sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Trago flores...


A minha filha zanga-se muito comigo porque trabalho muito e ganho pouco. Pelas muitas coisas que faço sem receber um tostão, por uma vida de tanto esforço sem conseguir amealhar praticamente nada. Diz que noutras áreas não é assim, diz que não posso continuar a fazer isto porque ando extenuada. Costumo responder-lhe que se ela ajudasse mais nas tarefas da casa eu andaria muito menos cansada, o que costuma chegar para a calar. 

Ontem também foi assim, mais uma sessão de formação gratuita, das 18h30m às 20h30m, é a minha hora má, quando a minha actividade intelectual desce com o sol e mergulha até a lua a trazer metade de volta. Custou-me, estava tanto frio ao fim do dia...e era pelo menos a 100km de casa!

Mas depois chega a luz, a chama, a vontade. E trouxe tantas coisas. Elogios que nos afagam: podia ficar aqui a ouvi-la toda a noite! Fez-nos ver as coisas de outra maneira (por certo tudo exagerado mas um belo afago). Trouxe vinho, um pão de ló de rio maior, um vasinho de flores, ora com tudo isto quem precisa de dinheiro! 

~CC~

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Laços que magoam



Uma vez toquei-lhe no ombro ao de leve e ela reagiu como se fosse bater-lhe. Responde muitas vezes verbalmente com agressividade. Mas esqueci-a sempre na voragem dos dias, apenas uma aluna mais maldisposta que as outras. Até ontem quando afirmou perante toda a turma (focava-se o tema) que tinha vivido uma história de namoro muito violenta, com agressões mútuas e manifesta incapacidade de terminar uma relação que fazia mal. Nem uma lágrima, uma hesitação, mas o tom era baixo, algo frio, directo: ficaram as marcas.

A jovem tem cerca de 20 anos, coisas que achamos que não existem mais numa geração jovem, nascida e criada em liberdade, pretensamente também em igualdade de direitos entre homens e mulheres. As sombras, meus amigos, são afinal bem outras.

~CC~

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Histórias para crianças


Desde que o mundo é mundo que há histórias de fadas. Histórias de bons e maus, certamente tão verdadeiras quanto falsas, afinal moram heróis e vilões em cada um de nós mas em alguns o espaço dos vilões tem mais assoalhadas e mobiliário mais rico. Sabemos muito bem que a Alemanha não será o país mau e a Grécia o país bom. 

Mas os alemães deviam ser mais prudentes porque na história do tempo foi há muito pouco que foram um país vilão, capaz das maiores atrocidades. Recomendava-lhes a história outra prudência e modo de estar no mundo, não fosse a história olhada como uma ciência que nada produz e se alimenta de pó e não de euros ou dólares. Não lhes devia servir a história só para comemorações para lembrar o holocausto, ele nasceu de uma arrogância que parece estar longe de estar eliminada. É essa arrogância, aliada a um moralismo que se aplica à classe média e baixa (não vivam acima das vossas possibilidades, paguem todas as vossas dívidas, sejam honrados....mas que honra se tem quando se passa fome?), que parece cobrir com uma cegueira atroz a sua capacidade de relação e entendimento com os outros. Parecem-se com a carochinha, oferendo a sua moeda em troca de um casamento de conveniência, quem aceitar, deslumbrado pelo brilho do ouro e dotes da moça para a cozinha, pode afinal acabar na sopa do caldeirão. Mas isto são tudo histórias para adormecer crianças impertinentes.

~CC~

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Saudades da Primavera



Talvez uma papoila sozinha não fala a Primavera mas hoje vi uma e enchi-me de esperança. São azuis as cores da Grécia, mas sinto o mesmo quando penso neles. E se são fortes as saudades da Primavera.

~CC~

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Esse maldito inconsciente



Freud foi um sábio, não creio que alguém ainda o tenha ultrapassado completamente, não obstante a sua posição relativamente às mulheres me desagradar e considerar a inveja do pénis uma aberração por ele criada. Já os sonhos, a interpretação deles, a tentativa de descerrar esse mistério da nossa inconsciência, esse é o seu maior feito. Não obstante o terreno desbravado, continuamos a saber muito pouco.  Há quem diga que não sonha, quem não se lembre dos seus sonhos, quem tenha receio de dormir por causa dos pesadelos, quem só se tenha realizado em sonhos.

Eu sonho sempre muito e acordo a meio da noite com os meus sonhos, com os piores e com os mais felizes. Para dormir uma noite inteira e não me lembrar de nada mesmo, é preciso que tome qualquer comprimidinho dourado. Não sei se é por permanecer (ainda) em vigília que o meu sono é assim naturalmente leve. Sei é que os meus fantasmas, que parecem todos tão arrumados que nem dou por eles na minha vida, se soltam mesmo com esse sono leve e entram em ebulição. Nos meus sonhos, estão lá todos os medos e temores, estão não as pessoas como elas são mas como tenho medo que sejam, os acontecimentos que receio que venham a existir, até a minha invalidez física, fantasma maior de qualquer vida, acontece por lá. Nos meus sonhos deixo repentinamente de ouvir, os que não gosto tornam-se meus chefes, o meu amor apaixona-se por uma amiga qualquer (às vezes têm rosto e outras não), a minha filha vai trabalhar para muito longe, perco o emprego, vivo na rua.Não pensem que é fácil, quando acordo tenho imensa dificuldade em desligar do que aconteceu no sonho, em considerar que não é verdade o que lá ocorreu. O sonho assemelha-se a uma premonição do futuro e isso derrota-me, entristece-me, estraga-me o dia. Mas não é melhor quando o sonho é bom em vez de mau. Imaginem o que é sonhar que se mora numa casa ao lado do mar, ouvindo muito ao fundo o barulho das ondas e acordar virada para uma estação de comboio no meio de uma cidade.

Sorte daqueles que nada sabem dos seus sonhos. Ou azar? Como terão soterrado tanto o seu inconsciente? O que diria Freud deles? 

~CC~






sábado, 14 de fevereiro de 2015

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Amor século XXI (I)


A miúda dizia-lhe com muita clareza e selectividade:

- Disseste que eu era especial, passados quinze dias dizes que também há outra que é especial

Ele, mais ou menos sitiado:

- Sim, as duas são especiais

Ela, directamente dentro dos olhos dele:

- E depois, haverá ainda ainda uma terceira que é especial, quantas vão aparecer mais?

A diferença substancial é que quando eu era da idade desta miúda, chorávamos se estivéssemos a dizer coisas destas, enquanto ela se ria, confiante, mandando o rapaz do suposto poliamor dar uma voltinha.

~CC~

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Por nós, pelas mulheres



Raramente nos vestimos assim a preceito, com um casual chique que seria insuportável no dia a dia mas que nos embeleza se tiver esse charme a combinar a dois num dia especial, não desses que o calendário marca como obrigatório.

Desde este Verão em que o ar me faltou como em nenhum outro que tenho andado arredia de acontecimentos públicos, penso sempre na saída e no que me custa chegar à saída se estiver muita gente. Mas a coisa tinha graça e desafio. Uma revista feminista a ser lançada numa embaixada de um país de religião muçulmana. A quebrar estereótipos ou pelo menos com esse intuito. Fiz muitas coisas, dessas que se marcam como pilares de uma vida: o filho, o livro, a árvore. Mas nunca tinha sido membro do conselho editorial de uma revista. E até hesitei na altura, vendo agora que fui tonta em fazê-lo, a revista tem classe e procura ser inovadora.

Fomos recebidos muito bem e a casa estava cheia, quase me esqueci do cansaço dos dias, a comida estava maravilhosamente bem confeccionada e servida. O discurso da mulher embaixadora foi claro e assertivo na valorização das mulheres, no que a lei tem vindo a consagrar como os seus direitos. É claro que não ouvimos sem que nos fique a dúvida, uma espécie de sombra que tolda o quão maravilhosamente nos sentimos ali dentro. O chá de menta não falta naqueles copos de vidro trabalhados, tão bonitos.

Procuro ficar perto de ti, aguentas bem melhor estas coisas, pareces mais bicho do mato do que eu mas eu sou mais, ou sou de um modo diferente do teu. Saímos a falar francês, a chuva parou e a lua aparece redonda, brilhante, sinto-me em paz.

Não sei se fomos por nós ou pelas mulheres, certo é que tenho muito receio do que este século possa fazer retroceder no árduo e duro caminho das mulheres rumo à sua liberdade. Tenho uma filha, penso muito nela, no que poderá acontecer. A batalha não está ganha, não está em nenhum lugar do mundo, mas noutros parece praticamente perdida.

~CC~



terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Andando no mercado



Estavam boas as beringelas recheadas. Provavelmente por serem do mercado de rua e delas a rapariga ter dito: são pequeninas, este frio não as deixa crescer. Gosto tanto de comprar no mercado, do cheiro e da cor que as coisas têm, das pessoas que vendem e conversam connosco quando o fazem. Não sei se um dia voltaremos às trocas, alguns de nós pouco terão para trocar, mas pela afluência que vejo nestes mercados, estamos a precisar de autenticidade como de pão para a boca.

~CC~