quarta-feira, 31 de maio de 2017

Andorinhas



Voltam, elas voltam ao mesmo local onde colocaram o seu ninho. Insistem, mesmo quando lhes tentam desfazer os planos. Aqui fizeram-no num sítio altamente improvável, mesmo por cima da porta da entrada na cozinha, logo a porta que se abre mais. Pudemos assistir a tudo, ao depósito dos pequenos ovos, às cinco crias que abriam os bicos mal ouviam um barulho, num pedido estridente por comida, ao modo como cresciam e mal cabiam no ninho, ao modo como a mais frágil foi atirada para fora e morreu aqui no chão, mesmo ao pé de nós. Agora os pequenos já voam o dia todo e voltam para dormir à noite, enfiando as cabeças para dentro do ninho, já não cabem lá dentro. Os pais ainda vigiam, dormindo por perto, no telheiro. Como é que esta vida se passou a desenrolar em locais urbanos, na proximidade dos humanos, é coisa que me espanta mas me maravilha.

~CC~


sábado, 27 de maio de 2017

É o que verdadeiramente importa


É uma nota tão pouco usual que parei nela...na semana em revista, assinada por Pedro Cordeiro no Expresso, entre políticos, vedetas do futebol ou do cinema, aparece o seguinte:

Jacarandás
"Este foi o seu mês. Num ritual que compensa o seu carácter efémero com a promessa de se repetir ano após ano, encheram os céus de roxo e animaram o quotidiano de quem sabe olhar para eles"

Fico a imaginar um jornal assim, todo feito de poesia, iluminador e iluminado.

~CC~

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Tal qual


As palavras que eu gostava de dizer...e se possível a dançar assim.



É Malu Magalhães.

~CC~

quarta-feira, 24 de maio de 2017

É difícil



Voltei ao yoga, desta vez adaptado a doentes oncológicos. Deve ter sido por essa pequena diferença que o professor nos propôs apenas relaxamento. Uma hora deitada no chão, conduzida pela voz dele, pelas ideias dele de paz interior.

Ir lá aos lugares felizes, a essa lembranças, associar-lhe uma cor. Como é que uma coisa tão fácil pode ser tão difícil. Lembrar momentos felizes. Nada me aparecia nítido, suficientemente capaz de me inundar, de me levar. Mais queria sair dali, fugir.

Depois consegui, fui até aquele campo de tremocilhas junto ao rio mira, ao Alentejo na Primavera, tu e eu e as nossas duas meninas, ao monte que cruzámos no meio das flores. Foi uma coisa que apareceu. E amarelo, o amarelo a pintar o verde daqueles campos. Ele insistia nas coisas felizes mas eu não fui capaz de ir mais longe, a mais momentos. Depois dei um salto enorme no tempo e lembrei-me da minha filha, do bebé lindo que ela era e de a ter ao colo assim pequenina. Mas fixo-me nessas coisas muito tempo e ele já está noutra coisa qualquer, tudo me demora tempo e esforço. Sempre a vontade de sair dali e ter que a conter, saber que é importante conter esse pensamento.

Quando acaba, ele pergunta-me como foi e tenho que dizer que foi difícil, muito difícil. E ele acerta: é-lhe difícil estar uma hora sem fazer nada? Sim, é. No entanto, foi uma aprendizagem que fiz no hospital e que não posso perder agora. Sim, ficava muito tempo sem fazer nada, só a pensar, tanto no hospital, como quando vim para casa. Mas agora o corpo pede cada vez mais movimento, a cabeça também. Mas quero parar. Uma hora no chão sem fazer nada, que difícil foi.

~CC~

terça-feira, 23 de maio de 2017

Arrepio



A miúda que se atirou do viaduto, conduzida por um curador do dito jogo perigoso (que afinal parece que nem era a sério, fazia-se só passar por) é de uma fragilidade tão grande que anula todos os estereótipos que se têm sobre uma juventude ultra mal educada, sem valores, sem objectivos, a querer experimentar o jogo para testar os limites. Terminou a entrevista a dizer aos pais para darem carinho aos filhos, se possível um beijo de boa noite. De arrepiar.

Ela não representa todos? Pois não, representa-se a si própria e já é muito para nos mostrar como às vezes andamos ao engano.

~CC~

sábado, 20 de maio de 2017

Mangas com caroço



Gostar de mangas, maduras e cheirosas, já comprei muitas más, não é fácil aqui encontrá-las boas.

Mas não saber ao mesmo se comê-las não incluir chupar bem o caroço. Ontem consegui fazê-lo e soube-me tão bem (ou soube-me pela vida, como diz a voz popular).

Ainda hoje rimos do que aconteceu há uns anos. A minha irmã estava hospitalizada, com uma gravidez de risco e levei-lhe uma manga. Diz que era deliciosa e a comeu sofregamente. A seguir nasceu a criança, prematuro de apenas 25 semanas (875g), sobreviveu e é hoje um menino com saúde. A manga pode ter acelerado o processo mas foi sem dúvida ingrediente da sobrevivência. Em Moçambique, na Ilha do Ibo, era assim que as crianças sobreviviam, comiam mangas todo o dia, eram uma oferta da natureza.



~CC~

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A grande encenação



Leio a crónica de José Luís Peixoto no último Expresso, é sobre a Coreia do Norte. Conta-nos como um país se pode encenar grande, sendo apenas miserável. E como os outros fingem não só engolir essa encenação, mas ainda a aumentam, por lhes dar imenso jeito. 

Como não lembrar as armas de destruição maciça que estavam enterradas em bunkers por todo o Iraque, a mais pura encenação de um país para justificar uma invasão ocidental. Foi ali que começou a destruição que hoje se estendeu.

Diz o JLP que ainda há carrinhas movidas a lenha na Coreia do Norte, que tudo é obsoleto e remendado mil vezes, estão a anos luz em matéria de tecnologia. Eles apenas marcham bem em linha e atiram misseis quase sempre com fracasso, falam em voz grossa e não temem a matança colectiva do seu povo. Serão loucos mas mais loucos são os que os pensam atacar.  Serão uma ditadura, tal como a Árabia Saudita, aquele país que o actual presidente dos EUA escolheu visitar em primeiro lugar. Esse mesmo em que as mulheres não podem conduzir, nem ir ao médico sem a autorização dos maridos.

Encenação, a política está cheia de grandes encenações, de mentiras que mil vezes repetidas se tornam "a verdade". E nem sempre conseguimos percebê-lo.

~CC~


quinta-feira, 18 de maio de 2017

Voltar



Como voltar ao espaço profissional é difícil. E faço-o com cautela, devagar, ainda não é o regresso a sério.

O melhor chega nos abraços dos alunos...e dos colegas que foram parte da nossa luta.

Voltamos a um espaço que já não é o mesmo, na nossa ausência foram feitas mudanças, introduzidos outros elementos, desviados objectivos que eram nossos. Alguém se sentou na secretária que era a nossa e deixou marcas que demoramos a reconhecer. Agora a secretária é para ser partilhada. Tentamos ver o lado positivo de um objecto partilhado, mas é tudo tão recente que só sentimos invasão, talvez o tempo traga o outro lado. Concentro-me nesse outro lado, apagando sombras. Acho que consigo.

Constato que a marca afectiva é a única que permanece, todas as outras, desenvolvidas ao longo de anos de trabalho e profissionalismo, são fáceis de apagar. Para que foi tanto esforço?!

Faço o tal truque de desligar o botão se não é boa a luz que me chega. É, por ora, necessário accionar todos os mecanismos de protecção possíveis, hei-de conseguir trabalhar em mim esta lógica de relativismo e despreendimento. O único poder válido é o de fazer coisas e de estar com as pessoas, tudo o resto vale zero.

~CC~

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Festivais literários



Para alguns autores, os festivais literários são uma coisa de arrepiar, uma nova moda que veio perturbar ainda mais aquela paz que praticamente alguns só quebravam na feira do livro. Respeito-os e compreendo-os, algum recato e solidão fazem parte do processo de escrita. Outros gostam dessa abertura e contacto com os possíveis leitores. Gosto também desses, não sacralizam o ofício. Ao princípio também senti uma certa resistência, são tantos os festivais que tudo parece já banal e, sobretudo, comercial. 

O único do qual me tornei mais ou menos fiel foi o Fólio, em Óbidos. Tem qualidade, público, alegria e é num local muito bonito. Pouco a pouco fui sabendo da existência de mais, alguns com uma temática específica, mas não me foi ainda possível ir, conhecê-los.

Ontem conheci o FLIQ - Festival Literário Internacional de Querença. Querença é uma pequena aldeia preservada na serra algarvia e quem o dinamiza é a Fundação Manuel Viegas Guerreiro. É importante para abrir a aldeia ao exterior e criar público para os livros. A sala estava completamente cheia, muita gente em pé, quase tudo gente de fora, pareceu-me haver muito pouca da própria aldeia. Aninhado na própria fundação, o festival parece fechar-se ali em vez de descer às ruas, aos cafés, aos restaurantes, ao palco aberto da própria aldeia. Isso não impediu que tivesse gostado, sou mesmo assim, estou sempre a pensar como é que uma coisa boa ainda pode ser melhor e a achar que tudo se pode relacionar com tudo, abrindo, abrindo portas.

~CC~

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Liga mais vezes para me dares notícias dessas


O telefonema que esperava. Atrapalho-me a atender, digo frases com pouco nexo e nem consigo dizer a palavra ansiosa, é ele que diz o que penso: pois, estava ansiosa pelo telefonema.

Um dos meus médicos, é um deles, logo o cirurgião das poucas palavras e muita reserva que o diz: por ora não haverá mais quimioterapia.

Já imaginava um Verão desgraçado em que voltaria a ser mulher bomba (com infusor da quimioterapia preso a mim como andei três meses), o cansaço, o medo das infecções, o cheiro intenso do químico, os enjoos e enfim a fragilidade a acrescentar agora ao baixo peso. Sei que não posso esquecer-me de que ainda sou uma doente, de que o serei nos próximos cinco anos até poder pronunciar a palavra curada (se é que um doente oncológico alguma vez a pode pronunciar de boca cheia), mas é infinita a alegria que sinto.

Depois de ter a vida por um fio, das cicatrizes ao longo do meu corpo me evidenciarem isso todas as manhãs, da dificuldade que ainda sinto em comer, percebo que posso começar a viver, ainda que devagarinho, de outra maneira.

Apeteceu-me dizer ao cirurgião: liga mais vezes para me dares notícias dessas. Mas sei que ele não se riria, ficaria em silêncio sem saber o que me dizer.

~CC~




quarta-feira, 10 de maio de 2017

Ao inverso



A sensação de viver, agora que as dores passaram, é tão boa, que nem a chuva me incomoda, penso nela como o cheiro da terra molhada. Estes são truques que nos aliviam, pensar ao inverso, cortando o mal estar. Ando a experimentar fazer duas coisas: desligar assim que alguma coisa me irrita; inverter o sentido do que não gosto, transformando-o noutra coisa.

Não é que partilhe da Psicologia positiva como uma panaceia para tudo, alguma inquietação e incómodo são e sempre serão não só um motor de mudança para o mundo, como para nós próprios. Contudo, estou cada vez mais certa que não posso voltar a deixar que a insatisfação domine parte do meu corpo, comportando com isso doença. Não acredito que a parte física não seja reflexiva face ao que pensamos e sentimos, por mais que a medicina não o prove realmente.

~CC~

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Sair



Mergulhar no verde e no azul em pleno, como um náufrago procura terra, assim ando eu à procura da natureza.

~CC~

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Regressar devagarinho



Ontem, depois de dois meses de rejeição quase total à comida, liguei para o canal que mais vi antes desta coisa tomar contar conta de mim. Aguentei 15m, não foi mau. Começo devagarinho a pensar em comida. Saudades maiores: uma boa fatia de pão, sushi.

~CC~

segunda-feira, 1 de maio de 2017