domingo, 31 de janeiro de 2016

Diz-se que...


Diz-se que já há amendoeiras em flor e não as fui ver. Parece que as ondas de Janeiro se enrolaram perfeitas na areia e não as fui ver. Que saudades da terra e do mar.

Mas vi, contudo, muitos bandos de pássaros, um milhafre muito perto de mim, o céu em cambiantes que variaram entre o cinzento, o azul e o rosa. Mais de mil km entre Coimbra, Faro, Alvados, tudo na mesma semana, uma correria para cumprir todos os compromissos.

Na sexta, ainda em Faro, uma inveja secreta de um grupo de três mulheres já reformadas que faziam o seu passeio matinal, caminhavam contra o vento, contra o tempo, a favor da vida. Apeteceu-me envelhecer de repente para me poder sentir livre, já nada dever a ninguém, não sentir o peso das expectativas sobre mim.

Preciso, com urgência, de um dia sem trabalhar, um dia junto da terra e do mar.

~CC~







quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Nutriente básico



Pois, não foi só teres ido, coisa mais que aceitável em estudantes universitários. Seis anos são muitos anos e também já me convenci que provavelmente não regressarás. Parte de mim até voa contigo e deseja que voes ainda mais.

Agora o desconsolo de não fazermos o nosso almoço semanal no 3.15 dias, sim, sempre o chamaremos assim, essa falta às vezes dói-me como se fosse a falta de um nutriente básico. Poderia ir sozinha como vou a tanto lado mas ali é contigo, é só assim que faz sentido.

Por isso despacha lá esse exame de autonomia e vê se apareces por aqui.

~CC~

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quem cuidará de ti?



Tropecei no blogue da Ana com uma coisa que procurei pela vida toda. 

Quem não te irá falhar se precisares? Quem estará lá na hora do cuidado? Quem ajudará quando a febre subir até ao limite? Quem te amparará quando não te conseguires levantar? A Ana sabe que será a sua mãe enquanto ela for viva. 

E por quem farás tu isso mesmo? Eu acho que o farei por algumas pessoas, chegam quase aos dedos das duas mãos. Mas hesito quando penso nisso em relação a mim. Essa hesitação causa-me uma grande, grande tristeza. Afasto esse pensamento, fujo dele.

~CC~

Essas coisas, a vida.


Essas coisas, a vida.

De vez em quando chegam palavras que cortam a sensação de que metade do que faço é pó, nada ou quase nada. Um estudante escreve sobre uma coisa que descobriu na aula e lhe mudou o rumo, outra chora no meu gabinete, um professor escreve a dizer-me bem de uma reunião que achei que correu mal, abraço uma aluna que tem medo de gatos numa visita ao campo e levo-a nesse abraço sem qualquer problema em relação aos nossos estatutos, emociono-me com as instituições que vieram numa manhã como esta simplesmente para dizer que acolherão os nossos estudantes em troco de nada. É o relâmpago que ilumina por breves momentos a chuva forte. É da pequena luz que me alimento. Não impede o cansaço, alguma saturação, mas ajuda.

De vez em quando chegam amigos que pensava que o tempo tinha enterrado, a par de outros novos que chegaram sem que desse por isso, sem que fizesse por isso. Durante semanas houve jantares ou almoços, gente à roda de uma mesa a celebrar a vida. Comi demais, bebi um pouquinho, senti-me quase sempre apanhada por estas festas que não pensei nem concebi e que se impuseram naturalmente nos dias. 

 E por dentro dos dias agitados, insuportavelmente cheios, lembro-me às vezes de ti, de uma carícia tua, um beijo, um abraço mais demorado. Chega com isso uma saudade que não dói, antes aligeira os dias até te ver. Às vezes chega também um momento de dúvida - será que me ama, que pensa em mim, que me quer mesmo?- como se fosse um pequeno ciclone que me agita e que depois se esfuma. 

Uma coisa é certa; estou no grupo de risco. Explico: houve um enfermeiro que fez um estudo com doentes terminais perguntando-lhes o que mais lamentavam antes de morrer. Em 2º lugar vinha: ter trabalhado demais.

Tenho absoluta consciência da necessidade de desacelerar mas para cumprir o que há a fazer era preciso que outros acelerassem mais um pouco. E há ainda o maldito dinheiro. 

~CC~





sábado, 23 de janeiro de 2016

Dizer com as tuas palavras



Repetiria quase todas as palavras dela, exceptuando as que são parte da sua vida única e diferente da minha.

Sim, somos tudo o que não escrevemos. Passada a angústia de não o fazermos, adquirimos outra paz, outra relação com o blogue, com os outros blogues. É também isso que se passa comigo e ela conseguiu dizê-lo tão bem.

~CC~




segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Maldito cansaço



Não emigrei mas migrei.

Significa procurar um lugar para alugar numa terra qualquer do nosso mapa, qualquer não será, não a escolho propriamente, há quem a escolha por mim. Quanto tento escrever nos sites de alojamento que vou em trabalho, o nome muda para "negócios". Ficam pois a saber que é esse o único trabalho pelo qual as pessoa viajam no seu país quando não vão de férias.

Gosto muito de ir assim, infiltrando-me noutros acordares, este último com luz do tejo, tão urbano quanto rural. Vontade de voltar com a calma de quem não tem que se levantar de madrugada e só termina muito para além do pôr do sol. Como quase sempre esqueço-me de levar a máquina fotográfica, confiando nos meus olhos. Mas eles já não são os mesmos quando o cansaço os invade.

De resto este é o tempo em que pouco durmo, curvada sobre o fecho do semestre como os contabilistas sobre o fecho do ano. Hei-de talvez voltar com outro olhar, a uma ou outra terra, a este blogue, a mim mesma.

~CC~

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Dupla personalidade


Está feito o meu diagnóstico: tenho dupla personalidade sazonal.

No Inverno só quero chegar a casa, aninhar-me, abrigar-me, custa-me sair à noite e até vejo televisão. Os Invernos de chuva e vento extremam tudo isto: também não me apetece sair de manhã.
Pela Primavera-Verão nunca me apetece ir para casa, quero esplanar, jantar fora, sair, nem me lembro que a televisão existe. Pela fresquinha já estou acordada e pronta para a festa mesmo que a festa seja só um passeio ao jardim mais perto ou à praia do costume. Ou até trabalhar.

Receita para unificar a personalidade: escolher um país sem Inverno ou sem Verão. Mas atendendo a que a retirada do Verão me tornaria numa pessoa semi-vegetal, opto pela retirada do Inverno, passando assim a ser um quase pássaro, uma borboleta colorida, uma eterna cigarra (finalmente!).

Alguém por aí sabe de um emprego em Cabo Verde? 

~CC~

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

As passas de ano novo



Foi há dois ou três anos talvez que deixei de vez de pedir desejos para mim com as passas de ano novo. Ainda as como pensando em pessoas específicas, outras vezes junto-as em grupo, é como se fosse uma revisão de afectos e se alguém me ocupa muito o coração pode levar mesmo duas ou três passas. Pouco a pouco também deixei de tomar resoluções, não obstante ainda achar piada a listas, adoro ler o que os outros consideram os melhores livros, filmes, destinos turísticos e seja o que for que me leve a ultrapassar os meus próprios limites no conhecimento das coisas.

Acredito porém que muitas das coisas que nos mudam ou que mudam na nossa vida são também um acaso, não um acaso total, muito menos uma obra do destino. É mais como um virar do rosto para apanhar num lado da face um vento que nos traz luz, enfiar o pé na areia e ver a concha da cor que mais gostamos, cruzar um olhar com outro e receber um fulgor. Há qualquer coisa que fazemos por nós próprios mas nem sempre isso é obra de um raciocínio elaborado, de um plano lógico, de uma decisão tomada na passagem de ano. Pelo contrário, neguei decisões de ano novo e foi nessa negação que encontrei felicidade. Não significa isto que adoptei na vida uma filosofia budista, acreditando que nada desejar é o segredo da felicidade. Pelo contrário, desejo muito, de coisas pequeninas a coisas maiores, o meu tempo vazio é sempre tão cheio que às vezes até me canso de mim. Significa antes que deixei de acreditar em caminhos feitos a direito, ando pelas veredas, perco-me em cruzamentos, atrevo atalhos. Tornei-me cada vez mais pequena, aceitei-me como a infinita partícula que, contudo, será menos minúscula se fizer sentido na vida de alguém.

~CC~