terça-feira, 8 de julho de 2025

Eis o que nunca me deixa cair

 


Juntos numa festa de anos, famílias que um par uniu e que por eles e com eles se aproximam, para lá das tantas distâncias, os pontos de encontro podem ser feitos da simplicidade que liga as pessoas boas.

Juntos no quintalinho em torno de uns frangos assados, uma salada de curgete e outra de beterraba com laranja, tudo produtos que alguém trouxe do lugar a mais de 100 Km onde mora. Nunca perdemos contacto mas jamais pensamos um dia estarmos ali, num só porque sim.

Juntos no meio da arrábida, onde inesperadamente crescem bananeiras e alcachofras, porque a terra pode ser generosa com quem a ama e os desconhecidos podem juntar-se para caminhar e comer uma melancia arrefecida na água da fonte. Alguns nunca mais verei.

Juntos porque me ligas por me saberes triste e me queres dar notícias para me animar, me fortalecer, me dar horizonte, não obstante em tantos quotidianos triviais não me atenderes o telefone. 

Juntos depois de mais de trinta anos sem nos vermos, sentir o nosso encontro colectivo tão bafejado de alegria, viajamos entre o passado e o presente mas não nos deixamos prender nas teias de quem está ali só para recordar tempos velhos e já gastos, queremos ser um agora e um presente.

Juntos aqui na minha casa, a minha família mais estreita, mais consistente, mais imponderável, laços que nunca perdemos e reavivamos agora numa configuração adulta e sem amarras.

As pessoas boas, as pessoas boas juntas, eis o que nunca me deixa cair.

~CC~



terça-feira, 1 de julho de 2025

Cinco cerejas

 

Chegaram tardiamente e muito caras, mas invulgarmente grandes.

Compro apenas meio quilo, lavo metade e deixo-as no frigorifico. São tão belas nesta sua cor, nestas suas matizes de vermelho e rosa. Algumas são doces, outras meio ácidas, mas têm que ter sempre a polpa rija na primeira dentada. Como cinco e devagar. Deixo o caroço na boca um bocadinho, gosto de o sentir e prolonga o momento até à seguinte. Está muito calor e estou muito cansada. Mas tenho as cerejas. Tenho o meu gosto por elas, por as morder, por as sentir, por as agradecer.

E em cada cereja comida há uma lágrima que se escondeu dentro dela e se transformou em vontade de sorrir. Hoje consegui cinco sorrisos vermelhinhos.

~CC~

sábado, 28 de junho de 2025

Filosofia de pacotilha

 

Aqui na mesa um casal jovem, abaixo dos 30 falou durante quase duas horas, melhor, ele falou quase sempre e ela mal conseguiu terminar uma frase. 

Ela, uma miúda negra giríssima e muito simples.

Ele, aparentemente um jovem normalíssimo, um bocado descolorado é certo, mas na realidade um filósofo em parte gerado nas redes sociais, em parte em alguma igreja ou credo ou afins, cujo nome específico não foi dito, discorreu durante mais de duas horas sobre a sociedade, a religião e a profunda diferença entre homens e mulheres...chegou a questionar se ela era católica e a criticar o facto dela usar o termo leis quando devia querer dizer regras. 

Finalmente ela disse que lhe apetecia um gelado. Creio que não haverá segundo encontro. Eu iria mais longe, apagaria imediatamente o número dele da lista de contactos. 

~CC~

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Território(s) de vida

 



Agora sim, vivo finalmente num território e já posso tratar por tu as coisas que acontecem. 

E há comboio!

~CC~


sábado, 21 de junho de 2025

Três búzios pequenos e um sorriso fechado

 

Levei-te cinco flores de diferentes cores, das mais resistentes ao calor. Estava vazia a jarrinha, meio triste o teu lugar, como ainda não o tinha visto. Tanto que gostavas do sol e do Verão. Por mais de três vezes toquei no botão que me levava ao teu andar e não ao outro, onde reside agora a tua filha mais velha. E quando a porta se abria tomava consciência do erro, mas ao mesmo tempo foi ele que me permitiu ver a coroa de flores na porta e o tapete tão colorido. Acho que aprovarias essas pessoas que moram agora na tua casa, tantos enfeites logo à entrada, imagino lá dentro. Tu também gostavas dessas coisas, de tudo o que serve para enfeitar e até de flores artificiais que duram para sempre. A florista bem me recomendou que deixasse lá umas flores duradouras, que ela também tinha umas bem bonitas para cemitérios, mas não fui capaz, só gosto de flores naturais.

Em tantas coisas ainda sinto a presença dela pela cidade, em tantos cantos, tantos cafés, tantas lojas, ali junto à marina. Houve tempos em que todos esses passeios ainda a alegravam muito e só por fim já nada era capaz de o fazer. E fui perdendo aos poucos a dor de ter vivido ali duas perdas tão intensas. Quem cessa a dor de repente ou não amou ou não sabe vivê-la, não é capaz. Foi um tempo longo, foi um caminho longo e muito lutei para não o sentir como um tempo inútil que podia ter gasto noutro lugar, noutro amor. Felizmente as lágrimas que um dia caíram em abundância no caminho até à praia secaram completamente. Agora sinto este caminho para o mar como aquilo que ele representou na minha adolescência, a liberdade, a sua descoberta. Talvez por isso tenha apanhado na praia três búzios pequeninos e os guardado como nesse altura fazia. E no regresso aberto as janelas do carro, trauteando desafinada "tenho um sorriso fechado na palma da minha mão" (Trovante)*. Talvez algum dia alguém o venha buscar, ainda assim, se não acontecer, tenho-o, tenho-o como um bem maior. 

~CC~

* e com esta música também tu chegaste, minha amiga (não acredito, não posso).