quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Dizer não



Dizer não é fácil, excepção se esse não é dito a quem amamos. Dizer não aos filhos que adoramos, dizer não ao namorado, aos amigos, à família. Este tem sido um dos meus maiores problemas, a minha assertividade morre com facilidade em face do amor e isso mortifica-me porque não quero fazer aquilo e faço-o em prol do outro. Faço-o para o (a) ver feliz, empresto um vestido que não queria emprestar, vou a um lugar que não queria ir, tolero um comportamento que me parece intolerável.Vou colocando limites, não cedo se o desejo do outro esbarra em algum medo meu, em algo que me repulsa, que rejeito. Mas admito que é pouco, há muito que devia ter posto a fasquia mais acima, ao nível do que me faz feliz, do que me faz bem. Mas se a ponho aí, sinto-me demasiado egoísta. Tento fazer coisas pelos que amo que não me custem muito, que não me façam sofrer a mim. Mas ainda assim tenho que me deixar de sentir triste por cada vez que digo não, o não é um direito meu, devia tê-lo aprendido logo em miúda e não teria sofrido de forma tão tonta. E devo dizer-vos: é assim que muita coisa má começa, nesse não querer desagradar a quem amamos por medo de o(a) perder. Devemos ter a coragem de perder, de sermos nós inteiros e desassombrados, dizendo as coisas que custam dizer e não são muitas vezes politicamente correctas. Tantos casais que eu vi acabar lentamente por causa dos almoços de domingo em casa dos pais (que um não queria), dos filhos e dos animais (que um não queria), das férias de família (que um não queria). Não é uma palavra redonda, sonora, linda.

~CC~

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Eu ao quadrado e ao cubo, da pestana à unha do pé


Os psicólogos, sempre os primeiros a ser chamados em caso de anomalia técnica, emitem alertas a um ritmo que não acompanha a velocidade das selfies que são tiradas por minuto, não vou mais longe. Chamam-lhe a sociedade narcisíca, cada um se ama a si mesmo e quer que todos o amem. É difícil para quem não se ama assim tanto nem tão pouco quer que os outros o amem. Uma terrível desadaptação é o que ando a experimentar. A aversão está a ser tão grande que desejo conhecer pessoas sem FB, pessoas sem mail e mesmo pessoas sem Internet. Depois tento controlar-me.

Fotografado cada bocado de perna, olho, nádega, há que colocá-lo a circular para que alguém do outro lado do mundo possa pasmar. Se não se for suficientemente lindo, avança a operação plástica mais veloz do mndo: o photoshop. Para alguém que raramente tem vontade de tirar uma fotografia a si própria e padece de uma crónica falta de paciência para a imagem, é razoavelmente absurdo, passamos a sentir-nos estranhos no mundo, fora dele. Faço alguns esforços de normalidade, ontem a minha filha resolveu ganhar um pano para estendermos na relva, à conta de uma selfie das duas. A coisa era razoavelmente ridícula, uma das nossas operadoras de TV/telefone e NET oferecia os panos a troco de tirarmos uma selfie (fazíamos de conta que a tirávamos) porque quem a tirava eram eles com o nosso (dela) TM e este tinha obrigatoriamente que ter acesso à NET para que a colocássemos no site deles. Fiquei é claro apavorada com a ideia de a troco de um pano fazer publicidade a uma marca, aparecendo a sorrir no site deles. A minha filha tranquila só se ria, assegurando-me que ela tratava do assunto. Lá tiramos a foto ridícula que lhe valeu uma hora de sesta na relva porque o vestido branco que levava não era compatível com o espraiamento ao natural. Perguntei-lhe pela foto, riu-se, é claro que não a colocou em lugar nenhum, eles contam com a ideia de que todos querem aparecer e não verificam se a colocamos mesmo. E riu-se ainda mais de mim: até podiam obrigar-me mas no minuto a seguir ia lá e apagava. Elas já sabem viver nestas coisas e se são espertas, brincam ao gato e ao rato com a exibição pública. Se se deslumbram, lá ficam agarradinhas. Eu ando a aprender mas não quero aprender muito, só o mínimo necessário para não cortar completamente com este estranho mundo.

~CC~



sábado, 16 de agosto de 2014

As mortes deste Verão


Como se pode morrer se é Verão? Mortes em contraste absoluto com o desejo de festa, os muitos festivais, os miúdos a encher de água os baldes, a grande quantidade de bolas de berlim vendidas, as ruas cheias de gente à noite. Por todo o lado há festa, por todo o lado há pessoas a querer esquecer o ano que passou e o ano que vem, tudo num único mês. A alegria tem duas faces e ora me parece bela, ora me parece absurda.

As esplanadas estão espantosamente cheias, um sumo de laranja natural pode custar 4,5 euros e um café 1,5 euros. Esperei hora e meia para comer uns petiscos vegetarianos numa mercearia gourmet da moda, ao meu lado cinco velhotes tinham posto as cadeiras ao luar e conversavam como se a sua rua não tivesse sido tomada por gente estranha e os carros não persistissem em passar naquela estreiteza.

As sardinhas acabam às 11 da manhã ou vendem-se as últimas por volta do meio dia, estão caras, mas são o peixe do momento, de repente todos sabem o que é a dieta mediterrânica e todos querem um sumo detox, há também night runners em todas as cidades e sabemos que em Inglês é que este desporto tem mais charme, se fosse em português seriam apenas uns tontos a correr à noite. A minha cidade persistindo na historicidade do seu passado operário, chama-lhe ainda corridas nocturnas e por isso aparecem homens barrigudos e cinquentonas com muita celulite e sem roupa de marca.

E no entanto morreu Robin Williams que a muitos ensinou a rir e a mim deixou-me sempre a chorar, mesmo sabendo que o clube dos poetas mortos era mesmo para chorar. Morreu Dóris Graça que eu mal conhecia mas cujo nome me soa familiar como se tivéssemos partilhado em tempos as mesmas tertúlias. Morreram tantas pessoas cujo nome não sei na faixa de Gaza. Até eu quase morri este Verão não obstante estar aqui viva a escrever. Pode morrer-se estranhamente numa tarde quente, basta que os fantasmas nos assaltem para nos sugar o sangue e nos tirar o ar, de repente acaba-se a alegria, começa o Outono com chuva intensa e simplesmente nos tornamos a sombra do que somos. Depois há que voltar a viver, soprar as teias de aranha, respirar devagar como faz quem sobrevive. Robin Williams devia ter feito como eu, morria só um bocadinho, soluçava sem nenhuma racionalidade, gritava como um peixe fora de água...e depois abraçava alguém que o amasse para lhe pedir a energia para poder continuar. Morrer de vez é que não vale, não pode ser, até porque é Verão. É Verão e há frutas que nunca há, podemos comer melão, melancia, estão a chegar os figos e as uvas. E este Verão aprendemos a fazer gaspacho agridoce alentejano, uma delícia gelada que não combina com a tristeza. 

~CC~