Uma residência temporária em Lisboa para uma missão de trabalho. Faz tempo que não sentia este pulsar da grande cidade. Notas em alternado de fascínio e desilusão.
Chego ao cair da noite e ando pelas avenidas cheias de luz e de gente, entonteço de estímulo visual e sonoro e sinto-me sem receios, é espantoso como nas cidades mais pequenas tudo desparece ao primeiro sinal da noite e aqui há tantas pessoas na rua, é bom caminhar assim com uma aragem de Outono. De repente quase tropeço num rapaz de braços estendidos como se fosse Jesus Cristo, está assim imóvel, parado, e não pede dinheiro. Um pouco adiante um sem abrigo prepara a cama na entrada de um prédio, mal lhe vejo o rosto tantas são as barbas. Tenho que ter cuidado com as ciclovias, a velocidade a que passam as trotinetes é muita, alguns carregam as famosas mochilas verdes com comida para distribuição. Desvaneço pouco a pouco o sorriso que trazia.
Orgulhosa do meu passe e da minha opção pelos transportes públicos para deslocação na cidade, preparo-me para os autocarros. A primeira viagem é longa mas interessante, há tanto para ver e tão diferente. Quando entro nos lugares mais periféricos, a cidade muda e há menos comércio e mais gente cansada. No regresso não há apenas gente cansada, há gente entalada e mal há espaço para respirar. Custa-me a acreditar que se aguente isto todos os dias. Nas curvas mal me aguento de pé e já não sei equilibrar-me neste ondular brusco. Depois de conseguir um lugar já junto da paragem final, não percebo como é que os bancos não têm cintos pois numa paragem repentina quase embato no banco da frente. No dia seguinte tudo se repete, agora já com menos surpresa, ciente da minha condição de habitante temporária encho-me de paciência. No trajecto de volta entra um rapaz numa cadeira de rodas eléctrica, o motorista tem de sair para colocar a rampa e o ajudar, negoceiam a saída com muita naturalidade, volta-me o sorriso e a admiração e engulo o meu incómodo rendida à coragem daquele passageiro.
Já é noite outra vez, saí duas paragens antes achando que era mais perto e podia caminhar, começa a chover e tiro o chapéu de chuva que não consigo abrir, abandono-o no caixote de lixo mais perto e sigo viagem. Penso porque é que não fico quieta e num lugar só e recompenso-me focando-me nas coisas que já aprendi e nas que aprenderei neste trabalho. Sinto que isso é estar viva.
~CC~
Uma boa lição passada no meu mundo de sempre e contada como só a CC sabe: com um rasto de esperança. É ver o metro durante a semana entre as sete e as oito; ou entre as 22 e as 23. São as mesmas pessoas com outros rostos e muitas passam assim toda a vida contributiva. Não um mês ou um semestre; não à experiência. Antes por condição de que raro se sai. É a vida.
ResponderEliminarBoa noite, CC.
Não tenho dúvidas sobre a dureza da vida, também a experimentei e bastante. Só tenho pena que tudo continue tão igual.
EliminarUm inferno de onde consegui sair. Não deixou saudades.
ResponderEliminarUm abraço.
Compreendo-o. Também não quereria voltar a tempo inteiro.
EliminarO progresso ou o que será o seu conceito
ResponderEliminarSó quando saímos deste meio, desta vida citadina é que conseguimos ver o sentido ou, o não sentido, deste meio de viver.
Acho que o progresso, na sua melhor definição, está fora da vida urbana, com tudo o que as cidades bonitas, também têm de bom.
Certamente muitos se pudessem não estariam ali, mas não têm opção. Em Telheiras entram e saem muitas mulheres, aposto que vão limpar casas e escritórios.
EliminarE até parece que está a gostar, sabe porquê? Porque está de passagem. Como eu, quando vou à província.
ResponderEliminarMuito bem contado e ilustrado, como refere a Bea e só a CC sabe.
Para além de estar de passagem, obviamente importante, é um lugar em que me posso desmultiplicar no olhar, não falta o que ver. Obrigada Joaquim.
EliminarThis reflective piece beautifully captures the duality of urban life, blending moments of awe with the stark realities of a big city. The sensory descriptions create an immersive experience, allowing readers to feel the vibrancy and chaos of Lisbon. Your observations about the contrasts between the lively streets and the struggles of the city's inhabitants add depth to the narrative. The progression from excitement to weariness and finally to acceptance encapsulates the journey of a temporary resident adapting to their environment. It’s a poignant reminder of resilience and the beauty found in everyday experiences.
ResponderEliminarI just shared a new post; you are invited to read. Happy weekend!