quinta-feira, 17 de julho de 2025

Devaneios a partir de uma mala de mão.

 

Quando enfio a mão na mala até ao fundo encontro pequenos búzios ou conchas. E é por isso que sei que mora em mim essa miúda lunar que tu ainda encontras e a quem ainda amas. 

Mas também tenho uma carteira e nela há cartões vários, alguns de descontos. E é por isso que sei que cresci, envelheci, matei-me a trabalhar para não ter ainda quase nada, sei que não nos encontraremos, que nunca me amarás novamente. 

Mas isto são só devaneios a partir de uma mala de mão. Nela também guardo a imensa saudade que tenho de ti e de mim. Fica lá tão bem guardada que passo os dias sem dar por ela.

~CC~

quarta-feira, 16 de julho de 2025

E não é que a mulher tem imensa graça?!

 

Esta mulher reinventa-se e tem imensa graça...creio que se fosse uma miúda a cantar isto não seria o mesmo, mas alguém que já dobrou os sessenta tem.




Às vezes preciso tanto de me rir, estas coisas cortam-me a tristeza pela raiz.

~CC~

domingo, 13 de julho de 2025

É terra que acolhe a semente

 

Em qualquer lugar, a qualquer hora, espreita o mal.

Fila do supermercado, não muito extensa.

Vejo-os passar por mim e noto-os mais porque são vários, um homem, duas mulheres, algumas crianças. E tão pouca coisa que levam. Mas sim, passam à frente na fila. Primeiro reparo nas crianças, são pequenas, nenhuma de colo. E reparo na mulher, sim, justificado. 

E como todas as pessoas cobardes, só depois deles terem saído, a senhora, que parecia tão simples, tão calma se me dirige: inacreditável, como nos passaram à frente?! E eu: mas a senhora não viu? A mulher estava grávida, a barriga já era bem visível...e logo a funcionária da Caixa: eu também vi, se não, não deixava, não tenho medo deles...

A hostilidade das duas era mais que evidente, com ambas a dizer que podiam ter dito, podiam ter pedido, mas são ciganos e acham que podem fazer tudo.

Ora eu nunca vi uma grávida ou uma mãe com criança de colo numa fila perguntar se podia passar à frente, não pede pois está no uso de um direito que lhe assiste e é algo visível. 

Nestas situações percebemos tão bem como a terra está tão preparada para receber a semente do ódio, tão pouco preparada para o seu inverso.

~CC~ 



 

terça-feira, 8 de julho de 2025

Eis o que nunca me deixa cair

 


Juntos numa festa de anos, famílias que um par uniu e que por eles e com eles se aproximam, para lá das tantas distâncias, os pontos de encontro podem ser feitos da simplicidade que liga as pessoas boas.

Juntos no quintalinho em torno de uns frangos assados, uma salada de curgete e outra de beterraba com laranja, tudo produtos que alguém trouxe do lugar a mais de 100 Km onde mora. Nunca perdemos contacto mas jamais pensamos um dia estarmos ali, num só porque sim.

Juntos no meio da arrábida, onde inesperadamente crescem bananeiras e alcachofras, porque a terra pode ser generosa com quem a ama e os desconhecidos podem juntar-se para caminhar e comer uma melancia arrefecida na água da fonte. Alguns nunca mais verei.

Juntos porque me ligas por me saberes triste e me queres dar notícias para me animar, me fortalecer, me dar horizonte, não obstante em tantos quotidianos triviais não me atenderes o telefone. 

Juntos depois de mais de trinta anos sem nos vermos, sentir o nosso encontro colectivo tão bafejado de alegria, viajamos entre o passado e o presente mas não nos deixamos prender nas teias de quem está ali só para recordar tempos velhos e já gastos, queremos ser um agora e um presente.

Juntos aqui na minha casa, a minha família mais estreita, mais consistente, mais imponderável, laços que nunca perdemos e reavivamos agora numa configuração adulta e sem amarras.

As pessoas boas, as pessoas boas juntas, eis o que nunca me deixa cair.

~CC~



terça-feira, 1 de julho de 2025

Cinco cerejas

 

Chegaram tardiamente e muito caras, mas invulgarmente grandes.

Compro apenas meio quilo, lavo metade e deixo-as no frigorifico. São tão belas nesta sua cor, nestas suas matizes de vermelho e rosa. Algumas são doces, outras meio ácidas, mas têm que ter sempre a polpa rija na primeira dentada. Como cinco e devagar. Deixo o caroço na boca um bocadinho, gosto de o sentir e prolonga o momento até à seguinte. Está muito calor e estou muito cansada. Mas tenho as cerejas. Tenho o meu gosto por elas, por as morder, por as sentir, por as agradecer.

E em cada cereja comida há uma lágrima que se escondeu dentro dela e se transformou em vontade de sorrir. Hoje consegui cinco sorrisos vermelhinhos.

~CC~