terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Bacalhau com coentros

 

Embora tardiamente, dada a minha infância lá nas terras ocres e quentes, gradualmente fui conquistada pelo bacalhau com todos, creio que só mesmo na idade adulta lhe ganhei o gosto. Não o comer assim na sua simplicidade maior, sempre nos pareceu estranho, fora de época nem o pensamento por lá pára, mas na noite de vinte e quatro, parece ganhar brilho e sabor. 

Este é talvez o ano da primeira viragem, o primeiro dos primeiros em que não estaremos da casa de alguém dos filhos da matriarca ou numa casa por todos alugada, mas sim na dos seus netos. E em que saltaremos de uma casa para a outra, repartindo tarefas e afazeres. A alteração do bacalhau com todos para o bacalhau com natas e/ou com coentros, cozinhado e encomendado fora, é uma mudança geracional. Olho para ela agora como nunca pensei fazê-lo, sem resistência ou desconforto. E se me mantenho ao leme do dia seguinte, cozinhando algo que também já é uma mistura entre a tradição e a pura invenção, é apenas por saber que a minha filha não o pode fazer, de boa vontade lhe passaria o avental, ou a ele. Gosto do bocadinho de novidade que cada coisa traz e parece-me impossível repetir todos os anos o mesmo, tal qual, sem nada de diferente. Este ano também não haverá filme da tarde no dia 25, a casa não tem televisão, nem Internet, esta é também uma mudança geracional, talvez inversa da primeira, talvez sejam assim as gerações futuras, mais diversas nos estilos de vida que querem adoptar. Espero, ainda assim, que não se percam nessas diferenças, que nunca deixem de se ver e de se gostar.

A única virtualidade desta história que nos contam para ser Natal é ela ter lá dentro amor, resistência e magia, ou seja, a ser provavelmente tudo inventado, não é uma má invenção. 

Aproveitem o melhor que puderem e se não puderem ou não conseguirem, saltem directamente para o dia 26, pessoas livres também saltam dias no calendário.

~CC~ 


domingo, 21 de dezembro de 2025

Musiquinha de Domingo (XIII)

 


Bem sei que sexta feira, no Coliseu de Lisboa, foi a noite do Rapaz da Montanha (que saudades tinha do Coliseu). Mas se há CD que possa chamar de meu, dias e dias a tocar sem o tirar, esse é, sem dúvida o Cinema. Esta faixa é um encanto, cantada como é e na língua que é. Com uma das outras faixas chorei muitas vezes, mas hoje essa não me apetece. Dancemos antes, assim embalados.


~CC~

sábado, 20 de dezembro de 2025

Chá de perpétua roxa

 

É o meu reduto, a salvação da minha voz, o lugar onde o meu corpo vai buscar a água que não lhe dou. Depois da doença, beber água tornou-se muito difícil, nunca mais voltei a bebê-la como antes, a ciência explica isso muito bem em função dos complexos mecanismos em Y que me deixaram cá dentro. É preciso que a água tenha densidade. Descobri as flores roxas pelos mecanismos poéticos que envolvem a minha relação com o mundo: eram lindas. Depois veio a linguagem, o nome perpétua é simultaneamente estranho e antigo, sou atraída por essas coisas. Só depois chegaram as propriedades, a salvação da voz, a ajuda nas gripes. Um contra: não sabe a literalmente nada. Bebo-o todo o Inverno, combina infinitamente bem com o Natal. 

E este Verão aconteceu-me uma coisa muito bonita, coisas que só acontecem lá nas montanhas mágicas. Encontrei por acaso um engenheiro agrícola que tinha estufas e estufas de plantas de todos os tipos, diziam que aceitava mostrá-las. Contudo, chegamos quase ao final da tarde e já não estava ninguém, mesmo assim ele acedeu a mostrar-nos tudo, demorámos muito, muito tempo, tinha um saber profundo sobre cada aromática e cada chá. E tinha notado o meu entusiamo pelos saquinhos de perpétuas roxas logo ao início, quando passámos na loja. 

E então mostrou o que nunca pensei ver, infinitas manchas de florinhas todas roxas, magníficas. Depois que também havia perpétuas de outras cores, mas percebeu que para mim essas pouco significado tinham. Pedi se podia fotografar. A minha ideia não era propriamente a de me fotografar a mim no meio delas, apenas trazer aquela mancha florida comigo. Só que ele quis fotografar-me ao lado, no meio delas, eu própria agachada, feita também perpétua. Chamei também a minha irmã. Estamos divertidas, engraçadas, deslumbradas. Um ser humano tão autêntico, tão generoso e um cultivador do meu chá preferido. Saí de lá a cantarolar a canção do Sérgio Godinho: é que hoje fiz um amigo...Mas sei, sei muito bem que não posso andar a plantar amigos sem, na verdade, ter água com que regar. 

Mas ficou o lugar no mapa e eu gosto de voltar aos lugares que marcam o meu coração.

~CC~


terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Azevias de castanha

 

Depois de mais uma arguência da série de dez que o mês de Dezembro me trouxe, só nos apetecia um doce. É isto o Inverno, o estúpido desejo de açúcar, uma forma de anular o efeito da noite que chega a meio da tarde. É um calor que passa rápido e deixa nefastos resultados. Não obstante a consciência, ali estavam as azevias.

São de grão e de batata doce, disse a senhora contente. E de castanha, não tem? Perguntei eu. Nunca tinha ela ouvido falar de tal coisa, teimou que não existiam. Mas eram as primeiras a esgotar na minha casa, iguaria feita pela minha mãe, nunca saberei já se herdada da sua ou por ela inventada. Foram as únicas das quais sempre gostei. Sou capaz de descrever o seu sabor como se as estivesse a comer, de tal modo está presente em mim.

Pelo menos agora não como azevias de nenhum tipo. Como, pelas tardes de muito trabalho, que logo se tornam noite, uns pequenos chocolates com formatos natalícios que são bonitos e se compram numas caixinhas redondas transparentes. Levo-os também para repartir com os meus alunos, gosto de pensar que é por gentileza, mas também pode ser para que não seja eu a comê-los todos.

E vejo-a mais sempre que é Natal, tanta saudade.

~CC~


domingo, 14 de dezembro de 2025

Musiquinha de Domingo (XII)

 




"Já não tenho esse tempo, já nem sei como se faz..."

(esta Luísa Sobral gosta tanto de me roubar as palavras)

~CC~