Verão, a luz chega das estrelas e ocasionalmente dos pirilampos e o silêncio é apenas cortado por vozes sussurrantes que amam o momento tanto quanto vós.

Venha então esse ano novo, venha de mansinho para me encontrar.

~CC~

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Um pé na tristeza, outro na alegria

 

O título resume o que sinto no Natal, esta canção também. 




Boas festas a quem passar aqui na rua.

~CC~



terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Investigação

 

Esta noite sonhei que fazia um estudo sobre Carbono Desmaterializado.

Ora nem sei o que é, nem tão pouco se existe.

E ainda estou a tentar encontrar uma ligação qualquer a pessoas, o único objecto de estudo que alguma vez me interessou.

~CC~ 

domingo, 18 de dezembro de 2022

Apanhada ali na curva

 

Fui desgostando de almoços e festejos natalícios com amigos, colegas e estudantes. Restaurantes cheios, troca de prendas sem muito sentido, demasiado álcool, pouca ou nenhuma relação com algo que se possa aproximar do significado da quadra. Desisti, reservo-me para uma festa apenas, a da família, isso enquanto a minha mãe for viva e a minha filha puder estar comigo, a ausência de uma dessas variáveis rapidamente me tornará um pássaro.

Mas fui apanhada de surpresa por uma turma de gente grande. Talvez por se encontrarem aqui já adultos, cada um vindo do seu canto, muito diversos, tenho feito com eles uma caminhada que tem tido momentos difíceis (são aulas tardias que entram pelo fim de semana e incluem sábados inteiros) mas também bonitos, às vezes quase mágicos. Por isso fui apanhada pela festa de Natal deles, convidada de um dia para o outro, não houve como fugir pois o almoço de sábado, é mesmo ali, somos só nós na escola vazia. Na troca de prendas recebi em letras recortadas a madeira, em tamanho bem pequenino, como se fosse um segredo, a palavra felicidade. Emocionei-me.

~CC~

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O melhor brinde

 

Ontem, no café, dois homens, idade provável entre os 60 e os 70, brindavam, às 17h, com duas minis:

            - Que para o próximo ano as nossas mulheres não fiquem viúvas!


~CC~



terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Carta ao Pai Natal (perdão, é ao sol).

 

Querido Sol, estás perdoado do teu exagero, dos dias que ficaste por mais tempo do que o esperado, das ribeiras que secaste, do medo que ateaste, da sede que nos provocaste. 

Tenho saudades tuas, sobretudo de quando chegas em pleno Inverno, mesmo quando trazes frio. É a tua luz e o azul que deixas no céu, és o meu querido antidepressivo, vá lá, volta e fica por uns dias. Tens que entender que é o teu luzir que faz ruir o meu cansaço, bebo-te e ganha folgo, vida. 

Va lá, é Natal, não custa nada apanhares aí uma boleia com esse velhote do barrete vermelho.

~CC~


domingo, 11 de dezembro de 2022

Descobertas de uma noite de vendaval


 Foi dentro do filme Corsage, no meu querido cinema de sempre, que a descobri.

Go Go Go away

~CC~

Dias tão grandes e com tanta noite

 

Pediram a definição, faltava-lhes.

Disse-lhes que não a tinha, haveria por certo não uma, mas várias. Podia dar-lhes livros, recomendar-lhes textos, consulta de dicionários. Mas sobretudo tínhamos dado um roteiro, pistas concretas para poderem ser eles a criar uma, a encontrar a sua.

Mas ela tinha pressa de dizer que tinha uma definição, teve de a dizer e de atribuir um autor. É boa, disse-lhe, não está certa, nem errada, é um bom raciocínio. 

Depois ela disse que devia ter sido assim o início, depois de definirmos é que podemos fazer o percurso. E eu respondi que se calhar seria melhor o fazermos à chegada, no caminho é que vamos procurando.

Por ora, ainda sinto o desafio, enquanto assim for, vou caminhando. Mas há também um grande cansaço infiltrado em todos os poros da minha pele. Os dias de trabalho são muito, muito grandes e invadem os fins de semana. E há pouca luz, são longas as noites. Depois há rasgos luminosos e bebo-os para me alimentar. Ontem chegaram sob a forma de peixes pássaros e de pássaros peixes ou talvez peixes voadores.

~CC~



quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Matinal

 

O mundo parece-me absurdamente caótico. O desmantelamento de um grupo que ia fazer um Golpe de Estado na Alemanha parece decalcado de um filme de três estrelinhas mas afinal é a sério e a sério é assustador.

Enfio-me assim no conforto de umas papas de aveia e um café aveludado, saboreando cada minuto de felicidade que tal me proporciona. Tenho em mim que é preciso a dose mínima de felicidade para enfrentar tanta agrura e infelicidade. Afinal o pequeno almoço pode ser a ração de combate, e o combate pode ser apenas não deixar que esta negrura alastre, perdure e tudo invada. 


~CC~

sábado, 3 de dezembro de 2022

Como eu queria gostar...

 

Há por aí alguém que me ensine a gostar do Inverno?!

O que vos encanta?!

Tenho os pés gelados.

~CC~

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Dos meus dias

 

Havia um buraco enorme na parede de um prédio onde vivia alguém. Havia tráfico de droga a céu aberto. Havia muito lixo na rua.  As mães vinham de robe e pantufas trazer as crianças pequeninas. Os jovens vinham de capuzes postos na cabeça, só tirados à porta da escola. E no entanto uma pequena luta em todos. Para uns vencer a vontade de não ir à escola, vencer a descrença na vida e na sociedade em geral, vencer aquela condição de nascer já dentro do gueto. Para outros fazer acreditar, ensinar mais do que tudo alguma esperança, uma missão também dura, um caminho a encontrar.

Há muito que não mergulhava num sítio tão escuro, ainda por cima o frio chegou.

Contudo, vou guardar pequenos apontamentos solarengos, nomeadamente aquela árvore dos sonhos.

~CC~



domingo, 27 de novembro de 2022

Rochas

 

Lavei os olhos, cheios de cansaço, na serra e na água límpida do mar.

Ao meu lado o teu sorriso, esse beijo leve, que bom é termos feito a transição para esta amizade, não sem dor, não sem passado com tudo o que teve lá dentro de bom e mau. Havemos de conseguir.

As nossas pessoas, essas rochas em que nos abrigamos.

~CC~

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Só isto

 

Enrolo-me neste silêncio húmido, sabe-me tão bem ser um animal com concha. São demasiados os momentos em que tenho que viver sem ela, tão despida e com tanto vento.

~CC~

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Ontem, hoje e amanhã

 

É tão estranho ver as mesmas reivindicações sobre o ambiente em que eu militava quando eu era jovem, as mesmas palavras de ordem, a mesma indignação. Pouco mudou realmente. A única coisa distinta é que hoje há separação de lixos, mesmo assim pouco sabemos sobre a eficácia da medida em termos de protecção e defesa do ambiente. Também inventaram mais energias renováveis, mas estas são rapidamente denegredidas antes de ser afirmarem como alternativa coerente e consistente ou são inacessíveis ao ordenado do cidadão médio. São obscuros os meandros da ciência e das soluções. 

Entre o vulgar cidadão e os grandes grupos que lucram com a economia do petróleo há um traço comum. Eles acreditam que não vão voltar a este planeta, por isso o que lhes interessa é viver o presente, no caso dos primeiros com o máximo conforto, no caso dos segundos com o lucro máximo . As pessoas não se importam com o futuro porque o futuro é uma coisa longícua, para gerações que não conhecerão. O futuro que se desenrasque a si próprio. Para eles a crise climática é sempre para um tempo algures ou uma invenção de almas pessimistas. Recusam-se a ver os fenómenos que já estão a acontecer como provocados pela mão humana sobre o ecossistema terrestre. Talvez se os convencêssemos que afinal há mesmo reencarnação e voltarão para viver num sitio maldito, escuro, feio, sem água, onde o dinheiro de nada valerá. Eu que sempre achei que a vida acaba com a morte do corpo, dou por mim a pensar em pedagogias estranhas pró ambiente como convencer as pessoas que  não há vida para além da morte e, se houver, é para voltarem aqui e passarem as passas do Algarve, que também elas habitarão esse futuro negro já que com os seus netos pouco parecem importar-se.

Já agora, tantos anos depois, como é que um director de uma faculdade chama a polícia? 

~CC~



sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Espantos

 

Desde a adolescência que não voava assim...em sonhos, claro.

Acordei a meio da noite espantada com a sensação, aquela vertigem de ver tudo lá do alto e planar. Mas também me adverti quanto a este regresso aos meus 14 anos. Resultado: continuei a sonhar o resto da noite que voava...mas de avião. Ainda dizem que o super-ego é só uma invenção do Freud.

~CC~


sábado, 5 de novembro de 2022

Cabo Verde no mapa do mundo

 

As lágrimas ocorreram em determinados momentos do documentário. Cesária Évora, tudo a fadava à miséria, nada a estrela da música mundial, coisa que alcançou já depois dos 50 anos e após 11 sem sair de casa, fechada no seu mundo, na sua cabeça. Uma mulher que não suportava sapatos por ter os pés cheios de cravos desde pequena (não, não era uma questão de estilo). Uma voz que vem da terra e é o mar inteiro.

O seu Mindelo pequenino do tamanho do mundo inteiro, Cabo Verde finalmente um país que deixou de ser mudo e invisível.

Obrigada Cesária, por no teu regresso à terra, estar à tua espera uma cachupa e não qualquer outra coisa trazida da cozinha francesa, lugar primordial que te deu guarida (nem disso nos podemos nós gabar).

~CC~

domingo, 30 de outubro de 2022

Casa

 

As minhas memórias da escola são muito raras, às vezes penso que só iniciei a escolaridade no Ensino Secundário, pois desse período as lembranças são vivas e intensas. 

Não recordo aulas, professores ou matérias. Não me lembro de nada do que aprendi. Tenho a ideia de que escrevia num diário. Tenho a ideia vaga de que uma vez a professora de Português me deu os parabéns por um texto e o li em aula. 

Dos pré fabricados em que estudei do 7º ao 9º ano lembro, porém, um dia de chuva. Eu e a minha amiga, direi mesmo grande amiga, decidimos que a deixaríamos cair sobre nós numa dança irreverente. Dançamos assim patinhando nas poças do pátio e abrindo os braços, rindo. Eu acho que também chorei. Os colegas chamavam-nos loucas, os professores pouco se importavam, à excepção de uma professora que nos chamava para dentro. Acho mesmo que foi depois desse dia de água a cair e a sair por todos os poros que voltei a ter memória. Foi o meu primeiro corte com a mágoa, a tristeza profunda em que sozinha vagueava. Talvez tenha aprendido a dizer casa e tenha sido esse o milagre.

~CC~


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

À tona e à toa

 

Esta sala de yoga é pequena, bem cheirosa, completamente feminina.

Oiço a professora falar sobre as deusas, os equinócios, o valor da saudação ao sol e à lua, o modo como ela põe um acento vagoroso e emocionado em cada coisa que invoca. E tenho vergonha da minha infinita descrença, de estar ali tão só e apenas para sentir partes do meu corpo que já me esqueci que existiam. Por isso sou apenas uma aluna medíocre, ontem mesmo, incapaz de me concentrar como devia, troquei várias vezes a direita e a esquerda, virando ao contrário do que toda a gente virava. Apeteceu-me, pela primeira vez, desistir. Contudo, não o farei. Incapaz de ir ao fundo de um fundo de que não conheço, tentarei nadar à tona, respirando e sobrevivendo.

~CC~


domingo, 23 de outubro de 2022

Palavricas

 


Gosto desta flor, em particular desta canção. Um pescador capaz de pescar as nossas dores com palavricas de amor, que bonito Edith.

Ideal para um domingo em que o sol espreitou um bocadinho.

~CC~

sábado, 22 de outubro de 2022

À escuta

 

É talvez das minhas melhores estudantes. Gosto genuinamente da sua honestidade.

Vejo-a do outro lado do écran mais de uma hora, pediu-me para a ouvir. Limpa frequentemente as lágrimas enquanto fala. Sinto a cada momento que era preciso desfazer um por um todos os mitos que a fazem sofrer. A pressão tremenda do sucesso escolar, a lógica do trabalho ter que inspirar felicidade, essa ideia de realização profissional com a qual todos crescemos, a trágica fantasia de que queremos de alguma forma marcar o mundo e não nos diluirmos na massa anónima (algures, por ali o célebre empreendedorismo), tudo acompanhado por não conseguir escolher, por não saber o caminho. Tudo o que eu digo tem os anos e anos que ela não tem, por isso temos dificuldade em compreender-nos. Repetidamente lhe digo que só tem 23 anos e o mundo ainda terá múltiplos caminhos, múltiplas escolhas e raramente poderá saber se fez a certa, mais vale aprender a gostar da que fez. Digo-lhe que é bom gostar de tantas coisas, poder simplesmente ter caminhos, há quem não veja nenhum. Tento sobretudo diminuir-lhe o sofrimento.

Como terminamos sem que lhe veja aparecer um sorriso e me sinto extremamente cansada por ter tido uma jornada longa, eu própria duvido que tenha tido algo êxito. Ainda assim, sinto o conforto da sopa quente e de ter tentado. Afinal talvez seja isso que me diferencie dela, chega-me perfeitamente o consolo das coisas pequenas que os dias me trazem. Já não sofro por ser apenas alguém na massa anónima, aceito-o e tento ver nos meus semelhantes, sobretudo nos mais simples, nos mais desprotegidos, a grande companhia de quem com eles atravessa a jornada. E é nesse laço que encontro grandeza.

~CC~




quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Cinzento-amarelo

 

Tento habituar o corpo à humidade, dizendo-lhe para não se manifestar assim com dor, a água é um bem precioso. Falo com ele para lhe dizer que não tarda volta o sol e como choveu poderemos depois beber dele sem remorso. Estes diálogos entre o cinzento necessário e o amarelo amado não são fáceis.

~CC~


sábado, 15 de outubro de 2022

Aproveitá-lo

 

Entrei na papelaria do bairro e o senhor conversava com a senhora que estava antes de mim. Perguntava-lhe se já tinha ido ao cabeleireiro agora renovado, e ela que sim, que os clientes sempre esperam e voltam. É uma questão de apoio, disse ela. A seguir entrou alguém com voz forte: preciso de moedas! Rimos todos, e eu comentei-lhe a voz, recomendando-lhe um coro. Também rimos, e o senhor da papelaria disse: tem que ir lá à frutaria deste senhor, não há melhor. Agora rimos eu e o senhor da frutaria pois sou há muito cliente. Apareceu a mulher do senhor da papelaria e pediu-lhe que lhe guardasse um bom melão pele de sapo. Passe lá antes da uma, respondeu ele. Talvez consiga lá passar também, disse eu. E ali ficámos a conversar sobre fruta entre jornais e raspadinhas.

Talvez esta seja a única coisa que agradeço à pandemia, mostrou-me que morava num bairro e devia aproveitá-lo.

~CC~

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Sim, o que queriam?

 

A determinada altura o moderador, depois de ter interrogado brilhantemente os autores sobre como convivem com um poder inútil (a poesia) e ter lido um poema de cada um dos presentes, desfez-se do seu tom (mais) intelectual e colocou-lhes as perguntas que as filhas lá em casa gostam de fazer à hora do jantar. O que salvavas de uma casa em chamas? Se tivesses um superpoder, qual escolhias? Também gosto de me divertir com essas coisas.

E então, qual seria o vosso superpoder?

É que ele fez batota e disse que seria a liberdade, a mais humana das construções.

Ora, superpoder é algo inatingível que o ser humano não consegue por si próprio obter. Sim, sim, o que queriam?

~CC~

domingo, 9 de outubro de 2022

Vertigem e pausa

 

As horas fogem e fogem e não consigo agarrá-las para lhes encaixar tudo o que preciso. 

Ainda assim, houve lugar a encontros comovidos com pessoas, cidades e aldeias. Nessas alturas esqueço-me, deixo-me ficar, respiro. É o coração que bate em cada pausa.




~CC~

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Rapar o cabelo

 

Por já ter rapado o cabelo e ter sentido a violência de (ter de) o fazer, imagino a dor misturada com revolta dessas mulheres que com as suas próprias tesouras cortam pedaço a pedaço o cabelo que não estão autorizadas a mostrar ao mundo. Que coragem a delas. 

Ainda nos querem convencer que aqueles panos que as cobrem são uma opção, que é (a) cultura. Se é cultura, cada um deveria poder optar por usar ou não usar. Um véu mal posto como passaporte para a morte em pleno século XXI, que arrepio frio me percorre a espinha.

~CC~

terça-feira, 27 de setembro de 2022

De mãos dadas

 

Caminhavam à minha frente calados, lado a lado. Poderiam ser imãos, amigos, namorados.

Ao final da subida, ele estendeu-lhe a mão, ela agarrou-a docemente e encostou a cabeça dela à dele, dando-lhe um toque. Foi bonito.

Não se vê muitos jovens de mãos dadas, na minha geração era tão comum.

~CC~

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Quem sou...

Hesitei nas portas, como não...

Uma infância de menina calada, em diálogo com os bichos, as histórias, observando mais do que vivendo. Mais silêncio no meio do caos, um pouco mais tarde. E mais ainda por dentro da adolescência, ainda que com momentos sonoros, estridentes, mais indo na onda do que a provocando. Mais tarde, a aprendizagem da fala, do seu valor, do seu poder, ainda assim comedidamente. Mais à vontade na poética escondida ou na palavra no campo da ciência, laivos de brilho às vezes.

Por isso a hesitação nas portas. Numa dizia "Blá", na outra "Blá, blá, blá, blá, blá..." . Demorei a chegar lá e mais ainda a entrar. Não me reconhecia naquela porta, nem a mim, nem a tantas mulheres. Talvez alguns homens também não se reconhecessem naquela porta, supostamente sua.

Apeteceu-me pintá-las, grafitá-las, dizer que não sou, não somos, algumas de nós não são, logo não somos todas.

E no entanto mulher, sempre, com gosto, em (re)nascimento.

~CC~



sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Memória amarelada de um estremecer

 

Ocorreu-me pensar num beijo naquela fase de meditação da aula de yoga, um pensamento intrometido naquele azul que ela nos pede para inspirar e fazer durar toda a semana.

Curioso é que era um beijo abstracto, uma sensação sem pessoa lá dentro, uma experiência de memória estranha, na tentativa de saber se ainda gostaria. Por vezes tentava encaixar uma pessoa do passado lá dentro, a ver se funcionava melhor, mas a pessoa fugia ou tornava-se numa outra, não conseguia fixá-la. Experimentei então com pessoas que não tivesse realmente beijado mas tornava-se ainda mais ridículo, a sensação não aparecia.

Ficou a memória já amarelada de um estremecer. Que me desculpe a professora de yoga, sei que não é suposto.

~CC~

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Mais quietos

 

Adoecem as pessoas, mistura de corpo e alma feridos. 

Muitas vezes aquilo que deveria ser a fonte do seu bem estar, o seu trabalho, é afinal a fonte da sua dor, mal estar e insegurança. São inúmeros casos e não quero dar-lhe nomes finos e importados, teremos as nossas próprias palavras para designar a humilhação a que muitos são sujeitos, fazendo-os crer que valem pouco, quer seja no início, quer seja no final de anos de profissão. Sempre a tentar que as pessoas se sintam umas sortudas apenas por terem trabalho. E nem falo das nossas baixas renumerações, o meu olhar incide sobre o que é feito para incluir a pessoa, apoiá-la e fazê-la sentir bem no seu local de trabalho, aquele onde se passa mais de metade da vida.

Vejo por isso com grande satisfação este movimento que avança como uma espécie de revolta silenciosa contra o "vestir a camisola" que imperou durante décadas. Afinal quem vestia a nossa camisola? Quem se punha no lugar do trabalhador, agora designado como colaborador pelas teorias da gestão soft. Quiet Quitting foi traduzido por "demissão silenciosa", parece-me má tradução, mas percebo a ideia. Sofri desse mal estar de estar disponível quase 24 horas por dia e só muito recentemente aprendi a não ver mails de trabalho à noite. Vejo muitos outros, cuja recompensa foi nula. Aposto assim que as novas gerações vão estabelecer os limites que a minha não conseguiu colocar. E ainda me sinto a tempo de aprender alguma coisa.

~CC~



segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A viagem


Julgamos que já conhecemos mas na realidade não. Ouvimos falar, disseram-nos umas quantas coisas, uns sítios para ver, umas trivialidades sobre aquele povo. Nem tudo é mentira mas certamente muito não é verdade. Os guias e os roteiros de viagem têm coisas úteis, mas tanto de inútil. Há lugares que não podemos evitar de tanto que nos foi dito sobre eles, mas descobrimos tanto além disso quando vamos mais a fundo. Basta abrir bem os olhos, procurar ao acaso numa livraria, deambular sem saber por onde, andar nos transportes públicos, abrir bem as narinas aos cheiros, entrar nos supermercados, parar pelos cafés sem pressa de coisa alguma, provar apenas o que nos apetece e não tudo o que nos dizem. Distinguimos então com clareza o que foi feito para o turista ver, consumir e levar do que não o é. E como não somos melhores que ninguém até trazemos algumas dessas coisas, mas com a consciência plena do que é o objecto icónico, pronto a consumir. E às vezes é bom.

Contudo, há mais beleza nos girassóis que por toda a cidade nascem em canteirinhos desordenados do que nos campos penteados de tulipas. E ainda que lhe chamem girassóis de Van Gogh, a verdade é que eles os pintou em decomposição, metade deles já sem as pétalas amarelas, quase nus. São assim também as viagens dos viajantes, nem tudo nelas é belo, doem-nos os pés, lamentamos as filas do aeroporto, os alojamentos baratos, os preços das coisas, o suor e as capas feias para a chuva, estão cheias de coisas que não constam nas fotografias nem nos postais. Ainda assim, trago o coração cheio da beleza da água, dos momentos cúmplices, do riso de estar longe de tudo. Ainda assim, vamos sempre que puderes.

~CC~





segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Coração voador

 

Andar ao inverso nem que seja por breves momentos.

Ter o prazer de ir, quanto quase todos regressam. Ainda que tudo o que risca o céu e não é pássaro me cause calafrios.

Vencido o medo, o gosto que vai ser acordar numa cidade desconhecida. É o meu lado de coração voador.

~CC~

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Eis Setembro 22

 

Chegou Setembro.

Eu mais adiante, também chegarei com ele, como aliás parte significativa da família, mistérios.

Não estou preparada para nascer, mas muito menos para voltar a tudo o que existia antes das férias. Dizem que nunca estamos. Porém, cada ano é mais duro.

Salva-me a certeza que em Setembro haverá chuva, quase sempre cai no dia em que nasci. Este ano, em vez de ficar chateada, vou deixar que me molhe o rosto.

~CC~

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Despedida

 

Dela sei o que quis contar-me. As histórias mais bonitas, cruéis e estranhas do mundo rural. Uma delas escrevi-a aqui. Às vezes tinha dificuldade em perceber, não só por causa do seu falar muito próprio, uma espécie de dialecto forjado na terra, mas por acrescentar a esse linguajar os seus próprios traços pessoais. Por último, sei que já mal falava, prefiro guardá-la a contar histórias, sobretudo depois do marido falecer, até lá era ele que falava e ela quase nada dizia, muitas vezes até abanava a cabeça em sinal de desaprovação, um modo de lhe sancionar tanto paleio.

Outras coisas adivinhei-as ou foram ditas de modo velado, mas reconheci a dor da pobreza, o infortúnio de quem nunca foi suficientemente valorizado ou amado lá atrás, naqueles passados que nunca de nós se descolam inteiramente. Esses azedumes apuram-se com o final da vida, contudo, para os mais próximos, ela guardava apenas amor. Os filhos, as netas, o bisneto, podiam gerar-lhe preocupação mas nunca lhes negava o maior dos afectos, eram os melhores. Usava sempre a palavra "meu" antes do nome de cada filho, que bonito era isso.

Guardo coisas pequenas dela, sabendo bem o quanto eu não era, ainda assim, figura da mulher que ela pudesse realmente apreciar, mas, contudo, nunca me afastou. Dava-me panos da loiça bordados e chocolates no Natal, sem coragem para me incluir no universo dos pequenos envelopes com dinheiro que dava aos seus. Eu era e não era, é assim que somos de uma família quando não temos papel passado nem residência comum.

Uma vez pediu-me que lhe comprasse uns brincos porque ela usava sempre os mesmos e tinham algum valor. Em suma, queria bijuteria e não sabia comprar. Não era de grandes manifestações afectivas, mas nunca me esqueço como ficava a acenar até o carro desaparecer na estrada. Por último, adoptou um gatinho, mas ao seu modo, sem o deixar em casa e comedida nas festas. Penso onde andará o bichano agora, se alguma das suas vizinhas ficou com ele. 

Agradeço-lhe o que me trouxe de um mundo que eu desconhecia, nas antípodas de mim e do meu universo. Despeço-me com todo o carinho que ficou dos anos habitados naquele território. Hei-de fazer arroz de forno.

~CC~



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Frágil

 

Ainda se coloca a etiqueta frágil nas coisas? Tenho visto pouco. Em certos dias apetece-me colar isso em certas coisas, em última instância em mim mesma. Certos momentos são de uma consciência absoluta disso. Conto-vos.

A ilha de Faro, incorrectamente designada assim, é apenas um estreito de areia entre a ria e o mar. Quando subi a primeira vez a uma casa na qual iria ficar uns dias, tive consciência absoluta de que o mar facilmente varreria aquela faixa de areia pejada de casas de uma assentada. Depois pensei pior, se houvesse um sismo, seguido de um maremoto, tudo acabaria em poucos minutos. Pensamentos que nos estremecem e não conseguimos impedir.

Dois dias depois, à hora do jantar, todos sentados à mesa. Tremeu o armário dos copos, vi a parede estremecer e uma porta que estava aberta fechar-se, todos pensaram no vento que por aqueles dias era forte, mas eu disse imediatamente: é um sismo. Minutos depois a confirmação, tinha-se sentido em toda a zona de Faro e Quarteira. Felizmente os 4,5 da escala mantiveram-nos seguros. Mas sentiu-se bem e se não entrámos em pânico, houve algum receio. Felizmente o mar não mostrou outro perfil que não as suas ondas habituais. Mas esta praia é toda uma tragédia ambiental, as casas deviam ser retiradas, apenas devia ser possível usufruir de praia e quanto muito caravanismo e campismo, alguns bares de praia, preferencialmente de madeira. Ao contrário, prevê-se uma ponte nova, ou seja, mais carros num local em que o estacionamento já é absolutamente caótico.

Não conseguimos viver sentindo-nos sempre frágeis, a insegurança que tal nos traz tornaria a vida insuportável. Mas a alguns faria bem perceber que tudo o que têm, sobretudo essa coisa chamada bens materiais, pode ser pouco mais que nada. 

~CC~







sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Achados e perdidos

 

Encontrei metade da colecção de caixinhas num saco, não sei como estiveram lá mais de um ano sem ver a luz do dia. Deve ter sido uma fúria minimalista de limpar melhor a casa, de não ter tantos objectos, de me livrar de algum laivo de coleccionismo que pudesse denotar veia obsessivo compulsiva. Decerto uma parvoíce, as minhas caixinhas são lindas e contam histórias. Mas também é verdade que já não tenho espaço para dar continuidade à colecção, são elas e os livros que me evidenciam que moro numa casa pequena.

Encontrei também a minha antiga professora de Yoga que uns meses antes da pandemia tinha perdido, por responsabilidade minha. Fartei-me das senhas que me obrigavam a chegar meia hora antes, do som do ciclying que rivalizava com os mantras, da sala absurdamente cheia onde tínhamos que lutar para colocar o tapete. Aquela prática era um absurdo naquele espaço. Depois foi o que se soube, fecharam os ginásios e nós também nos fechámos. Disse-lhe o que pensava e para minha felicidade ela não só compreendeu, como sentia o mesmo e está agora num espaço mais pequeno, mais consonante. Marcámos reencontro em setembro.

Não sou muito de procurar coisas perdidas, acho que se partiram deve ter sido algum vento que as levou por uma razão que conheço ou desconheço. Mas estes achados souberam-me bem.

~CC~




quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Novos sabores

 

Doces. Além da pavlova?!

Tenho um calcanhar de Aquiles, chamado gelados. Logo, não perco nem um quilinho no Verão.

Hoje provei um novo sabor, designado como laranja vermelha. Achei graça à combinação das duas cores, para além de ter ficado demoradamente a imaginar o fruto. Não entrou para o TOP 3 porque é difícil destronar o pistachio, o café e o abacate. Mas conseguiria colocá-lo no TOP 6.

~CC~


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Teoria Geral da Relatividade (II)

 

As selfies que a toda a hora o presidente português tira, frequentemente em fato de banho e na praia, são a demonstração da sua simpatia, as imagens da primeira ministra finlandesa a dançar são a demonstração da sua imoralidade e, em consequência, da inépcia para o cargo.

~CC~

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Teoria Geral da Relatividade (I)

 

Uma bandeira verde na praia do Meco é igual a uma vermelha no Sotavento Algarvio.


~CC~

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Para acabar de vez com a ideia romântica de...

 

Gosto muito de férias, tanto quanto de fins de semana compridos.

Mas não tenho delas uma ideia romântica. Quando as analiso, penso que alguns dos maiores desafios e provações que passei nas relações humanas (amigos, familiares, namorados) ocorreram durante o seu curso. É quando o tempo amplia os espelhos e o nosso olhar ao demorar-se neles pode doer. E quando o olhar sobre os outros também se demora mais nas horas que antes não se tinham e os seus defeitos nos aparecem tão claros que nos perguntamos porque não nos apareciam antes.

Estas tiveram momentos desses, em que a zanga foi o mais pleno e cru dos meus sentimentos. A zanga produz em mim dois outros derivados, a vontade de agressão ou a vontade de indiferença. Perceber que nem um, nem o outro me fazem bem, exige-me um esforço de domínio, de contenção, de análise interna que me deixa igualmente exausta.  Tenho que ir ao fundo para me limpar, me lavar, me renovar. Faço-o sem recorrer a especialistas nem a remédios milagrosos, nem às terapiazinhas de bem estar que por aí proliferam, mas custa, posso dizer-vos que talvez o consiga pela minha própria formação. Não sou assim partidária daqueles que afirmam que não conseguimos advogar em causa própria, se temos as ferramentas porque não as vamos buscar? Como um pedreiro faz o seu próprio muro, também eu fui cá dentro buscar as minhas armas. E tenho claro que no dia em que não conseguir, procurarei ajuda especializada, não me deixarei ficar a morrer sufocada na minha própria dor, nem farei dos outros a minha muleta.

Isto obviamente sem renegar o papel dos amigos, que no carro, no telefone, no café, nos ouvem carpir as mágoas e nos aconselham como podem. Não é pelo que dizem que nos apoiam, mas pela forma como nos ouvem, saber ouvir é o fundamental, tanto na amizade, como no amor.

Banhos de mar e crepúsculos, danças e espectáculos, longos passeios a pé, sim, também os tive. Mas isto não é o facebook dos famosos, que me perdoe quem foge das palavras dor, ansiedade e tristeza.

~CC~





domingo, 21 de agosto de 2022

Rumo a casa

 

Um bom motivo para voltar.

Venham também!

~CC~


sábado, 20 de agosto de 2022

Na demanda do Crepúsculo

 


Nunca me canso desse espectáculo que a natureza produz de forma gratuita e disponível a todos que queiram ver e sentir. No Verão os crepúsculos são ainda mais belos. Estão a acontecer cada vez mais cedo, é preciso saber bem a hora a que a bola de fogo doce mergulhou no dia anterior para não o perder no dia seguinte.

~CC~



quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Quase assim como agora

 

Viveria assim a semana toda, de chinelos, vestidos largos e macacões simples. Assim, a acordar com o mar da janela, a molhar na sua espuma os pés, a falar de mansinho com os gaivotinhos e a espreitar as tiras de pano que volteiam no ar com estes equilibristas do vento e da água. Poderia ler, escrever, conversar com as visitas, alguém que se demoraria um pouco mais. Não seria bem esta casa mas teria assim um terraço como este, capaz de nos lavar a alma, enxotar as lágrimas, renovar os sonhos. Teria este rapaz que todos os dias no café me diz a sorrir "bom dia, seja bem vinda", naquela sua voz de açúcar que é lá do outro lado do Atlântico.

Depois escolheria um dia da semana para vestir roupa bonita, colocar brincos, sapatos de meio salto, uma fita ou um gancho no cabelo e descer à cidade para ver um filme, um teatro, comer um gelado, visitar as livrarias.

Uma vez por mês iria para mais longe, um festival, um evento, um congresso, a visita mais prolongada a um familiar, um amigo. A mala um pouco mais composta, a vontade de viagem, aquele sentimento da casa ficar para trás e a estrada se desenhar à nossa frente.

Tudo tão pequeno, tudo tão grande.

~CC~


segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Flor de Sal

 

A flor de sal não é uma flor mas uma pirâmide muito fininha de cristal, a boiar nas águas salgadas das salinas, tão estranhamente frágil quanto sólida. Entre os nossos dedos ou no limiar dos nossos lábios não se desfaz logo. Enquanto o sal se deposita em camadas no fundo, ela flutua solta, leve.

Forma-se nas horas de sol mais intenso entre os meses de Maio e Agosto, em Setembro já esfria um pouco, a não ser que o mês seja quente. Exige uma apanha manual e demorada, com um apetrecho próprio, num horário específico. 

Tem a delicadeza das coisas belas que exigem cuidado, tempo, esforço. Diria que nisso é parecida às relações humanas, pelo menos com aquelas que perduram.

~CC~

domingo, 14 de agosto de 2022

Respirar

 

Flutuando na água saturada de sal, depois com o corpo coberto de argila, e novamente entrando para me lavar na água salgada, não valorizei apenas aquilo que queria fazer e fiz, como lamentei tudo o que em cada Verão quis fazer e não fiz. Tantos desejos tolhidos, tornados quase ridículos, feitos ruir. Logo eu que podia tantas vezes ter rasgado o céu como um cometa, afinal fui tantas vezes um pirilampo, uma luzinha trémula na noite. E em nome de quê, pergunto-me. 

Mergulhei no mar entre os pingos de chuva, sem ouvir nenhuma das vozes que me puxava para trás, afinal o sol acabou por me visitar também e a tudo agradeci e com tudo me misturei e ao cansaço disse nada, vencendo-o cada vez que fechava os olhos e sentia-me a respirar.

~CC~



quinta-feira, 28 de julho de 2022

O Verão não é bom para os blogues...

 

Anunciaram há muito a morte dos blogues.

Uns foram-se de vez, outros vão mas voltam passado anos. Tenho saudades de alguns que foram, muitas. Por exemplo, da "Faca não corta o fogo", talvez o último ao qual me liguei e de que sinto a falta.

Certo é que quem procura interacção rápida ou permanente não está no sítio certo. Cada vez as pessoas dizem menos coisas através da caixa de comentários. Se isso importa? Talvez, mas não é decisivo. Há muitos blogues bons sem comentários, basta-lhes saber que são lidos, basta-lhes escrever. Mas eu gosto das pessoas que aparecem e dizem coisas, também de algum modo me sinto ligada a elas.

Na maior parte das vezes estamos aqui connosco, com o nosso mundo e com as coisas que do mundo nos importam. Fazemos rabiscos como os miúdos desenham, apenas com o desejo de nos expressarmos. Por mim é assim, é só por me apetecer. Não tenho qualquer dependência disto.

Se há desejo que o Verão me traz é de deixar o computador quieto, arrumado. São muitos meses, muitas horas, uma profissão que não se faz sem ele, é quase permanente a sua presença. Conto deixar o blogue em pousio como quem deixa a terra repousar para uma sementeira mais à frente. 

~CC~



 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Da Inocência perdida

 

Quando fui a Cabo Verde tinha pouco mais de 30 anos e uma filha criança. Fomos um grupo de mulheres e meninas.  Em todo o sítio havia mulheres que por quantia simpática nos enfeitavam as cabeças com tranças e continhas. Sim, esses cabelos lisos de mulheres brancas, os meus e os da minha filha até eram meio loiros. Quando as fizemos, essas maravilhosas trancinhas, sentíamos que era também uma forma de homenagem aos incríveis penteados que usavam. Viemos com elas para Portugal e usei-as por mais uns quinze ou vinte dias. Ficavam-nos bem e era como se um bocadinho daquela beleza de lá do meio do Atlântico tivesse vindo connosco. Hoje, seriamos por certo condenadas, ostracizadas, ofendidas. É como se toda a inocência tivesse de súbito acabado na palavra "pessoa racializada". Depois de tantos anos a aprender que as raças afinal não existem, esbarro nesta palavra como numa rocha colocada no meio do percurso. 

E que dizer das mulheres da minha rua, lá na infância, mulatas e negras que passavam longos períodos de tempo desfrisando os seus cabelos para que ficassem lisos como os das mulheres brancas? Estariam a renegar a sua origem? A efectuar uma apropriação cultural indevida? Mas se lhes apetecia fazê-lo, se ainda hoje apetece a tantas, porque não o poderão fazer sem condenação.

Esta hipervalorização da diferença e amarras a uma cultura de origem é para quê? Somos todos mistura de várias coisas, fusões de átomos, pó de tantas estrelas, rios que desaguam em mares que comunicam uns com os outros. Acantonados seremos mais pobres, tenho a certeza. 

Não ignoro que o racismo existe, agora como antes. Nem que a discriminação com base na cor da pele continua a ser persistente, profunda. Mas em que é que estas coisas de não se poder fazer isto ou aquilo contribuem para a luta? As culturas têm que ser livres e o sentimento de pertença a elas também.

O vestido mais bonito que alguma vez tive foi de pano cabo-verdiano, um modelo pouco tradicional de lá, até bastante inovador, nunca me senti tão deslumbrante. Vesti-o quando fiz quarenta e fiz a festa no Espaço Cabo Verde onde dançamos até tarde as mais belas mornas e comemos cachupa até nos enfartarmos. Nenhum de nós tinha origem cabo-verdiana, amigos sim, muitos. Será que hoje teria que vestir um traje tradicional de Lisboa e festejar numa casa de Fado? Mas isso para mim não seria festa, antes um pequeno martírio.

~CC~


sexta-feira, 22 de julho de 2022

Para enganar o calor e umas quantas coisas mais...

 

Os supermercados andam meio vazios, avancei sem ninguém à frente para a fila da caixa, óptima coisa para uma sexta-feira.

- Tem Cartão Jovem?

- Eu?! Há muito que não...tenho o deste supermercado, serve?

- Claro, claro...mas podia ter o outro, o que interessa é o que está lá dentro, há gente que nunca deixa de ser jovem e a senhora parece jovem.

Pois claro meu amigo, fica-te tão bem a simpatia e a ti, sim, a juventude. A segunda vais perder de certeza, já a primeira, é só se quiseres. 

~CC~



terça-feira, 19 de julho de 2022

Ando por aí

 

A cada ameaça nasce um medo fundo e uma renovada vida. Três meses sob ameaça acabaram num belo gelado de pistachio. Adeus e até à próxima às máquinas de revirar por dentro, tão cedo não lhes mostro as entranhas.

A cada fôlego dessa nova vida encontro um outro modo de encontrar felicidade, como se aquilo que antes me era vital para tal já não o fosse mais e agora fosse uma outra coisa. Talvez afinal me defenda apenas da infelicidade ou quem sabe seja agora finalmente feliz.

Vou na maior parte das vezes onde me leva a minha liberdade e esse sentimento de a seguir, de ir onde quero, esse apetecer que se concretiza em ir fazer ali um desenho, ir além ouvir um escritor/a, em polvilhar a terra dos vasos com sementes, em fazer um doce, em me derramar pelo sofá e adormecer. 

Passarinhar é tão bom.

~CC~

sábado, 16 de julho de 2022

Esse sal

 


Aquela que é sempre boa, em doses certas para não adormecermos à beirinha da vida. Esse sal. O original é impressionante mas esta versão tem para mim um encanto especial.

terça-feira, 12 de julho de 2022

Quero uma rua fresquinha

 

Faz muito calor nesta rua-blogue.

Há por aí alguma rua fresquinha? A ideia que eu tenho da rua da minha infância é que as copas das árvores se juntavam de tal forma umas às outras que faziam um enorme túnel de sombra. Muitos anos depois procurei essas árvores como me lembrava delas e ou as tinham cortado ou nunca existiram como viviam dentro de mim.

Mas sei e isso sim, voltou a acontecer...que estas tardes quentes e cinzentas traziam muita água na transição para a noite. Chovia forte e rápido e quantas vezes nós íamos tentar apanhar essa água dentro das nossas próprias bocas.

Aqui apenas ameaça.

~CC~

sábado, 9 de julho de 2022

Notícias do vírus que amedrontava as pessoas

 

Esta conversa ocorreu no talho de uma das cidades adoptivas.

A senhora entrou e viu-me de máscara, perante o olhar aflito dela, lá me justifiquei e disse que agora cada um fazia como entendesse, que ficasse sossegada que não era obrigatório usar.

- Olhe eu já o tive, até foi tudo bem, mas o pior é a memória...a minha memória ficou muito pior.

Diz o Talhante 

- Olhe, a minha memória ficou tão afectada que às vezes me esqueço de voltar para casa.

A senhora diz que o mesmo acontece com o marido dela, mas que ainda avisa quando não vem jantar, que isso sim, é o que a preocupa, ter que fazer o jantar e ele não aparecer, dormir ainda é como o outro, isso tanto lhe faz.

Nunca pensei que este vírus fosse acabar como justificação para deambulações deste tipo, afinal parece garantir mais leveza do que se podia supor.

~CC~





quarta-feira, 6 de julho de 2022

Da noite anterior

 

Sonhei toda a noite que dançava com um morto. 

Claro que no meu sonho ele estava vivo e sorria para mim com o seu olhar doce e ao mesmo tempo meio trocista que tinha quando ainda não tinha adoecido. Acordei a suar, um arrepio. 

Mesmo para uma descrente da vida após a morte como eu sou, ter alguém a chamar-me para dançar do lado de lá é um misto de pavor e apaziguamento. Pavor por não querer ir, apaziguamento por se assim for, pelo menos haverá alguém com quem dançar, alguém amigo. Nem sei se lhe chame um pesadelo.

Sonhos próprios de noite anterior a saber que me irão escrutinar as entranhas. 

~CC~


terça-feira, 5 de julho de 2022

Alinho contigo


 

No meio dos gatafunhos que têm outro nome mais fino na versão Inglês Light alguém usou a Língua Portuguesa para escrever alguma coisa de jeito. 

A versão não violenta da resistência é algo que me é muito caro, por isso caro autor, alinho contigo.

~CC~


quinta-feira, 30 de junho de 2022

Dos velhos

 

Foram pessoas válidas, reconhecidas e estimadas. Depois envelheceram. 

Em alguns casos foram mesmo pessoas de renome, com atributos que são reconhecíveis em obra produzida. Depois envelheceram.

E passaram a ser só os velhos, os que deixaram de poder ser autónomos, de escolher a sua comida, o sítio onde querem estar, o canal de televisão que querem ver, o sítio e a hora a que querem dormir. Não mais o senhor arquitecto, a senhora advogada, o dono do restaurante, a dona cabeleireira...

E os casos que conheço de maior desprotecção são os dos velhos com famílias menos tradicionais, sem vínculo de papel passado com um conjugue, sem prolongados almoços de domingo, com filhos de vários progenitores. Eram laços que na sua liberdade pareciam fortes e se desfizeram como um sopro. Vinte anos ou mais de união de facto afinal não resistiram a suspeitas de que poderia querer isto ou aquilo, ficar com a casa, o carro, ou quem sabe o jarrão chinês... Afinal o que a sociedade diz que é igual nem sempre o é. 

Tenho pensado muito nisto. Não é obviamente a regra, nem uma fatalidade.

A minha mãe tem mais anos de mulher divorciada do que de outra coisa qualquer, é verdade que teve os quatro filhos do mesmo marido e que nunca os deixou perderem-se pelo mundo, apesar de não ter urdido nenhuma teia de muito afecto. E agora cá estamos, filhos e netos. Um traz os pensos para as escaras, outro uma comidinha boa, outro viu a melhor cadeira de rodas de todas e o outro conseguiu sentá-la no sofá. Cada vitória é uma festa. Levá-la para um lar teria sido um descanso para todos nós, às vezes estamos muito cansados, às vezes ela não nos agradece, às vezes quase desistimos.

Mas cada vez que me lembro do meu telefone mudo nos dias do hospital e como agora já me atende, é uma alegria. Consta que há lugares em que os velhos nem aos telemóveis têm acesso, tudo lhes é negado e roubado.

~CC~











segunda-feira, 27 de junho de 2022

Ir e voltar


 Deixei lá o meu coração, junto do voo das garças brancas e do debicar dos flamingos. 
Não podia.
Afinal trouxe-o.
Leve, pronto a bater asas no interior dos dias.
Hei-de conseguir.
~CC~

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Com o mar ao fundo.


Regressar aos lugares onde se foi feliz. Nem que seja para recuperar aquelas marcas de sol que nos ficaram marcadas na pele. 

Até a praia com chuva tem o mar ao fundo. Depois é trazê-lo nos olhos e colocá-lo em paisagem visual quando precisamos.

~CC~

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Percentagens


Disse-me ele em tom aflito: 30% de esperança. Os números e o frio que transportam.

Chorei a seco, posso dizer-vos que não há pior. Não é modo de aliviar a dor, não consigo fazê-lo. Maldito corpo este que me puxa para baixo da terra quando no mais profundo de mim eu sou tão viajante, tão do vento e das ondas do céu, tão da vida, do gosto dela.

~CC~


segunda-feira, 20 de junho de 2022

Fábrica de compatibilidades

 


- Veja esta montra, tão bonita...coloridas estas sobremesas...a senhora gosta de doces?

- Eu gosto, um docinho de vez em quando...

- E agora vai comer algum destes, qual é o seu preferido?

- Se comesse algum, seria uma fatia de pavlova...

- Ah eu também gosto muito.

- E a senhora também é dessas que sai para passear o cão?

(que salto...)

- Eu?! Não, eu não tenho bichos em casa (omiti algumas traças que me atormentam).

- Tal e qual eu!

Chega entretanto o companheiro com a imperial e interrompe-lhe a conversa, puxando-o para a mesa, com olhar reprovador, do género "deixa a senhora em paz".

Confesso que saída de uma semana particularmente difícil estava absolutamente concentrada na chegada à minha cidade e num sumo de laranja fresquinho, como tal não me lembro se o senhor era alto, baixo, gordo, magro, bonito ou feito, seguramente teria 60 ou mais. Pensando, contudo, no assunto, aquilo parecia uma espécie de Tinder ao vivo e a cores, embora não conheça a aplicação, parece que tudo se resume a meia dúzia de perguntas a partir das quais nos encontram alguém compatível. Há quem acredite que o amor é uma fábrica de compatibilidades. 

Contudo, querido senhor, acho que nunca na vida bebi uma imperial, só me faltou dizer-lhe isso. Por isso, olhe, já não somos o par perfeito, embora lhe elogie muito essa sua intenção de não sair apenas para passear o cão. 

~CC~


sábado, 18 de junho de 2022

A sustentável leveza do ser

 


Gostaria de ficar mais leve, mais próxima dos voos dos pássaros e da possibilidade das suas rotas infinitas.

~CC~

domingo, 12 de junho de 2022

Ainda me espanto

 

Disse o jovem: Tu no Secundário não sabes o que é beber, se fores para a Faculdade é que vais ver. E ainda acrescentou: é uma das razões para eu não ir, já bebo muito.

~CC~

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Dia não

 

Não gosto desse país fechado sobre si, a cheirar a vinho e a mijo em cada canto, popularucho mas sem povo capaz de fazer fracassar um regime que já era passado antes de o ser.

Não gosto desse país coladinho à Europa, a desenhar autoestradas pensando que por aí seria o desenvolvimento, chamando novos agricultores a todos aqueles que compraram jipes para desfilar nas novas herdades do Alentejo.

Não gosto deste país que plantou alojamentos locais em qualquer canto, desalojando velhotes e pessoas que amavam os seus bairros.

E como eu amo este lugar, língua de terra voltada para o mar, cheia de cheiros a terra e a vento, tão circunspecto e tão de bailarico.

Não gosto dos dias pátrios, nem da sua pompa e circunstância. Não acho graça alguma à nossa bandeira, ao nosso hino, às coisas que se escolherem para nos simbolizar. Para mim a nossa bandeira era uma onda de mar com espuma de estevas.

~CC~



domingo, 5 de junho de 2022

Para onde caminhamos?

 

Os miúdos (9-13 anos ) passaram a noite na biblioteca, uma iniciativa que acompanhei através de um estágio. Das histórias que construíram tudo era um pouco sem nexo e continha muita violência. Questionei a responsável sobre os miúdos, o que lhe enchia as cabeças. E ela respondeu-me que no dia anterior tinha aflorado a questão das  futuras escolhas profissionais. Apenas um tinha dito que queria ser bailarino. Os outros tinham todos escolhido ser youtubers, Tik Toks (isto diz-se?) ou influencers. Significa isto que não saberão fazer nada ou quase nada, viverão num mundo virtual, agarrados a um avatar que fará uma representação qualquer de si próprios. 

Ontem uma estudante de pós graduação disse-me que um aluno seu lhe tinha dito que queria ser tudo menos aquilo que o pai era. Pensei que o pai fosse ladrão, traficante de droga, pedinte ou qualquer outra coisa inaceitável para a sociedade. Mas não, o pai era simplesmente pedreiro. Como é que esta profissão passou a ser indesejável e quase vergonhosa? 

No futuro ninguém saberá fazer nada, muito menos qualquer coisa que use as mãos. Não estou certa que isso não venha realmente a fazer falta. 

As cabeças dos miúdos estão cheias de lixo virtual e a terra cheia de lixo real. Não faz parte do meu ADN ser uma pessoa negativa, mas digo-vos que há manhãs em que já não acordo com aquele vivo e grande gosto por viver. Depois corto o meu pessimismo com a diferença que alguns jovens representam face ao estado geral, grande tarefa têm pela frente, há que dar-lhes coragem.

~CC~




quarta-feira, 1 de junho de 2022

A ínfima partícula

 

Depois de meses de dúvida, hesitação, rascunhos no papel para dizer ao mundo a missão, reunião de vozes dispostas a ir à luta, vontade de fazer a ruptura nos modos antigos e instalados de gerir as coisas, dei conscientemente um passo atrás. Durante muito tempo vi aquele lugar como um dos meus possíveis destinos para fazer acontecer, fazer acontecer melhor.

Mas hoje tive a certeza que afinal foi um passo em frente.

Pela manhã lá estava eu, chegando sempre antes de todos. É bom esse tempo de observação. E depois vi e vi e não fiquei satisfeita, tanto mais para avançar. E como sempre lá avancei, sugestões em cima da mesa. E a estudante: ai a professora, a professora...sempre a ter ideias! É mesmo a professora CC...ao mesmo tempo admiração, ao mesmo tempo relutância.

Não sabe ela que me deu o que precisava, ser só isso, a professora CC, essa que incomoda tantos, desconforta, tem sempre ideias para novas e outras coisas...e às vezes, às vezes lá fica a habitar o coração de algum deles.

Há pólen nas ínfimas partículas do universo.

~CC~



segunda-feira, 30 de maio de 2022

Casal

 

Talvez entre quarenta e quarenta e cinco anos. Ele pediu uma coca cola XL, ela um corneto de morango. Não trocaram palavra, cada um entretido a saborear a sua escolha, olhos deitados ao rio, meios sorrisos. Depois levantaram-se, deram as mãos e seguiram caminho.

Acho que nunca perceberei os casais, nunca dominarei o ingrediente certo para a sua manutenção, mas suspeito que deve haver uma relação qualquer entre os alimentos consumidos por aqueles dois, quem sabe o segredo.

~CC~

sexta-feira, 27 de maio de 2022

É a vida, devagar, devagarinho

 


Como ela, a mais velha lá na cama de hospital, voltar devagarinho à vida.

Com ela, a Cátia, ontem, aqui, cidade que abracei. Com a mesma ambiguidade, a mesma incerteza, essa viagem entre a tristeza e a alegria que fazemos tantas vezes, como se num momento fosse a lágrima a descer, e noutra um belo sorriso, ou, como ela diz, sem jeito para drama ou comédia, há que saber viver no melhor dos dois planos.

É a vida, devagar, devagarinho.

~CC~





domingo, 22 de maio de 2022

Ainda connosco

 

Rompendo medos, consegui vê-la. O equipamento é impressionante, como é que os profissionais aguentam aquilo horas a fio. Depois de 15m eu mal me aguento e faço um esforço enorme para conseguir suportar.

Agarro-me aquela parte dela que é ainda a minha mãe, nunca lhe vi os olhos tão verdes, de vez em quando ainda capazes de exprimir sentimentos. outras opacos, longe. Agarra-nos a mão. E é só. Sabemos que sofre e tudo tentamos para diminuir isso mas sabemos perfeitamente que não o conseguimos.

Os sentimentos são extremamente ambíguos, entre o querer que fique connosco mais tempo para usufruir um bocadinho do que ainda gostava da vida e nós dela e a vontade que não sofra mais e que a deixemos ir (sabendo que isto é que não está nas nossas mãos mesmo que o quiséssemos). No mesmo dia, às vezes na mesma hora, experimento a esperança na recuperação vagarosa mas plena e o desalento por imaginar que nada será como antes e que talvez ela preferisse partir. Penitencio-me sempre que não tenho esperança.

A casa, o vazio desta casa.

~CC~




sexta-feira, 13 de maio de 2022

Temos que voltar lá

 

Depois de três doses da vacina, dois confinamentos e a crença cada vez mais enraizada em todos de que a pandemia já tinha passado, o contágio aconteceu sem percebermos como. O vírus não se instalou apenas no teu corpo já cansado de 93 anos, entrou como uma avalanche.

Por ti farei esse acto irracional. Uma vela de uma descrente num santo que não é santo. Eu serei crente e ele será santo. E poderei novamente ouvir-te dizer que tens saudades minhas, há tão pouca gente a dizê-lo. Com o tempo aprendeste a exprimir essas emoções, coisa que te faltou durante tanto tempo. Eu também tenho saudades tuas, de me fazeres escolher entre a écharpe a, b, c ou d para uma simples saída tua ao café. Faz agora um ano levei-te ao fim da tarde a comer caracóis e meteste conversa com todas as mesas da esplanada, foi uma festa. Temos que voltar lá.

~CC~ 

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Felizes...e não sabíamos (II)





Respirar a essência de cada lugar.
 ~CC~

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Anseios

 

Meses amados: Abril, Maio e Junho.

Como me estou a esforçar para vos conjugar com esperança.

~CC~

terça-feira, 3 de maio de 2022

Para sempre meu mestre

 

Tive um mestre quando tinha apenas 16 anos. Um mestre é alguém que nos espanta, nos revira de alto a baixo, nos olha nos olhos, nos faz ver o mundo de outra maneira. Foi cedo demais para tal. Nunca mais consegui encontrar outro que se lhe comparasse. Talvez o tenha procurado em cada professor/a, em cada orientador/a académico, em cada encenador/a, em cada cruzamento na comunidade, na vida. Não devemos ter mestres tão cedo, todos os outros se lhes comparados, são apenas uma imagem. Cedo percebi também que estava longe de ser perfeito, pelo contrário, ele apresentava-se no esplendor da sua imperfeição e isso, contudo, não o diminuía. Se das minhas palavras depreendem que era uma jovem apaixonada, longe disso, a mestria é todo um outro amor que não passa por paixão ou desejo. Era-lhe grata não só pelo que ele me mostrara do mundo, como também pelo que me mostrara de mim própria, sendo que eu, na minha infinita timidez, estava longe dos holofotes dos olhos dele, mas importava-o na justa medida em que todos os jovens daquela sala lhe importavam. Era confortável para mim não ser o centro, isso permitia-me observá-lo melhor.

E tantos anos depois voltei a ouvi-lo, condecorado pelo Presidente da República e senti quase o mesmo maravilhamento adolescente. Diz ele que se levanta cada dia contente por existir, grato por mais um dia de vida. Tal e qual o que eu sinto meu mestre, isso até nos dias maus, imaginem nos dias bons

~CC~



sexta-feira, 29 de abril de 2022

Se eles pudessem dançar

 

O meu pé de chumbo direito diz ao meu pé de chumbo do lado esquerdo que fique parado, um acordo silencioso feito de vergonha. Mas a minha alma, essa coisa que mora cá dentro, essa sempre dançou tão livre, tão livre. Talvez um dia ela possa contaminar um pé e depois o outro e sacudam ambos o receio que os prende ao chão. Se eles pudessem dançar...

~CC~


quinta-feira, 28 de abril de 2022

Rostos

 

Descubro agora como é o rosto do senhor da mercearia (olha, parece mais novo), que a empregada do café do lado sorri quando nos atende e que a cara da senhora que gere o restaurante de peixe é ainda mais carrancuda do que era de máscara.

E sei que as ruguinhas ao lado dos meus lábios os ajudarão a descobrir a minha real idade, esperando que o sorriso possa compensar alguma desilusão. Isto nos momentos em que me esqueço do perigo e enfrento o mundo tal qual ele era dantes, sem a máscara. Na verdade ainda a levo sempre comigo, pronta a usá-la em sítios em que me sinto desconfortável.

O que é bonito não é ver agora os rostos, bonito é irmos perdendo o medo e o que ele nos congelou em vida e abraços.

~CC~~


domingo, 24 de abril de 2022

Dizê-la sempre!

 


LI-BER-DA-DE

LIBERDADE

 Fico a dizê-la devagar, silaba a silaba, sabe a vermelho, a sal do mar, a cerejas.

Nem sei dizer quanta Primavera tem dentro, o quanto me aquece e o bem que me faz saboreá-la.

~CC~




sexta-feira, 22 de abril de 2022

Novas habitantes

 

Comprei-as muito baratas no supermercado, como se conseguisse trazer a Primavera ansiada para dentro de casa.

Bárbara perdeu todas as flores numa semana e ficou nua perante o meu olhar que vigia cada hipótese de botão. Zélia aguentou melhor a mudança e deixou-me assistir ao modo como um botão se vai lentamente abrindo para deixar emergir as pétalas rosa e os filamentos amarelos, que suprema beleza. Nos raros momentos em que em vez de estar sozinha me sinto só, falo com elas. E não, elas não me respondem, como tal sei que ainda não enlouqueci, mas não posso prometer-vos nada. Na verdade gostava de saber se gostam dos nomes que lhes coloquei, mas a mim também não me perguntaram nada e causaram-me este conflito entre um primeiro nome próprio detestado e um segundo nome próprio amado. 

É a primeira vez que cuido de orquídeas, dizem que são de feitio difícil.

~CC~


quarta-feira, 20 de abril de 2022

(Des)caminhos





E eu fui. Mas gostava de continuar a ir e a ir e a ir. Contudo, tive que voltar.
O que descobri é que todos os caminhos são descaminhos e por isso me são desejados. Sempre adorei trabalhar, em que lugar me perdi então, pergunto-me. Talvez no do excesso.
~CC~

 

terça-feira, 12 de abril de 2022

Coisas de aves (II)


Beleza inscrita para sempre num certo dia de Dezembro, tão longe daqui, tão perto de mim. 
Tanto que gostaria de ter visto a ave que saiu daqui.
~CC~

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Coisas de aves

 

Achamos que estamos preparados, o trabalho interior começou há muito, um lento processo em que sabes que a partida do outro é um voo há muito começado, tão proporcional ao voo que tu própria iniciaste. Eram linhas antes cruzadas, agora apenas paralelas próximas.

Contudo, quando o vês voar cada vez mais pleno, cada vez mais longe, encantado por tudo o que esses voos lhe trazem de luz e novidade, sabes que demorará afinal mais do que esperavas para chegar ao nível zero da dor. Mas anseias lá chegar e sabes que chegarás, concede-te esse tempo. É aquele lugar em que já não choras, ainda não consegues sorrir. Nesse limbo, nesse interstício, nesse quase lugar, também tu podes ensaiar voos pequenos, talvez um dia consigas que o teu bater de asas toque ao de leve o coração de alguém. É assim nas coisas pequenas que as coisas grandes acontecem.

~CC~

 

domingo, 10 de abril de 2022

Rituais

 

A idade, o peso dela pode tornar-nos subitamente leves.

Jamais antes deixaria que um jovem de vinte anos, com um rabo de cavalo louro e modos doces me fizesse experimentar a diferença entre cuidados de corpo e de rosto, usando a minha mão esquerda para um e direita para outro. A princípio pensei que ele fosse apenas espalhar creme e não toda uma gama de cuidados que levou cerca de 15 minutos para cada mão. E as explicações demoradas mas muito técnicas, o cuidado em escolher cada aroma que eu gostava, mais uns elogios que devem constar de qualquer brevet de vendedor. 

Uma pessoa finge que acredita porque a velhice nos tolda a razão e nos faz necessitar de mimos adicionais, deve ser assim que nos tornamos oficialmente pessoas de uma certa idade. E é assim também que gastamos dinheiro em coisas fúteis e inúteis, ainda que muito aromáticas e macias.

Espero apenas ter acrescentado alguma coisa ao seu salário, a mim os cremes não me farão mal, até porque mais de metade do tempo foi de propaganda ao veganismo da marca.


~CC~

sexta-feira, 8 de abril de 2022

terça-feira, 5 de abril de 2022

Bem lhe peço ao ouvido

 

Tenho-lhe dito e repetido que preciso de estar com a mãe velhota que já mal consegue falar comigo ao telefone. Tenho-lhe pedido que me deixe em paz pois agora há uns dias em que posso sair daqui e mergulhar no perfume alentejano das estevas, molhar os pés na ria, caminhar com cheiro de mar. 

Tenho implorado que venha mais tarde, tão mais tarde que já se tenha esquecido definitivamente de mim. Oxalá esse vírus, tão mutante, tão rebaptizado, tão resistente seja sensível aos meus pedidos e não precise de nenhuma das minhas células para se reproduzir e se eternizar neste século estranho em que vivemos.

Mas que anda muito, muito próximo anda, sem dúvida esteve aqui em casa. E até lhe contei do estudo para o qual me convidaram sobre as pessoas que em dois anos de pandemia não tinham tido a doença, é que seria fantástico participar.

~CC~


domingo, 3 de abril de 2022

Como distinguir hoje as classes sociais:)

 

Tinha 250 cápsulas de café da Delta oferecidas e apenas uma máquina da dita marca para o evento.

Com a pandemia e o bar por longos períodos fechado, sabia que nos gabinetes dos docentes, as máquinas de café se tinham multiplicado. Contudo, não podia entrar nos mesmos, muito menos perguntar um a um quem as tinha. Dirigi-me assim aos funcionários, sempre aqueles que conhecem melhor que ninguém todos os cantos à casa.

Ora, segundo eles, os professores não têm máquinas de café dessa marca, só de marcas melhores, mais finas e conhecidas. Ora, eu que tenho uma máquina de café da Delta em casa, descobri assim a que mundo afinal pertencia. E trouxe a máquina de casa.

~CC~

quinta-feira, 31 de março de 2022

Quantofrenia

 

Ela veio comigo até ao carro, bem bonito estava, lavadinho, parecia novo após a inspecção e os seus estafados oito anos de vida.

E disse em voz baixa: vai receber o questionário de satisfação, já sabe a escala vai até dez. Mas só pode preencher o 9 ou o 10. A principio nem percebi, mas depois ri-me. Mas ela falava mesmo a sério: e depois virá o telefonema da oficina e já sabe, é a mesma coisa. E digo-lhe uma coisa, se quiser dar oito, não atenda. Aí fiquei incrédula, será que despedem os que têm menos que 8?

E depois de muita insistência, lá atendi a oficina, a conversa a mesma, mas agora com 4 questões e a dita escala. Por mim tudo bem, 10 a tudo. Do outro lado, a mesma ansiedade: por favor, no questionário responda igual. Eu já nem queria acreditar,  disse-lhe que se fosse para ela fazer uma viagem de férias até ao Índico, dava 11 a tudo...mas creio que já não me ouviu, também deve haver um cronómetro a medir cada telefonema. 

Mas há alguém que acredite e se guie por esta maldita quantofrenia que tudo invadiu? Como viver neste mundo de "likes"? Eu já não sei. Tenho tantas saudades do quintal da minha infância, com terra, bolas de sabão feitas com canas de mamoeiro, flores com cola natural que pendurava no nariz, tudo a passar pelos meus cinco sentidos.

~CC~




segunda-feira, 28 de março de 2022

Só crianças

 


O menino chegou da cidade mais martirizada da Ucrânia, bem acompanhado pelo seu pai e pela sua mãe que rapidamente o levaram para a escola. A professora lembrou-se daquela menina russa que já antes tinha chegado e já dominava o português, poderia talvez traduzir, caso se compreendessem. E compreendiam, aliás às mil maravilhas, crianças quase felizes por estarem juntas. Se não se introduzir nenhum pauzinho na engrenagem eles serão só crianças estrangeiras, mais unidas pelo que é comum do que por aquilo que é diferente e estão longe, muito longe do desentendimento e do sofrimento que alguns governantes, apenas supostamente em nome dos seus povos, fizeram de mal. 

~CC~

domingo, 27 de março de 2022

Coisas de formiga com asas

 

Pergunto-me muitas vezes a razão para este trabalho claramente em excesso que em determinadas alturas me conduz à exaustão.

Atendendo à quantofrenia que nos mede a carreira académica em publicações e projetos internacionais, pouco se importando com a qualidade do trabalho pedagógico, pouco a pouco deixei de me importar com ela, já nem discuto nem me importo com subidas ao topo, fico doente só de pensar nas horas gastas a fazer o Currículo Vitae e deixo-o desactualizar com ameaça iminente de penalização.

Mas há um gosto que nunca me tiraram. Ver acontecer algo que junta as pessoas à roda da mesa da comunidade e saber que fui eu que o moldei entre as minhas mãos. Mesmo sabendo que em pontos é uma miséria.

~CC~

segunda-feira, 21 de março de 2022

Primeiro encantamento

 

Para ele foi um primeiro poema e para mim também um dos primeiros a acordar este deslumbramento pela poesia. 


Canção


Tinha um cravo no meu balcão;
     veio um rapaz e pediu-mo:
     - mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
    veio um rapaz e pediu-mo:
     - mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
     só não dei o coração;
     mas se o rapaz mo medir    

     - mãe, dou-lho ou não?

Eugénio de Andrade - Primeiros poemas.



domingo, 20 de março de 2022

Por estes dias...

 

Quando é que um sumo compal pequeno, bebido num café, passou a custar 1,75 euros? E um cappuccino 2,75 euros? Achava que na minha cidade os preços nunca iam subir como em Lisboa ou no Porto.  

Conversava eu com a empregada sobre o preço do dito sumo quando entrou um rapaz dos seus vinte anos. Perguntou se vendia uma dose de batatas fritas e qual o preço (batatas mesmo, não de pacote). Ela espreitou para a fritadeira lá dentro e disse que sim, que as podia fritar. E ele almoçou uma dose de batatas fritas e um copo com água.

Calei-me imediatamente com o preço do compal e do cappucino, até me envergonhei por consumir estes bens de que na realidade pouco preciso. Apeteceu-me dizer-lhe que podia pagar algum acompanhamento das batatas mas não tive coragem, é a dúvida de como ajudar sem ferir a dignidade de alguém ou ser intrusiva.

~CC~


quinta-feira, 17 de março de 2022

Poeira laranja

 

Com a idade os olhos ficaram cada vez mais secos, às vezes tenho de deitar-lhes lágrimas compradas na farmácia, algo absolutamente estranho, supostamente deviam produzi-las por si próprios, há tanto motivos possíveis.

Mas a minha luta centra-se no coração, ele é que não pode mesmo secar, tem que sobrar nele o dom de se emocionar. Às vezes olho-o e pouco se parece com o passarinho frágil da adolescência, esse que estremecia com a aragem, agora é vê-lo quase indiferente às poeiras laranja que atravessam os mares para nos poisar sobre as casas. 

E não há olhos que se atravessem no caminho que o façam estremecer. E nem posso culpar a poeira laranja.

~CC~

terça-feira, 15 de março de 2022

Primeira necessidade?!

 

Óleo?!

Há anos que não compro tal produto.

Hoje estava em grande destaque no supermercado como bem de primeira necessidade, como se fosse essencial à nossa alimentação. O que é me anda a escapar? O que é que não ando a consumir e afinal devia?

No trajecto para o sul, vejo olivais e olivais a perder de vista, pelos vistos azeite não nos falta. É o que consumo, penso que a meu bem, do país e da sustentabilidade (ainda que os olivais de cultura intensiva também possam matar o resto e nos caiba controlar isso).

Somos todos um pouco loucos, ou não?! Caso contrário não se iria esgotar o óleo porque alguém disse que não se produzia cá e iria rarear.

~CC~


sábado, 12 de março de 2022

março, 12

 

Não estava ansiosa naquela noite, sentia-me calma. Sabia que chegarias no dia seguinte, as pessoas diziam que a jornada costumava ser longa, mas tu quiseste nascer ainda de manhã, ali perto do meio dia, querias vir para almoçar.

Ainda hoje sinto a mesma calma quando te sei a dormir aqui em casa, a acordar depois de mim. Nesses dias é como se tudo regressasse a um lugar primordial e certo, como se a desordem do universo se atenuasse e eu fosse, sobretudo, e ainda, a tua mãe.

Depois vem a outra tarefa, a de aceitar a partida como elemento essencial de uma identidade outra, tecida de células que de nós tanto se alimentaram como se diferenciaram, incorporando do mundo o seu próprio vento, suor e riso. Saber que não faremos os caminhos mas que se pudéssemos iríamos enchê-los de flores para que todo o caminhar fosse suave, cheiroso e belo. Uma parte grande do amor é vontade de protecção, o outro, no seu oposto, saber conceder a liberdade que permitirá a quem amamos arriscar, perder, ganhar, porventura sofrer. E o amor é também ser tão feliz com a felicidade do outro que ela é nossa também.

Estou aqui ainda, foste e és parte integrante da força de lutar pela vida.

~CC~




quarta-feira, 9 de março de 2022

Convocatória

 

Precisamos outra vez de cravos.

Para estancar as espingardas e parar os tanques.

Que passem de mão em mão e encham os colos das mulheres e enfeitem os sorrisos dos homens.

Que gritem lá paz como outrora fizeram aqui, impedindo o derramamento de sangue.

Que venha novamente a Primavera. Que se convoque e apresente a esperança.


~CC~

terça-feira, 8 de março de 2022

De uma mulher para outra e para outra...



 TESTAMENTO


Vou partir de avião 
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos.

Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com a voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais do que um horário certo
Ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas

Preparem a minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrante
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.

Ana Luísa Amaral



domingo, 6 de março de 2022

Da sua dor

 


Ela vê com os seus olhos de visão reduzida a guerra que chega a durar quase o tempo integral de um noticiário e abana a cabeça com a desilusão de quem já muito viu. Mas depois chora porque não consegue andar ligeira como gostaria e arrasta os pés e se desequilibra no vazio da sua idade. É assim a dor de cada um, algo que, contudo, comparamos, mostrando quão pequena é quando comparada com outra. E há nessa comparação toda a justiça e injustiça. Justiça porque a consciência de que não estamos sós no mundo é importante, fundamental para relativizar o umbigo com o qual vivemos. Injustiça porque a dor de cada um é parte da sua intimidade e não pode ser julgada.

Por isso mesmo digo também a mim própria, não é fácil estar aqui e viver a sua fragilidade progressiva mas é muito mais difícil estar noutros lugares, aqueles em que se deixa para trás tudo aquilo a que se chamava casa.

~CC~



terça-feira, 1 de março de 2022

Gigante

 

Como bem nos mostrou Nelson Mandela odiar nunca é a solução.

Faz-nos falta alguém assim, um gigante.

~CC~


domingo, 27 de fevereiro de 2022

Pela Paz, sempre!

 

Sim, também estou triste, muito.

O que dizer mais quando parece que tudo já se disse e mais de metade foi excessivo, inadequado e padecemos de um ruído que nos torna quase incapazes de racionalizar o que quer que seja?

Abomino a guerra, esta e todas as outras que se vão passando no silêncio do mundo. Eu nem acredito que os exércitos sejam um instrumento de paz, como tantos defendem. Todo o dinheiro que aí se usa é mal gasto, sou pacifista até à medula.

Repito, estou triste e muito.

~CC~

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Das vidas outras (II)

 

Um domingo. A estação de comboios da cidade está quase parada, talvez por isso reparo neles.

Quinze anos talvez.

Saem de mãos dadas, dois adolescentes comuns, modestamente vestidos, nada que os distinga. Mas na saída ele pede-lhe que rode sobre si própria, numa pirueta de bailarina, ela nem saia tem, mas as calças de ganga parecem voar, assim como os cabelos. E ele apanha-a depois da pirueta e agarra-a num abraço e depois num beijo inclinado, à filme.

Que belos quinze anos.

~CC~


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

De mim

 

Tanto tempo para conseguir esta infinita sensação de liberdade. Não foi fácil despir-me das amarras pois há nelas também conforto e segurança.

Não fora o peso do trabalho e seria finalmente o pássaro ou o golfinho, inspirando o ar para sorrir a cada volta pela curva da nuvem ou do rio.

~CC~