quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Mau gosto



Saí de casa com uns sapatos cinzentos, meias pretas e calças castanhas. É verdade que dormi mal e nos meus piores pesadelos saia de casa descalça ou com as meias trocadas, sonhei com isso durante a adolescência e transição para a idade adulta, depois disso devo-me ter acomodado ao mundo, aprendi a combinar cores e vestuário com calçado, não cometendo grandes falhas. 

Mas hoje a falha foi do tamanho do meu cansaço, quando olhei para os meus pés, pensei imediatamente em voltar a casa mas não tinha tempo, estava a 15 m de iniciar a aula. Pensei nos meus alunos fixos nos meus pés, pasmados com o mau gosto. E tentei fixar-me na ideia de que eles olhariam só para o meu rosto. 

Quando a aula acabou pensei voltar logo a casa mas tinha fome, estava perto da hora de almoço e confiei que no bar cheio ninguém olharia para os meus sapatos. E de hora a hora fui andando até me tornar completamente indiferente à combinação dos sapatos com a roupa. Não sei se é isto envelhecer, quando a alma se torna mais forte e as coisas mais superficiais se tornam mesmo de enorme superficialidade. O dia até nem correu tão mal como o de ontem, quando tinha as botas certas com o vestido das flores.

~CC~

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Ainda é assim o mundo



Quatro mulheres negras barraram a rua ao carro de patrulha da polícia, obrigando-os a sair de lá de dentro. Insultavam-nos bem alto, enquanto a voz deles mal se ouvia. Tinham sido elas a chamar a polícia para se queixarem de um individuo que as vinha a perseguir, intentando duvidosos convites e insinuando palavras obscenas. A polícia mandou-o seguir viagem de forma cavalheiresca, vá lá muchacho, siga o seu caminho, duas palmadinhas nas costas e amigos como dantes.

Bem alto diziam elas: somos mulheres, somos pretas, é por isso que não temos direitos? Bem alto, as mulheres protestavam, impedindo o carro de patrulha de dar mais uma voltinha suave ao quarteirão. Os polícias queriam que elas se identificassem, mostrassem o seu BI, insinuando que talvez nem sequer estivessem ilegais. Elas bem alto: por sermos mulheres, por sermos pretas, somos ilegais? Nós já nascemos aqui seus broncos! 

Quatro mulheres despidas de medo perante dois polícias cobardolas, que vontade tive de descer do 3º andar e ir lá apoiá-las (embora elas não precisassem de ajuda nenhuma, davam bem conta do recado).

~CC~

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O canteiro de morangos silvestres



Haverá em cada homem frio e austero um canteiro de morangos silvestres? O lugar da perdição, da doçura, mas também o lugar onde a tristeza começou um dia a formar-se como a segunda pele, essa pele difícil de despir e de se entregar. O homem já velho de Morangos Silvestres já não sabe quem é ele e quem é a sua máscara, na intimidade todos dele desgostam, na vida profissional fazem homenagens ao homem integro e honesto. Quantas pessoas podemos ser? Porque é que o melhor de nós não é entregue aos que mais amamos? 

Vi dois filmes de homens durões, aflitos com a sua existência, entregues à melancolia do seu fracasso com a morte por perto. É essa eminência de desaparecerem antes de terem podido despir a segunda pele que os deixa perdidos. E é nessa perdição que afinal parecem encontrar-se, quando os seus egos caem como marionetas, quando tudo se desfaz (Junte-se Clube Dallas a Morangos Silvestres), ou seja, demasiado tarde. Minado pela Sida, Ronnie jamais levará aquela mulher linda a dançar no baile.

Perdemos a maior parte do tempo da nossa vida a trabalhar, muito pouco a escutar os outros e ainda menos a escutar quem amamos. Juntamos a essa incapacidade de termos a pele sensível para quem está próximo, para o sofrimento que o habita, a possibilidade de estarmos mais perto de quem está distante, de quem pouco ou nada vemos (para a agenda das idas cinema - Uma história de Amor).

E é perto da morte, tão tragicamente amargurados que o lamentamos. Vi o meu pai torturado por todo o tempo que esteve longe das filhas, vi o seu olhar de uma imensa tristeza e mesmo assim incapaz de chorar. Apertei-lhe as mãos magras que tão pouco tempo nos acariciaram, muito embora ele fosse um homem doce. Tenho uma certeza: não quero morrer a lamentar o amor que não dei e o amor que não tive. Prefiro protestar a cada momento em que isso aparece diante de mim como um dia negro que me quer engolir.

~CC~

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Simples


Eu aqui decreto que vou festejar o dia dos namorados quando me apetecer, preferencialmente num dia de sol. 
~CC~

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Os meus lugares (4)


Mercado do Livramento, Setúbal
Foto retirado do site da CMS

Passei por lá hoje e comprei morangos com cheiro, nada a ver com os que parecem plástico.
~CC~ 


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Abraços


Quando é que nos começámos a abraçar assim? Por quanto tempo nos continuaremos a abraçar assim? Quererás tu abraçar-me sempre assim?

Abraça-me neste cansaço de fim de tarde, depressa, devagar, consola-me da dureza do mundo.

~CC~

domingo, 9 de fevereiro de 2014

GAP



Irrito-me com esta mania de darem nomes femininos aos furacões e às tempestades, são bem mais raros os nomes masculinos. Associo ao mal, a esta ideia de que as mulheres trazem desgraça, são impuras, feiticeiras.

Responde-me a minha filha do sofá: eu cá gosto. As mulheres são poderosas, uma força da natureza, impõem respeito.

Duas leituras. Gostava que correspondesse a uma mudança efectiva, a quem já viveu num tempo com mais direitos contra quem ainda lutou para os ter, ainda levanta a voz. Mas não sei, talvez seja só a esperança contra o pessimismo.

~CC~

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Promessa de mim para mim



Pela manhã, um sol tímido veio dizer-me para enxotar o cansaço e as meias gripes que espreitam há semanas, andando cá e lá entre a dor de garganta, o nariz fungoso e o corpo entorpecido. Dou-lhes sempre luta mas às vezes estou à beira de só desejar um cobertor quente enrolado em mim até o Inverno passar. Trabalho que não dá tréguas é uma coisa que ajuda qualquer vírus a disseminar-se, escorrega como manteiga no pão, usando viagens celulares de alta velocidade.

O sol tímido, as amendoeiras em flor, a tertúlia de fim de tarde. Tenho este condão de me animar com pouca coisa. E ultimamente aprendi a zangar-me com as instâncias das instâncias superiores e a dizer um não redondo de quando em quando. Sabe tão bem!

As amendoeiras em flor, há que arranjar tempo para as ir ver. Estão ali no amanhã dos amanhãs à minha espera. E uma tarte de alfarroba.

~CC~

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Vejam bem



Estas são as suas palavras iniciais.


Princípio

Princípio de um album de ilustrações de uma vida por uma lente, espero que gostem.


   http://outrosuldamargem.tumblr.com/
    
Eu cá sou suspeita (sangue do meu sangue, nome do meu nome...) mas gostei muito.


~CC~

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Para animar a Segunda



Vejam lá quem é que mora numa cidade provinciana com o melhor cinema de todos:

http://medeiafilmes.com/eventos/ver/evento/ciclo-ingmar-bergman-no-auditorio-charlot/


E tem um comboio que motiva coisas destas:

https://www.facebook.com/vitenofertagus

Gosto de coisas pequeninas que nos animam.


~CC~