sábado, 28 de dezembro de 2013

No virar da hora


Está quase...Todo o tempo é simbólico e, no entanto, estes momentos vão fundo dentro de nós. O que nos move? O que o move a si? E a mim? O que nos move em direcção a alguma coisa? E o que nos faz parar? Gosto desta palavra MOVE, movimento, por isso a escolhi para um novo ano. É vago para desejo de ano novo? Sim, não é para dizer tudo de uma vez, nem para fazer. É para se ir concretizando.

Bom ano de 2014!

~CC~



sábado, 21 de dezembro de 2013

Para quem passa...


A memória dos Natais é também a das agregações e desagregações familiares, gosto deles porque contam histórias e, se são histórias, nelas se incluem os buracos negros e os rasgões de luz. Os Natais estão longe de ser ou de terem sido lugares felizes mas são sempre e invariavelmente uma resistência à tristeza, a todas as tristezas que cada um de nós traz para essa mesa de Natal, às vezes até o luto por um país vem espreitar entre os doces e é em catarse colectiva que escorraçamos o pior. Outras vezes alguém perdeu outro alguém, houve uma separação ou há uma das crianças que não pode estar presente porque o pai invocou os seus direitos, alguém ficou doente, está em risco de perder o emprego ou simplesmente está desconfortável na sua pele. Nessas alturas não há nem silêncio nem barulho excessivo em torno da questão, ela vem à mesa com a naturalidade das outras conversas. No Natal passado dois de nós estavam separados de pessoas que ainda amavam mas com quem não conseguiam viver na paz necessária para assegurar a identidade própria. Somos assim, abdicamos mais do outro do que de quem somos. Todos sabiam que sofríamos mas não nos enchiam de mimos lamechas. Este ano há mais alguém que vai emigrar porque perdeu o emprego, sairá logo a seguir ao Natal e é pai de um filho pequeno, meu sobrinho. Ao mesmo tempo as duas separações resolveram-se e as pessoas estão juntas outra vez e sei que não apenas esses casais mas todo o resto da família se congratula por isso. 

A sobrevivência da minha família poderia assim contar-se pela sucessão de Natais e acho que é por isso que nunca perdi nenhum, nunca em momento algum, em dia nenhum, deixei de estar com a minha mãe e com as minhas irmãs, é feito de mulheres o núcleo duro desta família, embora os homens sejam um elo muito bom também. É como se quisesse registar o modo como perdemos e ganhámos maridos, filhos, enteados e cunhados, creio que se marcasse no calendário os anos, poderia dizer quem éramos, onde estávamos, com quem estávamos. A minha filha é igual a mim, podem as outras primas passar meio dia ou meia noite com os respectivos pais, outras partes da família, já ela não, aqui é o lugar dela. E sabe que pode trazer quem quiser.

Até agora nós, este núcleo duro de quatro mulheres, agregamos quem vier mas não nos desfazemos, creio que isso é fruto dos tempos complicados que passámos porque o passado não é apenas o tempo já ido, é qualquer coisa que entra no sangue e fica na pele, já não o estamos a viver e os seus ecos ainda permanecem. Desde há uns anos atrás comecei a guardar e a repetir as receitas da minha mãe pois ela já não as consegue fazer, claro que sempre com receio de falhar. Mas como nesta família a tradição é feita de reinvenções, introduzi outras coisas que ela não fazia e que nem sequer são tipicamente portuguesas nem natalícias. Prezo essa liberdade de podermos mudar tanto quanto o gosto de herdar o que vem de trás.


Desejo a quem passa por esta rua um Natal à medida do que o faz feliz.
~CC~


sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Pequenas notícias dos vizinhos



Na última semana não soube qualquer notícia sobre Portugal. Aqui mesmo ao lado, Portugal é um país invisível. Na universidade de Salamanca há estudantes de medicina, nada mais. Não é pelas melhores razões, é porque no nosso país as médias de ingresso são absurdas. As relações de vizinhança parecem-me pouco investidas a todos os níveis. Um miúdo de 10 anos numa escola que visitei fez-me uma pergunta interessante: vocês aprendem espanhol na escola? Lá expliquei que numa minoria delas sim, era possível ter essa opção. Já estudantes brasileiros, pagos com bolsas nacionais e estaduais, há em todos os cursos e a concluir uma série de graus e têm um centro para a promoção destas relações académicas entre os dois países.

Para além de Salamanca ser uma cidade monumental, calma, limpa e organizada (bem sei que nem toda a Espanha é assim) gostei muito de outras duas coisas: o ensino de nível primário tem 6 anos como em quase toda a Europa, os miúdos permanecem nas suas localidades esse tempo e depois vão para as escolas grandes das cidades maiores.  É tempo de crescer e de dar o salto, mas até aos 12 vão a pé de casa para a escola.  Os bairros residenciais têm todos um centro cívico, os construtores têm obrigatoriamente que o incluir no plano da urbanização. São as casas do povo modernas, a verdade é que são geridas pelos moradores e aí se fazem as festas de aniversário das crianças, as reuniões de bairro, funciona o grupo de teatro amador ou se encontram os mais velhos para dois dedos de conversa. Esta promoção da vida comunitária é feita tanto em bairros sociais como em bairros de vivendas de classe média ou mesmo média alta. O bairro em que estive seria quase considerado de luxo em Portugal, por isso fiquei mesmo espantada por saber que tinham uma equipa de futebol e um grupo de teatro. Para mais tarde deixo o projecto que visitei, exemplar em termos do incentivo à participação cívica das crianças. Certo é que mal cheguei já estava a participar num programa de rádio em que eles eram os principais promotores. E sobre quê? O título era: conhece os teus vizinhos. Não, não eram os vizinhos de outros países que tanto atraem por algum exotismo. Eram mesmo os que moram na casa do lado e que mal conhecemos.Como vizinha, lá tive que me fazer entender no meu castelhano altamente deficitário...mas quando queremos comunicar, de tudo nos socorremos.


~CC~







quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ezequiel e Tatiana



Querido Ezequiel

Esqueci-me de trazer o chapéu, julgo que esse lapso se deve a saber que o teu não viajaria a meu lado por estas belas ruas de pedra luminosa.

Recordo o teu beijo na Plaza Mayor, como treinámos para unir as bocas sem tirar os chapéus. Será assim sempre que cruzar a praça. Estava este mesmo frio e comprámos tangerinas, aqui, no mesmo lugar onde estou, bebi das tuas mãos cada gomo. A minha memória é construída de pinturas vivas, emergem dos passos que vou dando. O céu estava nublado nessas noites, choveu, quase nevou. Hoje a lua estava no centro da praça, pendurada no ceú nocturno a sorrir.

Serás o meu cigano nesta cidade e eu a tua rapariga russa, esse casal improvável que com passaportes portugueses cruzou fronteiras, atravessou dores, destruiu muros, mergulhou nas pontes. Que o tempo nos guarde e proteja.

Tua Tatiana

~CC~

domingo, 15 de dezembro de 2013

O gosto da liberdade

Retirada de : www.leme.pt

Uma imagem estranhamente familiar, parece um recanto da costa portuguesa. Mas não é. É a Irlanda. É um país outra vez no seu primeiro dia, aquele inteiro e limpo de que falava a Sophia. Um dia que para nós tarda. Sabemos o nome de quem toma outro por refém, privando-o da sua liberdade. Dizem os sequestradores amiúde que queriam o bem da vítima, se tendencialmente mais loucos, invocam a protecção como intenção. E se é um país inteiro? Se o bem invocado parece estranhamento multifacetado, capaz de parecer ao mesmo tempo a salvação e a ruína?

A Irlanda....Nem programa cautelar, mais uma vez acenado com lenço branco e falas mansas, nem nada mais, eles querem aguentar-se sozinhos. Se é tão bom se ser ajudado e apoiado, parece estranha a alegria a deles, não é? Porque não se deixam estar nesse conforto de receber mais um dinheirinho? De se manter sob protecção?

 Alguém se lembra de começar a andar? Do modo como era tão bom alcançar o brinquedo que desejámos, passear pelo parque procurando apanhar as pombas, agarrar um fruto e comer?

~CC~



sábado, 14 de dezembro de 2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em movimento


Desta vez sempre por estrada, muitas distâncias a percorrer, cruzando do sul ao norte. Do Algarve a Salamanca e de Salamanca ao Algarve, há muito que a minha vida é nómada, sempre que penso que vai abrandar, torna-se mais intensa. Abraços que já tardam e beber das coisas o mais que puder é o programa.

As viagens são normalmente coisas boas, embora o turismo de massas seja um monstro com duas caras. De um lado dá, do outro suga e tira tudo. Por isso prefiro as viagens em que do outro lado está um amigo, as missões de trabalho, os trilhos com um certo sentido. Em Florença esperei longas horas para me desiludir ao vivo com partes das obras que no meu imaginário eram beleza pura.

Depois de olhar para este mapa lembrei-me das outras viagens, as que se fazem em fuga. No ano lectivo passado trouxe à minha escola o grupo de teatro de refugiados do ACNUR e as distâncias palmilhadas eram histórias de dor e resistência. Quase nada sabemos sobre estes refugiados que vivem em Portugal, assim como nada sabemos sobre os Sírios que na Guiné Bissau viram no avião da TAP a própria vida. Tanta indignação para quê? Quem não faria o mesmo para salvar a sua própria vida? Passaportes falsos e depois? Quem não os compraria para fugir da guerra? Tratados, tantos tratados...e em prol de quê?

~CC~




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Sobreviventes


Essa arte de navegar nas correntes.

Hoje eu sei claramente que uma queda pode, a meio do precipício que pronuncia a morte, se tornar num voo azul. Até o amor pode ser assim, salvar-se milagrosamente em plena queda. Depois fortalece-se, modifica-se.

Ouvir o outro sem deixarmos de nos ouvir a nós mesmos. Essa paragem da escuta, esse minuto de silêncio no sentir do outro. Aprendi três coisas importantes na vida, afirmar-me falando, calar-me, ouvir. A última foi a mais difícil, ainda aprendo.

Ontem trouxe uma convidada a uma aula, excelente perfil técnico, lugar de topo, perfil sem falhas. Faz gestos quando fala, desloca-se pela sala, tem ênfase nas expressões. Parece cumprir o modelo perfeito de comunicação. Mas não se calou um minuto só, falou tão incansavelmente que nos cansou. Desliguei várias vezes. Se eu o fiz, imagino os mais jovens. Esqueceu-se do outro, ela também desligou, ficou só consigo, com o que tinha para dizer. Sou hoje incapaz de falar e de escrever sem silêncios. 

Andam fortes as correntes e tenho que procurar vários modos de lhes sobreviver. Às vezes viajo simplesmente encaixada dentro de um búzio. Às vezes escondo-me nas rochas. Às vezes salvo-me enrolada no teu abraço. 

Estas correntes fortes num país tão frágil.

~CC~


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Agrestes Segundas


Imagino que podia transformar-me numa poeira viajando na brisa, uma transparência alentejana em final de Verão, um ventinho de ondular searas.

Isto acontece-me quando é Segunda Feira, as aulas começam às 9h e o corpo me dói, arrastá-lo é como levar uma pedra montanha acima. Envelhecer deve ser este sentir cortante das Segundas Feiras. Além disso as pessoas que levam as enxaquecas a passear para o trabalho e as tentam afogar a cada minuto deviam ter homenagens organizacionais adequadas.

Duas aulas compridas e sorrisos no meio da dor, isso devia render-me um raminho de flores do campo ao final do dia. Insensíveis organizações.

~CC~

sábado, 7 de dezembro de 2013

Do ciúme severo ao ciúme ligeiro...



Ainda me lembro do meu espanto quando começaste a ver com gosto programas de culinária. Fui ver. Era a moça de grandes olhos pretos e lábios carnudos. O modo como ela era tão dengosa a bater claras, lambia os dedos dos restos das massas de bolo e sorria com todo o corpo sempre que apresentava a sua obra.

Lembro-me de atentar contra um dos mandamentos e sentir inveja. Não é que a moça tinha posto os homens deste país na cozinha? Tantos anos de luta feminista pela repartição mais igual das tarefas domésticas tinham esbarrado em indiferenças várias e bastava uma morena para os colar à aprendizagem das receitas. Bonita, talentosa, rica. Mas não era ainda o suficiente, amiúde falava dos filhos e eles às vezes apareciam nos programas e falava também do marido e dos seus pratos preferidos. Havia assim ainda mais: uma família tão linda como a moça. Sabemos que o ciúme é mau e atiça o pior de nós mas não queria tanto, não me apetecia nada vê-la exposta em público como o contrário da perfeição anunciada. O marido maltratava-a, amiúde consumia cocaína, as colaboradoras enganaram-na. Só falta agora as marcas começarem a retirar-lhe os utensílios de cozinha como fazem com os desportistas apanhados pelo dopping. 

Não, o meu ciúme ditava coisas mais ligeiras como cair-lhe um cabelo no prato, as cascas de ovo nas claras,  ter uma nódoa no avental. Agora arrependo-me daquela dor no peito quando ele ficava a fazer de conta que decorava a receita de salada grega ou se espantava com as maravilhas do queijo azul. Resolve lá isso moça, estás quase perdoada.

~CC~

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Resistências


Mandela fez-nos acreditar na humanidade. Deixem-no agora em paz, temo que não o deixem descansar e lhe ergam altares de ouro que ele não quereria. Por mim deixo-lhe uma canção. De um resistente a outro resistente. Sorrisos meninos que nos fizeram melhores a todos.


~CC~

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Essa menina


Essa menina Teresa que é professora de mão cheia, animadora de quatro costados e brinca a valer com os ditados...


O prometido é devido...

Deves estar confundido
porque eu nada prometi
e nada estou a dever

Tu é que prometeste
dar-me a lua, se eu quisesse
e eu não estou a ver.


Mais vale um pássaro na mão
do que dois a voar

Embora eu perceba
o sentido da lição

prefiro dois a voar
a ter um preso na mão!


Teresa Martinho Marques - do seu livro "Provérbios repenteados", onde há mais, muito mais...


Ainda tem um blogue: http://tempodeteia.blogspot.pt/ e arranjou tempo para uma tarde de histórias encantadora com os estudantes da minha escola. No fim pediram para eu a contratar! (ah, se eu pudesse)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Brilho



As conversas de gabinete com os alunos são quase sempre uma parte boa do dia. Hoje, uma trabalhadora estudante de cerca de 30 anos dizia-me com convicção: eu já descobri, eu agora sei bem o que quero fazer. Vi-lhes os olhos a brilhar e fui incapaz de o desfazer com a brutalidade da realidade com a qual lidamos.

~CC~

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Em desarrumação constante ou notas de momentos felizes


O tempo passou e não trouxe para as palavras os músicos que desde 1987 não se reuniam e voltaram a tocar no sábado, depois de seis meses de ensaios.

O tempo passou e não trouxe para as palavras a restauração revolucionária que fazemos aos afectos no lugar da Igrejinha, num Alentejo de sol e frio.

O tempo foge das coisas importantes para nos aprisionar no jugo profissional que tudo devora como se fosse o mais importante. Vejo-te no computador, vejo-me no computador, do outro lado estão os nossos alunos. E tudo o que eu queria com eles, para eles, seria podê-los fazer entrar nessa maravilha que é a reunião dos músicos velhos e dos doutorados com costela hippie. Não se trata de fazê-los entrar nas nossas vidas mas de lhes mostrar que têm que se entregar à vida. E a vida só é boa quando se constroem nela momentos felizes que da felicidade eu fujo, é um estado em que não acredito.

Os músicos velhos deixaram as vozes límpidas de outrora e agora tocam instrumentos com rugas, riem-se dos erros tanto como se zangam com eles e ficam engraçados no limbo em que renasceram como amadores profissionais. Viajam pelo país na esteira das recolhas populares de um povo que não temos certeza que ainda exista e cante. Sabemos agora mais do seu choro, do seu lamento.

Os doutorados que se encontraram quando ainda não o eram e partilhavam um terreno sofisticadamente académico e avesso a abraços, parecem agora uns miúdos, atropelam-se para falar, argumentam alto demais, deliciam-se com a comida, plantam-se à lareira e trocam folhas de cancioneiro para cantar e bailar.

Já alguma vez deixei aqui o meu manifesto sobre as coisas híbridas? Sim, gosto delas. Gosto tanto delas. Tudo o que é demasiado certo, arrumado e equilibrado me desapaixona. E estou em desarrumação constante, sempre à procura de alguma coisa mais.

~CC~





quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Invernos de pele


Quantos casais viverão separados pela força das circunstâncias? Que mar terão entre eles? Ou muitos quilómetros de estrada? Rios?

Muita gente deixou Portugal, muita gente foi para outro lugar dentro de Portugal. Vozes que só se escutam por telefone e via Internet.  Nenhum abraço na chegada a casa, uns lábios sempre secos.

A intimidade, eis aquilo que a distância nos faz perder. A cama solitária noite após noite torna-se incontornável, tanto o queremos e não sabemos se pode já ser de outro modo. As distâncias forçadas são diferentes das outras distâncias criadas por quotidianos cinzentos, mas são ambas frias. Gelam este sol que felizmente tem vindo todos os dias.

~CC~

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Ninguém do outro lado



O telefone toca mais ou menos uma vez por semana para nada se ouvir do outro lado. Às vezes de 15 em 15 dias. Às vezes talvez passe um mês. Nada mais assustador do que o silêncio da chamada anónima. Não é tanto o medo, é mais a desconfiança, o desconforto. Se calhar há milhares de chamadas perdidas e as minhas são apenas mais umas, linhas cruzadas sem destino à vista. O mais certo, o que desejo, é que seja alguém que não procure realmente por mim, que seja apenas alguém a ligar ao acaso para ouvir uma voz humana, alguém que quer tirar outro alguém do sofá. 

Na possibilidade improvável de ser alguém para mim, desejo que não odeie, que não me queira mal. Pensamos sempre que não há razões para alguém nutrir esses sentimentos por nós, será o amor a mover montanhas ou o ódio? O ódio move sempre mais, parece-me. Foi Jorge Luís Borges que disse alguma coisa parecido com isto: não deixes que o teu ódio te prenda aos teus teus inimigos. Quem odeia, vive numa prisão. Escolhi sempre não odiar mas às vezes foi difícil, espreitava com insistência o rancor e o desprezo. Já quem ama pode escolher  fazê-lo como prisioneiro ou como pessoa livre. E como pessoa livre é tão bom. Não, nunca imagino que do outro lado possa estar quem tenha amor por mim.

~CC~

domingo, 24 de novembro de 2013

O jogo da dor



Chega a época dos peditórios, é o que Dezembro traz de mais insuportável. Agora começam logo a meio de Novembro e irão prolongar-se por mais de um mês. Não podemos aproximar-nos dos supermercados, por ora deixaram os mercados de lado, não sei até quando.

Dão-nos sacos com listas de pedidos cada vez mais concretos, desta vez pedem coisas para crianças. Que crianças serão? Onde estão? Com as suas famílias? Em instituições de acolhimento? É insuportável a ideia de que estamos a falar de quem precisa mesmo de leite, de fraldas, de chuchas, tão insuportável a ideia como o peditório organizado em seu favor. Não haverá outro modo? São sempre muito jovens os que nos dão o saquinho, competindo entre eles muitas vezes e fazendo questão de não nos deixar passar, parece ao mesmo tempo uma brincadeira de miúdos. Terão consciência do que fazem? Contactarão eles com as crianças para as quais pedem? Ou a sua acção resume-se ao saco entregue?

Nada nos é dito sobre as crianças que precisam, nem sobre o modo como estas coisas chegarão até elas. São rostos invisíveis, ocultos pela caridade. É insuportável a ideia de que aquilo que pagamos em impostos não lhes chega, nem o que podemos descontar através do IRS para estas instituições. São cada vez mais aquelas que recorrem a estes peditórios. Dão-nos muitas vezes qualquer coisa que não precisamos em troca de uma moeda, um porta chaves, um marcador, um bonequinho. É inevitável pensar no que o Estado desperdiçou em negócios de vão de escada, na injustiça que é os que têm pouco ainda terem que dar aos que têm menos. Ninguém recusa os sacos cor de rosa com o alfinete a dizer o que é preciso: papas lácteas, cremes, leite adaptado. Ninguém diz não, se o fizermos sentimos que estamos a negar auxilio, é com isto que as instituições contam, com o nosso mal estar. Podia ser de outra forma? 

È o que Dezembro traz de mais insuportável, o doloroso jogo da caridade, é ser quem somos no sítio onde estamos.

~CC~


sábado, 23 de novembro de 2013

Os meus lugares (I)


Três quinze dias em Setúbal. 
Um restaurante especial, um bar, um lugar bom de se estar. 
Mas não vá com pressa.
Consigo ficar com saudades de lá ir.
~CC~



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Rir ou chorar



As dinâmicas de grupo são uma parte importante da formação dos meus estudantes, parte delas são eles que dinamizam, não só para aprenderem a fazer, como para saberem que tipo de análise podem fazer. Propuseram um exercício interessante: um deles ficava numa cadeira simulando uma acção e outro colega tinha que o convencer a sair de lá através da força de persuasão. Querem saber?

A- Eu estou a ver um espectáculo.
B - A seguir vai ser ópera.

A sai a correr da cadeira!

Eu fico sem saber de devo rir ou chorar.

~CC~

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Chá de Inverno



A distancia é muito mais dolorosa nas noites de Inverno, Junte-se a este frio que resolveu aparecer um corpo a precisar de mais cuidados do que habitualmente. Não há voz que chegue ao calor de uma mão. Não há maior prova de amor do que uma pele colada a outra pele. Receio esta distância que não me deixa ir fazer um chá e levar-te. É tanto o tempo que não partilhamos, por bons motivos cresceu ainda mais. O que compreendemos pode, apesar de tudo, entristecer-nos. 

Também sei de muitos corpos vivendo lado a lado sem se encontrarem, de muitos chás que ficaram por levar, de noites de inverno que ficaram maiores pela presença do outro.

Queria levar-te um chá de rosas. Ou, por causa do frio, um chá de perpétuas roxas. 

~CC~


domingo, 17 de novembro de 2013

À noite na mina


A noite tornou-se muito fria assim que o sol mergulhou na planície.

Uma casa antiga onde antes os trabalhadores da mina de S.Domingos se reuniam para as horas de lazer, está agora repleta de fotografias, lá estão as moças no piquenique, os homens à volta do jogo de cartas e mais que tudo, o canto, o cante. São inúmeras as imagens dos grupos de homens que olham sem um sorriso para a fotografia, tão compenetrados da função.

Estamos ali como quase os únicos forasteiros no meio do povo da vila que sabe cantar, o palco não é apenas o palco, é um um lugar inteiro de memória colectiva. Canta-se deste e do outro lado até que no final ficarei com os olhos molhados. 

E desta vez não são os velhos que cantam, no palco a média de idades não vai além dos vinte e tal. São os moços da viola campaniça, quem deu à arte toda uma vida para fazer surgir do que morria uma vida nova. Cada canção é também uma história do lugar, dizem-se os nomes dos pastores, dos cantadores, dos lugares, das feiras.

A sala foi aquecendo lentamente entre as palmas, os sorrisos, a minha emoção. Muitas vezes me perguntei o que era a comunidade, raramente a senti como aqui.

É nestes lugares que me comovo e me sinto viva, estar aqui é para mim mais valioso do que estar no CCB, no coliseu ou em qualquer lugar em que arte é espectáculo. Aqui a arte é terra e sangue e cheiro de estevas.

~CC~

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Parar o tempo



Há para além de todas as coisas enormes que são ditas, uma pequenina que me tocou muito. Pergunta se já fomos crianças obrigadas a mudar de casa, deixando tudo para trás. Sim, já fui uma criança dessas. Não tenho um caderno da escola, um brinquedo, uma roupa de menina. Muito tempo depois fui à procura da minha casa em Luanda. Nada era como na minha memória. Acontece-me, contudo, uma coisa estranha. Quando recordo, recordo tudo como era na minha infância e não como vi já adulta.

Nunca tinha, porém, pensado na memória dos rostos deixados nas casas abandonadas. Que belas ficam as paredes feias.


~CC~

PS. Fui roubar ao blogue "escrever é triste" aí na barra do lado.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Assim vamos...




É um pensamento profundamente fascista o de pensar que os pobres são felizes. Imaginem o que é ouvi-lo de miúdos de 20 anos perante uma reportagem em Moçambique com crianças cujos pais morreram com sida e que passam os dias em busca de comida. É verdade que se riem e às vezes jogam à bola, como não? A brilhante conclusão deles: ao menos eles são felizes com o pouco que têm, nós aqui temos muito mais e não somos. Eis a grandeza da reflexão...e estes até são dos melhores alunos.

~CC~

sábado, 9 de novembro de 2013

O cão de Saramago



Joana fez um risco no chão para explicar ao marido que ele ficaria de um lado e ela do outro. Pode ter sido nos Pirenéus que tal aconteceu. Pode ter sido Joana a inaugurar com o seu risco a fractura que deixaria a península ibérica à deriva. Ou, em vez de à deriva, à procura de si mesma. Num lugar no meio do Atlântico, girando sobre si própria. Com ela milhares de seres humanos atónitos pelo desastre natural ou apenas cinco seres humanos, três homens e duas mulheres.

Em Vale de Barris na noite fria de Novembro, enrolados em sacos cama, assistimos ao milagre cénico que o Bando fez com o livro de Saramago, um livro que li aqui pela primeira vez. 

O estranho fio azul que ninguém sabe o que é. A que nos conduz? A que nos amarra? A bandeira da Europa que o cão recusará no fim em definitivo. Este cão que no fim se liberta e com ele a voz rouca e magoada dos aflitos, dos sem nada, dos sem terra.

É um cântico amargurado que se ouve na encosta.

Só as mulheres de Saramago têm aquela força, a candura, a magia, a piedade. São sempre condutoras de destinos incertos mas não mostram medo. 

Que linda é a lua  nesta noite fria.

Há muito que penso que os nossos caminhos se deviam traçar por mar, não por terra. Este cão de Saramago, animal insano e ferido, metáfora de um povo. No final ele diz não, com voz magoada, dolorosa, rouca.

~CC~

Escrito a partir da peça Jangada de Pedra de José Saramago, peça encenada pelo Grupo de Teatro "O Bando".




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O frio dos frios


Qual será o maior frio de todos? O da temperatura? O do desespero? O da solidão? O da fome? Não sei, mas os bichos têm estratégias interessantes.

~CC~

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Surreal



Ai que Tryp Coimbra outra vez. Às voltas com A, B e C mas sempre no mesmo hospital, também uma escola. O rio desapareceu da janela, vieram as obras, os cortinados são os mesmos. Em A desejo não estar aqui, quero sossego, a minha sala pequenina. Em B digo que tem que ser, cada um tem o seu karma, carrega outras vidas além da sua. Em C fica aquela estação inexistente em Coimbra mas em que me apetece a tua pele, o aconchego de uma noite abraçada. Tryp que nome, nunca precisei de nada para as minhas viagens, essas que me levam sempre longe e ao centro dos meus desejos. Desejo uma estação só para mim, porque é que não me dão uma dessas abandonadas que a Refer fechou com cimento ou deixou ao abandono, mesmo que para fazer outra nova mesmo ao lado. São Tryps de negócios e não são poucas. O meu negócio seria sempre uma maneira de conjugar com comunidade e ganhar uma ninharia. Que cansaço, tanta autoestrada, camião, placas a anunciar terras a que não posso ir, a tua terra também ali no meio do caminho, estão ali os teus pais na casa que já esfria, aposto que a tua mãe me daria um bom chá de cidreira do Quintal. Ai quantas noites gratuitas valerá esta publicidade surreal? Nenhuma. Pois, classe média ou média baixa, é tudo a pagar. 

~CC~

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Ao engano...



À partida sim. Porque é que o Estado tem que tomar conta das escolas, porque é que elas não se poderão governar a si próprias, ainda mais se forem governadas por aqueles que as conhecem bem: os profissionais. Com uma regulação mais distante mas vigilante nos aspectos essenciais: garantia de que todos têm acesso à escola.

Mas o aplauso morre imediatamente quando me lembro como é no ensino superior. A prática da autonomia não é aqui há tanto tempo uma bandeira? Mas estão sempre a contradizer essa mesma autonomia, cativando as próprias verbas que as instituições criaram. Quem é que pode governar sem usar de forma autónoma o seu próprio dinheiro, gerir o seu orçamento?  Agora, obrigam as instituições a fusões e criação praticamente forçada de uma rede (as redes criam-se lá assim...), dando-lhes até Dezembro para apresentarem os seus casamentos de conveniência. Escondido está o verdadeiro projecto de encolhimento das ofertas formativas,  extinção simples das instituições do interior e das periferias das cidades, dotação de menos verbas e desemprego docente. Sim, há coisas mal e a cooperação é o modelo a seguir, mas o remédio não se cria sob pressão, em dois meses.

Escolas geridas por professores?! É no mínimo estranho que queiram dar a um nível de ensino, o que todos os dias tiram no outro. Qual é o projecto escondido?

~CC~

sábado, 2 de novembro de 2013

Outubro Francês



Raras coisas boas se alastram  ao país, tem sido isso que está a acontecer com a Festa do cinema Francês, pouco a pouco novas cidades exibem os filmes, possibilitando que mais gente veja cinema para além do império cinematográfico americano (que claro tem coisas excelentes, o único problema é a hegemonia).  De sublinhar esta capacidade de marcar positivamente o mês de Outubro. Felizmente as duas cidades em que vivo são parte da festa. Quanto à canção, enrola-se em nós, é Outono puro. Oh mon amour...



~CC~

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Às quintas



Há uma semana que não ia à escola, deixei os moços entregues a outros colegas. A recomendação médica apontava os dez dias mas aos oito o corpo disse que podia arriscar o embate com a função.

E foi bom voltar por causa do carinho que no dia a dia nos passa completamente despercebido, com o tempo e alguns conflitos até nos pensamos mal amados e começamos a desenvolver teorias sobre o modo como a organização nos despreza, nunca cheguei a tanto, mas houve dias cinzentos. Hoje olho para estas múltiplas cores que habitam as organizações com alguma tranquilidade, se na vida não há preto e branco, aqui também não.

Estás melhor?! Já aqui? Que bom professora vê-la de volta!

Aguento-me bem! Pensavam que se viam livres de mim? Cá estou para vos infernizar...

Ia conseguindo respostas mais ou menos divertidas, boas para esconder a emoção, afogando o turbilhão num sorriso tranquilo. Não estava pronta para o que ia acontecer. À saída da escola os moços trajados a preceito bebiam como mandam as regras deles. Não há quinta feira ao fim da tarde que não seja negra e bem regada. Como eles tapavam a estrada, abrandei a marcha do carro para se desviarem e me deixarem passar. É então que um aluno meu diz alto aos outros: deixem passar, deixam passar, é a professora mais gira da escola! Fiquei estupefacta com o atrevimento e ainda mais com o teor da afirmação e, sobretudo, certa de que a bebida turva a percepção da realidade. Aguentarão estes fígados todas as quintas do ano? Pensei como é que amanhã ele me irá encarar na sala de aula mas depois realizei que amanhã já não se lembra do que disse. Eu cá também não!

~CC~






terça-feira, 29 de outubro de 2013

Eis quem somos


Há uns quatro anos atrás tive a primeira amostra do que nos pode fazer perder tudo como povo, como país.

Geria eu o condomínio com mais um vizinho, depois de um inusitado processo com uma empresa que vendo que isto era um difícil e complicado processo, em que pouco ou nada havia a ganhar em termos monetários, abandonou o barco. 

Este é um condomínio único com três blocos de apartamentos diferentes unidos por um pátio e garagem comum. O bloco A estava quase integralmente habitado, no B moravam dois habitantes e no C metade das casas estavam ocupadas. Gerido como propriedade horizontal única, não havia dinheiro para pagar a luz nos três blocos e colocar os elevadores a funcionar, para além da dívida acumulada. Proposta do bloco A: vamos separar-nos, nós não temos culpa que os outros não tenham dinheiro, se nós estivermos sozinhos conseguimos. Fui sempre contra esta ideia, mas perdi. Durante quase um ano o bloco B esteve sem luz e sem elevador, o Bloco C sem elevadores e o Bloco A com luz e elevadores.

Quem pode, pode. Os outros que se aguentem.

~CC~


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Cheguei talvez tarde


Habita-me com frequência o sentimento de ter chegado tarde. Chegar tarde a uma coisa com a qual queríamos ter convivido mais cedo, que nos impregnasse antes, que fosse nossa vida.

Tenho muitas vezes esta sensação em relação à cidade em que actualmente vivo, ainda que viva muito fora daqui também. Mais ainda em relação ao livreiro velho e à Culsete. Ao contrário de outras livrarias que se destacam pela beleza ou lugar em que estão, a Culsete não tem nada disso. É só uma livraria no rés de chão de um prédio feioso, numa parte pouco nobre da cidade. Não tem café, nem sítio para tertúlias literárias, nem palcos, nem micros.  É até um bocadinho sombria, parece sempre meio desarrumada. O que sempre fez dela o que é, foi o homem que a criou. Não é história que conheça bem, nem que dela me tenha apropriado. Fui vulgar cliente, dessas que entram como quem entra num lugar vulgar e se confronta com a grandeza do amor aos livros antes de tudo, primeiro que tudo. O que testemunho é apenas a experiência de como comprar um livro pode ser afinal um acto invulgar, uma longa conversa, um olhar sobre o mundo. Era assim que Manuel Medeiros, o livreiro velho, atendia na Culsete. Cada um de nós era um ser humano que ele queria conhecer porque tinha entrado lá à procura de um livro. 

Não teve despedidas nacionais, nem honras de primeira página nos telejornais, nem apareceu pelos blogues nem foi mil vezes citados no FB. Era só o livreiro velho, um homem português excepcional. 


~CC~

domingo, 27 de outubro de 2013

O corpo



O que a doença nos traz, qualquer que ela seja, é a escuta do corpo. Não é o corpo sacralizado como objecto de desejo e via para o prazer, esse já o vimos endeusado por tudo o que é publicidade e exposto mil vezes, primeiro pela indústrias que dele se ocupam e vendem e agora vulgarizado e acessível nas mil poses adolescentes e adultas que invadem as redes sociais. É verdade que o corpo do desejo também se aprende com dificuldade, porque do que está exposto até ao que e genuíno e é nosso, vai uma grande distância.

Mas esta é uma outra aprendizagem. De repente comanda o que nunca comandou, o que nos habituamos a dominar, quase a humilhar, castigando-o quando não nos quer responder. A brufen qualquer gripe se leva ao trabalho, há muito que a maior parte de nós não sabe o que é deixar um dia o emprego por estar doente. Não acredito na profusão dos atestados médicos impostores, sobretudo nos tempos que correm, essa é um prática muito mais abandonada. É por esta ditadura que exercermos sobre o corpo que a velhice nos custa horrrores, quando o corpo já não responde, é o caminho para a nossa desorientação. 

O meu corpo tratei-o sempre mal, com o desprezo de quem ama muito mais o intelecto. Nunca lhe pratiquei a escuta, muito menos o cuidado. Agora oiço-o. Se tenho dores mantenho-me em casa, se elas desaparecem saio um bocadinho. Se não posso andar depressa, ando devagar. Se não posso estar tanto tempo em pé, procuro sentar-me mais. Trata-se de construir uma relação, um diálogo. Se não for assim, será ele que nos dominará com a sua desistência da vida, é pelo corpo que morremos. Lembro Vinicius e o modo como o corpo o fez morrer cedo, não penso que o quisesse, amava a vida. Se há coisa que tenho aprendido é que esse amor nem sempre diminui com a idade, pode até aumentar. À medida que o meu corpo me dá sinais de mal estar, percebo melhor o seu valor como instrumento de vida e sinto que isso me modifica também interiormente.

~CC~


sábado, 26 de outubro de 2013

Protestar



Pode não ser a melhor fórmula e se ter gasto a espontaneidade  no seu trajecto mas é ainda um modo legítimo de dizer que estamos descontentes. Estaria lá mas ainda não posso fazê-lo. Quanto à frase usada neste cartaz, sinto que me questiona, ainda que a expressão desobediência civil seja muitas vezes conotada com violência e por aí não vou. Há, contudo, outras formas de o fazer. Por exemplo, os reitores das universidades portuguesas deram um bom exemplo quando simplesmente se recusaram a entregar o orçamento. E há pequenas coisas ao nosso alcance.


~CC~

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Ver nascer a lua muitas vezes...



De todas as vezes que o perigo espreitou foi sem aviso prévio. Resisti porque tomada de surpresa só pensava em viver. Na auto estrada para Sul em 2008, saída da via e capotamento solitário, uma falha inexplicável. Saí do carro sozinha por uma janela partida, estava de cabeça ao contrário, uma posição em que nunca me tinha achado, nunca fui de fazer muitos pinos. Em 2009, episódio de Salmonela em Angola, caminho vertiginoso em relação à desidratação, dias loucos em que perdi a capacidade de me equilibrar e de andar. Tão longe de casa, embora no lugar em que nasci. Em Janeiro de 2013, a história do gado bovino de que ainda rimos em família. Desta vez na estrada nacional vinda do Sul, o bicho aparecido do nada, imerso na noite. Uma nuvem a cobrir todo o espelho da frente, a pancada, depois as sirenes, o aparato das duas vias cortadas. Nenhum arranhão na pele, nada partido, nenhum trauma. A sorte que nasce do azar ainda se chama sorte?

Perante tudo isto deveria estar confortável com a entrada tão sossegada e planeada amanhã no hospital para uma operação que todos dizem ser simples. Mas estou angustiada. Em primeiro lugar não gosto de tirar coisas de dentro de mim. Em segundo não gosto que estranhos me toquem. Em terceiro tenho claustrofobia galopante (ou seja, tem vindo a piorar). E desta vez sei, das outras não sabia, fui apanhada na curva. É assim um dia estranho e estou desconfortável, talvez um eufemismo para a palavra medo.


Tenho um recado: tragam-me de volta que eu ainda quero ver nascer a lua muitas vezes.

~CC~

domingo, 20 de outubro de 2013

Considerações sobre finanças



Sobre o atoleiro em que andamos metidos está quase tudo dito, ocupam esse espaço uma centena de blogues dedicados ao assunto.

Agora os ministros...

A Maria Luís tem ar de menina que estudou bastante e se portou sempre bem, programa bem as roupas com o sorriso, o louro parece ser genuíno, o que nos invoca genes pouco mouros e mais germanos, adequados aos tempos que correm. É uma mulher moderna, fala bem Inglês e não nos envergonhará em qualquer salão europeu. E não perde a compostura, ultimamente ensaiou uma manobra de empatia com os portugueses, invocando o seu papel de mãe de três filhos, coisa que Gaspar nunca faria. Ficámos a perder. Gaspar não podia ser levado a sério, tinha aquele toque de pessoa que não era bem pessoa, parecia uma marioneta bem ensaiada, soletrando as palavras e vincando o seu significado como se falasse para extraterrestres. Não praticava a empatia, muito menos o sorriso cândido ou o desvio do texto de base para órbitas familiares. Gaspar era um funcionário, esses como sabemos, são os mais bem preparados para lidar com a banalidade do mal. Cumprem quando estão em cena e e saem dela discretos, rumando para bem longe, tão alheios como começaram. A Maria Luís Albuquerque é de outra fibra, por parecer humana, assemelha-se a alguém que sofre. Esses que dizem ser como nós, sentir como nós, esses são mais assustadores. Se têm, como ela diz, consciência do sofrimento alheio e ainda assim o perpetuam, como poderemos chamar-lhes?

~CC~


Paternidades


Eu também sou filha da leitura, tanto ou mais do que da escola. Gostar de ler foi o meu passaporte para horizontes maiores. Hoje sou também filha da Culsete, esta livraria que se colou como um bem à cidade. É preciso lutar muito para que estas livrarias não sejam varridas do mapa e o melhor a fazer é mesmo ir lá comprar livros. Fazê-lo é uma experiência bem diferente do que comprar noutro lado qualquer, se lá estiver o livreiro é certo que a conversa será boa. E os moços mais novos, mesmo sem o carisma dele, já se vão ajeitando.

~CC~




sábado, 19 de outubro de 2013

Centenário


"Notou que a sua cerveja preta era o whisky do patrão!"


Vinicius não escreveu apenas das mais belas canções de amor de toda a música brasileira, ousou incomodar-se também com seu semelhante, sonhando que onde ele antes dizia "sim", aprendeu a dizer "não". Ainda precisamos tanto dessa aprendizagem.

(gosto mais do poema dito pelo Mário Viegas, mas seria injusto não o homenagear com o português do Brasil, essa língua que é mesma e é outra).

~CC~




sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A mais bonita



Tito Paris cantou-a hoje.
Sorriso doce. Que saudade de um beijo.
Fazer um mar de poesia.

~CC~

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Homens frente ao rio



Ao fim da tarde, homens dentro dos carros, parados, de frente para o azul do rio. Esfria ao fim da tarde, nenhum vento que os impeça de sair, de caminhar. Contudo, eles ali estão imóveis, parecem-me ter os olhos vagos, vazios. 

Quando cruzei o primeiro, nada achei de estranho, era só um homem dentro do carro. Mas logo apareceu um segundo, um terceiro. As idades a variar entre os cinquenta e os sessenta em cinco. Ali parados de frente para o rio, sozinhos. Hesito classificá-los, algures entre os reformados jovens e os desempregados tardios, entre os divorciados recentes e os de longo e cansado casamento. 

Pensava que só as mulheres vinham assim fluir de um fim de tarde, lavar os olhos antes de ir para casa. Hesito em classificá-los: algures entre aqueles que não querem chegar a casa a horas de ajudar ao jantar ou aqueles que escondem a poesia a correr-lhes nas veias. O certo é que não saberei quem são. Serão apenas três homens ao fim da tarde junto ao rio.

~CC~

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Abraçar




Hoje o meu dia passou por aqui. Estes realizadores têm um modo curioso de referir o que fazem: dizem que contam histórias do mundo natural. Observam os rituais de uma família, esperam que a rosa albardeira floresça, aguardam que a borboleta que mora no medronho saia do seu casulo, mergulham à procura de um caracol marinho que por só se alojar no estuário ficou com o nome da cidade. Tudo isto para uma coisa só: ligar as pessoas à natureza, sem esse laço somos dela o seu efectivo destruidor. Mas como somos parte dela iremos de arrasto.


~CC~

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Olá Brasil




O mano veio, o mano foi. Em tudo essa saudade, essa gente tão outra, tão nós. 

~CC~

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Guarda rios


O teu coração tem a luz prateada e azul da lua, por mim passam os ribeiros.

Certas imagens são em si mesmo uma história. Dessas histórias em que a felicidade é pintada de negros, azuis e laranjas. Certos lugares são em si mesmo um rio de almas que se foram despindo até lhes sobrar apenas a nudez, essa coisa tão feia e tão linda. O amor é um depósito de marcas que o tempo constrói, sobrevivente brilha mais.

Certos pássaros contam histórias de pessoas, o meu é um guarda rios. Adiante encontraremos a nascente.

~CC~


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Doenças modernas



Parece que os miúdos deitam álcool nos olhos para a bebedeira ser mais rápida. Parece que os arquitectos decidiram fazer escritórios onde as janelas não abrem mais e as pessoas adoecem porque o ar depende da abertura das tubagens. Não há edifício público no qual se possa entrar sem mostrar documentos, não raro confiscados logo à entrada e não se deixa sair ninguém que não traga o papel devidamente assinado. As pessoas adoecem com o controlo a que estão sujeitas, os que estão dentro e os que estão fora. As pessoas adoecem porque não têm no FB o número de likes desejável para se sentirem amadas. Os formandos, já adultos, perguntam-me se são avaliados também pelo número de entradas na plataforma moodle, confesso que me custou a perceber. Pensava que o moodle era uma coisa prática e boa e não um controlador de entradas.

As pessoas quando ligam às outras, uma coisa rara porque há mails e fóruns para dizer tudo, começam as suas frases por: estou doente, estou cansada, hoje aconteceu-me uma chatice. Depois chegam os amantes das estatísticas e afirmam que as doenças mentais afectam x da população portuguesa, y vive a antidepressivos.  Ficamos a saber, que bom, não nos preocupa muito porque as estatísticas não têm rosto, não são da nossa família, quanto muito algum amigo do FB.

Dá muito trabalho manter-me saudável num mundo doente, qualquer dia adoeço, se é que já não estou.

~CC~




quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Publicidade duvidosa


À partida parece uma simples imagem de praia mas vejam um pouco melhor. O que é que se associa a esta imagem de férias? Em que posição estão estas mulheres? O que está na cabeça de quem faz publicidade? E de quem a aceita como sua imagem de marca? Como chegam até nós as mensagens subliminares e se alojam no nosso cérebro?

~CC~



segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Na volta



O meu pensamento viaja no jardim daquele espaço entre o passado e o futuro. Penso como chegámos aqui todos juntos depois deste anos tão difíceis, uns lá mais atrás e outros mais recentes. Penso nas feridas que temos e que nestes dias parecem meros risquinhos na pele. Estamos invulgarmente calmos para uma festa, até as crianças estão mais ou menos tranquilas, embaladas pelos tons de coral escolhidas pelas duas moças. Que parentesco as une? Não sei dizer, já não há nomes para designar todos os laços, era necessário inventá-los. 

Estamos felizes mas não é mais aquela alegria aparvalhada que nos deixava meios histéricos nestes dias. Envelhecemos não há dúvida e com esse envelhecimento também trazemos outra paz aos nossos adolescentes e às nossas crianças. Há tristeza misturada com a nossa alegria. É pelos que não estão, é pelo futuro que anuncia mais partidas em busca de trabalho ou por mera saturação do país que temos. É por medo, eu fico invariavelmente triste sempre que sinto os meus sonhos a fugir-me. Sempre quis ter uma casa onde pudesse abrigar toda a gente, um lugar para a família, fazer uma sopa para todos com os legumes colhidos na horta. E todos juntos é cada vez mais miragem. A casa é cada vez mais miragem, fico a desejá-la sozinha mas não é sozinha que a quero ter.

Penso nesta rapariga sobrevivente que acompanhei à quiomioterapia com apenas 30 anos e como se casa agora na presença de dois filhos, um nascido antes e outro depois. Quando ela disse que este dia parecia um milagre, a outra mana respondeu certeira: se há milagre aqui és tu. 

Esse foi sempre o nosso segredo, sermos a nosso modo e cada um de nós, um milagre. Atendendo a que milagre quer dizer aqui ser uma coisa frágil que resiste a um vento forte, caminha por uma tempestade, deixa-se curvar para se erguer mais adiante.

~CC~




quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Laços



Os pais deste moço lindo com que me enleio casam-se no próximo Domingo. É bom porque vem o nosso único irmão do Brasil (aqui somos só manas) vestimos uns vestidos mais bonitos do que os habituais e se estiver bem disposta até ponho rimel. Continuo a saber muito pouco do amor e ainda menos de casamentos mas parece que o bolo é simples e original e os agora noivos pareciam já estar a ensaiar no casamento anterior (da outra mana). Vejam lá o que fazem pois não podia gostar mais dos vossos filhotes.

~CC~

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Esse deslumbramento



Será mesmo verdade que morreu J.M.G Clézio? Não consigo confirmar a notícia. Esse escritor lindo, reservado, tão alto e tão distante, o europeu menos europeu deste continente? Gostava muito da poesia que para mim ele escrevia em prosa, as descrições mais belas da natureza são dele, como em Duras há o deslumbramento francês pelas indomáveis ilhas, água em dilúvio, calor húmido. Também gosto das mulheres dele, as continentais tristes, as nativas selvagens, a clonagem de umas e outras em figuras ambíguas e perdidas à procura de si próprias. O amor é sempre um laço intenso, cruzado quantas vezes pelo afastamento e pela dor. A dificuldade em guardá-lo mesmo quando é intenso.

Mas não há nada que ele descreva melhor do que o emudecimento do homem pela natureza, essa comoção quando alguém se vê diante do mar, de uma floresta, do alto de uma serra e se deixa tocar pela beleza. Já senti a mesma coisa muitas vezes, quase uma vontade de fusão com o coração que parece bater na terra.

Apenas 66 anos, podia ter ficado por cá a escrever mais algum tempo para nós.

~CC~



terça-feira, 1 de outubro de 2013

Gigantes


Esta música sempre foi a minha música. Representa como um quotidiano banal se pode iluminar, essa possibilidade de nos superarmos que vive ao nosso lado.

(Chico e Vinicius, tão novos, tão maravilhosos)



domingo, 29 de setembro de 2013

As últimas



Se nada mudar, estas autárquicas são as minhas últimas eleições, não voltarei a votar. E nestas só votei porque sei quem são estas pessoas, o nome delas diz-me alguma coisa e sei o que fizeram e querem fazer neste concelho, já os partidos pelos quais concorrem não me dizem absolutamente nada. 

Uma nota positiva, cheguei às urnas apenas com o meu cartão de cidadão e deram-me todas as informações necessárias. A mesma coisa com as pessoas que lá estavam na mesma situação que eu. E fizeram-no com competência e simpatia.

~CC~

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Manhã de chuva



Tirei uma seringa cheia de sangue escuro, nada mau, parece que os glóbulos vermelhos não me abandonaram. Para comemorar, apanhei a primeira grande molha de Outono,fiquei encharcada dos pés à cabeça, já não sabia o que era ver umas calças de ganga a mudar de cor. Aos quinze era a nossa melhor brincadeira no pátio dos pré fabricados da Secundária, chapinharmos nas poças e deixarmos os cabelos a escorrer de chuva. A professora de Fisico-Química a perguntar: expliquem do ponto de vista científico o que vos aconteceu. E nós: mudámos para o estado líquido.

O céu não está apenas escuro, fala na sua língua pouco convencional, é bom que o respeitemos. E a estrada do Sul para fazer com toda esta água. Rolar devagar, assim ainda passo pelo meu território amado e adiado: esse Alentejo. 

~CC~

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Destino




Lugares que moram uma vez no olhar e se infiltram em nós como destino provável de uma vida. 
~CC~





terça-feira, 24 de setembro de 2013

Truques de fim de estação



A noite que chega mais cedo, o primeiro frio a entrar na pele, o prenúncio da chuva, uma maldita tristeza que sinto ao despedir-me de cada Verão. Cada um tem um tempo de risco, para alguns é o Natal, para outros os anos, para outros o tempo do maldito calor. Para mim é esta entrada nos tons castanhos, folhas mortas, caídas, um cheiro a morte por todo o lado, os bichos a enfiarem-se na terra, os pássaros de partida. O meu corpo a combinar com o Outono, num lento apodrecimento, enfim rendida a mais que necessários cuidados médicos, uma coisa que não suporto. Ainda assim muito aquém do que sinto precisar.

Quando me cruzei contigo há anos tinha feito batota com tudo, era Outubro mas tomávamos banho no mar e estendíamos as toalhas ao sol. Era Verão no Outono. Belo truque que usaste, ainda não sei como o fizeste.

Precisava que me guardasses o mês inteiro dentro do teu coração para poder sobreviver aconchegada no teu calor, de saber que a minha morte foi apenas um simulacro, como se faz quando se ensaia um sismo e todos se levantam das macas, a rir depois da representação. 

Nos desenhos novos das nossas velhas vidas imagino-te como um miúdo a caminho da escola nova, a melhor coisa que existe é a capacidade de nos reinventarmos os mesmos e ainda assim outros. Os laços que duram sem ser por obrigação só podem ser por imaginação.

~CC~

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

E ainda,,, a excelência dos outros




É tão bonita a forma como o poeta o diz.



Originalmente visto aqui - http://nemsemprealapis.blogspot.pt/, um blogue de excelência.

A excelência dos outros



Acontece-nos tropeçar nas nossas palavras e nos nossos sentimentos mas não fomos nós a expressá-los, foram outros. É o que me acontece com este texto.

Com ele veio toda a minha infância, os pés descalços, o sumo das mangas a escorrer-me das mãos, as canas dos mamoeiros para fazer bolinhas de sabão, as árvores para subir, a rua toda para brincar.

~CC~

domingo, 22 de setembro de 2013

Danço mal mas danço.


Este lugar às nove estava assim. Às 11h dois bailarinos dançavam. Meia hora depois chegou a banda cubana. À meia noite e meia estava cheio de aprendizes de salsa. Divertidos, caóticos, livres, errando o passo com o mesmo gosto quanto procuravam acertar. Atrás da banda uma paisagem de hortelã para os mojitos. Nesta altura já dançávamos todos aqui. E eu, um ano mais velha. A dançar, um bocadinho tosca, cada vez menos tosca. E sem medo, que é mesmo o princípal.

~CC~


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Olhares



Já conheço os corredores, as várias salinhas de espera, os átrios, os estranhos elevadores. Os hospitais públicos são todos mais ou menos iguais, esperamos horas e temos sorte se nos calhar uma cadeira. Vale-nos a crença de que ali estão os melhores, é isso que nos salva da zanga. A mim salva-me também a paisagem humana. Às nove da manhã as pessoas - em geral entre os 60 e os 91 (sim, hoje conheci uma fantástica senhora dessa idade) - ainda se calam comedidas, enfiadas no seu semblante sério. Uma hora depois a conversa flui e ganha volume sonoro, de tal forma que a voz que chama cada um deles fica sumida e distante. É preciso que a auxiliar de acção médica os venha lembrar que estão num hospital e não no café da esquina (a chata). Há claramente uma linha de fronteira entre estes utentes e os que vi na primeira consulta que decorreu no consultório privado do especialista, ele encaminha para aqui os que não têm seguro de saúde nem sítio onde cair mortos, vulgarmente dizendo. Sei que o faz com e por bondade mas inevitavelmente estão criados os dois mundos. Eu confesso, até gosto mais deste.

Hoje uma senhora dos seus 65 anos, com um ar muito rosadinho, imaginei-a eu como vinda do Minho e pertencendo ao rancho folclórico local dizia alto a uma outra que tinha comentado o seu bom ar: é porque a senhora não me vê por dentro. Estou com uma depressão há mais de 30 anos, não consigo ir para lugar nenhum sozinha, se me deixarem, não sei voltar para casa. E lembro-me, nunca mais me esqueci, dessa primeira crise, um vazio, uma falta de coragem para viver, um buraco negro. Dizia-o com quem escreve um livro, com palavras belas e fundas que em nada combinavam com o rosto de maças vermelhas que tinha. Ainda dizem que no mundo rural as pessoas não se deprimem, que não sabem o que é isso. Temos tantos preconceitos, imaginamos que certas coisas só podem pertencer a alguns. No entanto, nunca vi tanta tristeza como nos lares que visitei em aldeias e vilas deste país, parecia quase contra-natura eles estarem ali, muitas vezes deixando para trás a casa e atrás dela a horta, o pequeno jardim, as fotos sobre as cómodas.

~CC~





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

De louco...todos temos...



A lua assim redonda e cheia nesta noite fora de casa. Desta vez consegui uma janela para ver o rio Mondego correr neste brilho nocturno e assim fazer-me soterrar os medos e o sufoco. Sou uma contradição viva: adoro viajar e acordar fora de casa mas não durmo quase nada fora da minha cama e sem a minha almofada. Um ou dois dias estive no limite: saí para os corredores do hotel andando de um lado para o outro sem parar num deambular fantasmagórico. E num outro pensei sair pela janela, voar, libertar-me das grilhetas. Logo eu que adoro viver. Pílulas de dormir estão fora de questão.

Aprendi duas coisas, uma delas muito dolorosa: não consigo nem posso dormir com alguém no mesmo quarto se não tiver uma relação de proximidade, não pode ser simplesmente colega. Aprendi-o da pior maneira: passando quase uma noite inteira em pé junto à janela enquanto a colega apanhada de surpresa me queria levar ao hospital, achando que eu tinha falta de ar. Sim, tinha, mas era meramente um sintoma psicológico. Poderia talvez tratar-me, mas prefiro auto-tratar-me.  É uma espécie de faça você próprio, acreditando que temos que aprender a viver e dominar a loucura que nos habita.

Há vozes do outro lado da linha que me acalmam. E a tua é digna da rádio, deve ser por isso.

~CC~

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Até quando...



(Quanto tempo estarei mais aqui?)

Não posso ainda saber como se chama, mais para diante talvez. Ela disse-o mas esqueci rapidamente. Somos só seis, o nosso curso parece que não vai abrir, diga.me que não é verdade. Isto é o que eu sempre quis. Gosto do Património, gosto da Cultura. 

(Minha linda não sei quem lhe falou em verdade, hoje em dia é difícil falar nela).

Tem uns olhos grandes e muita convicção. 
Eu nem percebo como é que há tanta gente a tirar Comunicação Social, isso há em todo o lado, vão ser milhares. Este curso é único aqui, não há nenhum a juntar estas duas coisas, era assim que eu as imaginava.

(Minha linda, ao teu lado estão sentados vários alunos de Comunicação Social, não ouviste a colega da Madeira dizer que nem tinha esperança de conseguir entrar? Como podemos mandar nos gostos das pessoas, eles não são à medida do mercado de emprego, até porque minha linda, o conceito está também em vias de extinção)

Não desarma mas entristece.
Se não estudar aqui, se o curso não abrir, acho que desisto, não tenho coragem para já de voltar a concorrer.

(Minha linda, vamos chegar um dia a um estado limite em que perguntaremos se vale a pena ensinar alguém a ler porque afinal ler nem dá assim tanto emprego, por exemplo nos supermercados basta encostar o código de barras e o preço lá aparece...)

Nunca comecei um ano lectivo pensando até quanto estarei aqui, ali.

~CC~



domingo, 15 de setembro de 2013

Protestos contra o Relvas no Brasil: que orgulho nos nossos jovens.




Vejam bem como são corajosos! Repliquem, enviem, publiquem. O Miguel Relvas desprezou-os dizendo que eram apenas três. É necessário mostrar o quanto nos revemos neles apesar de serem só três.

~CC~

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Animais feridos


Queixava-se na farmácia:

- Ainda hoje uma colega minha foi tão insultada...disseram-lhe que ganhava um ordenado chorudo para estar sentada e que nós, funcionários públicos, não fazíamos nada. Diga-me lá se 650 euros líquidos são uma fortuna....e o nosso trabalho é atender em pessoas e mexer em papéis, isso cansa tanto como outra coisa qualquer...

Tratava-se de uma senhora em idade de pré-reforma, via-se que cansada e desgastada. 

É isto que se tem conseguido de forma muito clara: colocar uns contra os outros. O governo é quem fica a rir.

Ontem uma colega minha dizia com muita clareza: todos os dias nos enchem de medo, vivemos sob ameaça. Acrescento do que tenho visto e vivido nos últimos dias a propósito do ensino superior - as frases já não começam como uma óptica de desenvolvimento: é importante fazermos isto porque vai melhorar aquilo. As frases começam pelo medo: se não fizermos isto vai acontecer aquilo. E o aquilo é sempre o mesmo: fecho, desemprego, fim.

O que isto deixará em nós nas instituições que não fecharem efectivamente é algo que demorará muito a desaparecer. Vivemos como animais feridos.

~CC~

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sujeitos ou objectos...


Não, esta não é uma conversa sobre os piropos. Mesmo sem participar em redes sociais já cá chegaram os ecos da discussão. Gosto muito deste texto e quando achamos que alguém diz bem o que pensamos, escusamos de repetir.

Esta é uma conversa sobre os sistemas de saúde público e privado, se é que é possível falar deles assim. A maior parte das pessoas que conheço e nas quais me incluo defendem que temos um bom sistema público de saúde mas sempre que podemos recorremos ao privado. É contraditório mas explica-se. Se estivermos numa situação urgente recorremos ao hospital público porque sabemos que em situação de emergência estão lá os médicos mais experientes e a sua própria experiência acumulada de anos de tratamento dessas situações. Há normalmente equipamentos bons nos grandes hospitais públicos. Nessas situações pouco nos importa a decoração, as batinhas lindas do pessoal ou o ramo de flores naturais na mesa do atendimento.

Se estivermos doentes e soubermos que é situação prolongada ou a exigir uma intervenção operatória, escolhemos um privado, preferencialmente se tivermos um seguro de saúde. Porquê?

No privado podemos escolher um médico e ele quase de certeza irá tratar-nos pelo nosso nome. Se necessitarmos de uma intervenção eles são capazes de a agendar para um prazo muito razoável (com dinheiro à vista é claro). É tudo mais simples e menos burocrático, embora os tempos de espera tenham aumentado muito. Quase sempre nos explicam o que há a fazer. No entanto, não me pareceram fiáveis os médicos do atendimento permanente ou das urgências, quase sempre estrangeiros sem qualquer capacidade de comunicação com o doente. Aí é a despachar, talvez porque não haja grande coisa a ganhar.

Pergunto se as coisas boas do privado não seriam possíveis no sistema público. Estou convencida que sim. A primeira coisa seria mudar o paradigma, deixar de tratar os utentes como parasitas do Estado, parece que estamos lá porque nos fazem um favor, não porque temos esse direito. Não somos tratados como sujeitos e por isso é que não podemos escolher nada, escolhem tudo por nós. O médico só pode ser aquele, o medicamento é aquele e mais nada, a operação faz-se daquele modo e não se diz que há outras opções. Uma vez numa urgência deram-me duas potentes injecções de cortisona sem me perguntar nada e um medicamente potente para a dor, também injectável. Não me deram qualquer opção, mandaram o enfermeiro aplicar. Chegamos lá e transformam-nos num corpo inerte, sem vontade própria. Uma vez na consulta do viajante ia avisada para perguntar pela vacina contra a cólera. Perguntei e ele explicou-me que era muito cara e não tinha comparticipação. Eu queria tomar e tomei, paguei-a. Estou convencida que foi um salva vidas para mim uma vez que estive muito doente em Angola e os sintomas eram muito semelhantes aos da doença. Nenhum dos meus colegas que foi ao país em missão idêntica o perguntou, nenhum a tomou.

Se o paradigma não muda é porque é bom desinvestir da melhoria do público, obviamente que se sabe porquê.

~CC~