segunda-feira, 29 de junho de 2015

Por estes dias...



No Golfo de Corinto
A respiração dos deuses é visível:
É um arco um halo uma nuvem
Em redor das montanhas e das ilhas
Como um céu mais intenso e deslumbrado

E também o cheiro dos deuses invade as estradas
É um cheiro a resina a mel e a fruta
Onde se desenham grandes corpos lisos e brilhantes
Sem dor sem suor sem pranto
Sem a menor ruga de tempo

E uma luz cor de amora no poente se espelha
É o sangue dos deuses imortal e secreto
Que se une ao nosso sangue e com ele batalha


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Sei que chegou o Verão


Sei que o Verão chegou não pela temperatura alta, o céu azul, a chamada para a praia. Sei que chegou porque o meu corpo mudou, tem uma indolência que o assalta como uma onda, é como se de repente tivesse mudado a voltagem da corrente de energia a que costuma estar ligado. Sei que chegou porque minha cabeça tem outra agulha, começa a pensar em livros para ler, a lugares onde ir, a não aguentar as noites presa em casa, a relativizar a urgência de todas as coisas, a pensar que ninguém morrerá se eu não cumprir tudo na hora, se eu não fizer bem feito, ganho o direito ao erro. Sei que é Verão porque a formiga que há em mim se transforma em cigarra e ela me desencaminha. Não é o desejo de festa, é mais a rua, o apelo do ar livre, se pudesse dormia por baixo das estrelas. E tenho saudades das férias grandes, do tempo em que as férias eram grandes e a nossa cabeça podia parar, descansar, desligar de tudo. 

~CC~


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Labor antropológico



Voltei-me assim que ouvi a expressão: enta, me menino? Era uma mulher dos seus 70 anos a dirigir-se a um rapagão de mais de 30 anos. Era esta a expressão que todas as mães, tias, avós e vizinhas chegadas usavam em Olhão para cumprimentar os mais novos. Este "mais novos" vai quase até aos 40, só depois dos primeiros cabelos brancos deixam de ser meninos. Agora já é mais raro ouvir-se. Gostava de ter um caderninho onde fixar todas estas coisas que o povo foi perdendo, esmagado entre centros comerciais e programas da tarde. O desejo de o fazer não significa saudosismo ou reinvenção à força, mas labor antropológico. Estamos a fixar apenas um tipo de identidade alojada em mega eventos (marchas, santos populares, festivais de fado...) deixando de lado o que inflitrava genuinamente o quotidiano. Aquele me menino tem uma carga afectiva de replicar no bom dia ou no olá, este último globalizado mas também inodoro e incolor.

~CC~

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Precipícios


Como é que se dá uma mão sem que o outro a agarre para nunca mais a deixar, invadindo depois todos os nossos espaços, roubando como quem usa isso de direito, um direito qualquer inventado pelo laço de sangue ou outro qualquer. Qualquer pessoa sugada por outra esgota. Numa família podem esgotar todos, após vários anos. Qual é a melhor ajuda a dar a alguém que precisa, que se desequilibrou, que não tem consciência plena de si, do que é e não é capaz, do que pode e não pode. Qualquer corredor de psiquiatria é uma viagem sem volta. Mas a terapia é longa e cara e exige um eu a tempo inteiro lá presente. Um eu que quase nunca existe nessas pessoas. O ideal é que os terapeutas sejam um sólido grupo de amigos, uma família coesa, um amor à prova de bala. Contudo, até essas teias podem ter buraquinhos.

Quantos de nós já não tiveram um amigo, um familiar, um amor antigo, alguém incapaz de tomar conta da sua própria vida, tão sôfrego de ajuda mas tão renitente em usá-la da maneira certa, em prol de um projecto de vida em que a autonomia é a melhor palavras para conjugar com a vida adulta. O dilema de sempre entre dar o peixe ou ensinar a pescar...mas nem sempre é a chave. Para ensinar alguém a pescar, coisa verdadeiramente difícil, é preciso que esse alguém queira, queira muito. E muitos parecem viver apenas do peixe ou das migalhas dele, sem arranjar energia para mais.

O mundo, ainda por cima, não está para os fortes, quanto mais para os fracos. O precipício pode ser um buraco com mel para os depressivos, esses que quando melhoram sem se equilibrar também acham que podem voar sem asas. Essa zona sem meio entre a tristeza e a euforia que alguns habitam é um passaporte para que todos à volta vivam sem paz. Também a dúvida, a falta de discernir qual o melhor caminho a propor, sabendo que a melhor proposta tem sempre que partir da própria pessoa.

Coragem é que desejamos, também o que queremos ter. Nem sempre o cansaço ajuda.

~CC~


quarta-feira, 17 de junho de 2015

Renove e sofra



Conhece-se o drama que tem sido para todos os que procuraram renovar a carta de condução na loja do cidadão. Meses e meses de espera e nada. Agora chamam-nos para ir a IMTT. O de Setúbal é um espaço ínfimo, sem casa de banho, arejamento e com meia dúzia de lugares sentados em cadeiras velhas. Nenhuma diferença com uma sala de espera de uma repartição pública do terceiro mundo. E o povo indigna-se, às 9h a fila já tem seguramente mais de 30 pessoas. Nessa conversa prolixa absolutamente desencantada com o país e em especial os seus governantes (poucos serão, nas palavras de um senhor, os que não deviam estar a fazer companhia ao preso 44), calculam-se tempos de espera. Dizem-me que com a minha senha devo ser atendida só perto da hora do almoço (sou a 19ª). 

Ora não posso ficar tanto tempo sem nada fazer quando o trabalho está a acumular-se. Instalo-me num café ali perto e trabalho afincadamente duas horas. Um bocadinho depois das 11h vou até lá, pronta para esperar até à hora de almoço. Ora os números já iam para lá do 60. A senhora não me queria atender nem por nada, foi insultosa dizendo que enquanto eu fui fazer a minha "vidinha", os outros tinham ficado ali à espera, ou seja, sofrido muito mais. Tenho que ser castigada é o que é. Como tal, levei um sermão "para não acreditar no que dizem" e "aprender a esperar como os outros" (mesmo numa sala ínfima, sem as mínimas condições). Nem um pedido de desculpas por nos estarem a fazer pedir um documento pela 2ª vez, pela repetição de uma espera. Senti-me como a verdadeira princesa que não dorme com a ervilha debaixo do colchão, não obstante ter sido apenas crédula quanto às opiniões de quem parecia conhecer há muito aquelas filas. 

Agora vejamos quanto tempo demoram para entregar a carta de condução renovada.

~CC~







quarta-feira, 10 de junho de 2015

Navegando




Nós, finalmente uma semana juntas.

Pensamos ir à praia e não conseguimos ir, sabemos que o pé na areia e os olhos no mar, mais um bocadinho de sal no corpo e não conseguiremos chegar onde queremos. Somos disciplinadas, obstinadas.

Está muito calor em casa e jantamos na varanda (até porque só temos a mesa onde trabalhamos e comemos e temos que estar sempre a tirar as coisas). Experimento receitas breves, outras coisas para nos fazer sair da rotina. Este mês há pouco dinheiro, vamos uma vez comer ao nosso local preferido, pedimos comidas diferentes para provarmos um bocadinho uma da outra.

Estamos tempo em casa, saímos por momentos breves, eu para reuniões, ela para as explicações, às vezes as duas para o mesmo café, outras vezes para cafés diferentes.

Pode parecer estranho mas há muito que não estava uma semana em casa com a minha filha, ela às vezes em Lisboa, eu quase sempre a andar pelo país todo, qual vendedora ambulante sem mercadoria.

O quarto dela tem as paredes cobertas de posters com muitos desenhos e números, os meus trabalhos estão organizados em montes pela casa. Vivemos num espaço muito pequeno, eu fico cheia de calor, às vezes quase sufoco, ela preocupa-se. Ela dorme muito tarde, fica a dormir pela manhã mais do que eu, às vezes quer acordar e não consegue, eu preocupo-me.

Temos respeito uma pela outra, muita amizade. Não precisamos de estar a dizer coisas como "gosto de ti" e outras coisas do género. Rimos juntas e isso significa muito. Às vezes resmungamos e isso também é importante, são uns salpicos salgados.

Agora vai acabar, amanhã já vou a caminho de Coimbra. A única coisa que persiste é que ainda estamos em períodos muito intensos de trabalho. Ela a repetir exames para tentar entrar em medicina, eu, entre outras mais ou menos mil coisas, em período de avaliação dos alunos, às vezes triste, outras verdadeiramente emocionada com coisas que escrevem, escreveram. 

É esta a maneira boa de gostar, não sei, contudo, dar-vos recomendações, muito menos fazer coaching na matéria (ainda recentemente partilhei mesa de comunicação com uma empresa que o faz para pais/mães de adolescentes e pasmei). Vim até aqui navegando, olhando as ondas, desviando o barco, remando a direito e para os lados. Como mãe, sou feliz.

~CC~





domingo, 7 de junho de 2015

Somos maus e ele nem repara?!



Não sei se já repararam mas o jornal Sol não vende. Em todos os sítios em que passo vejo lá muitos e muitos exemplares. Na minha escola distribuem-no gratuitamente e às vezes trago-o. Foi o caso. Numa das páginas centrais anunciava o novo livro de José Sócrates, uma espécie de diário da prisão, ainda que escrito por um jornalista, pelo menos era o que se percebia da notícia. Hilariante era o comentário: apontava a estranheza de Sócrates não mencionar o jornal, já que tinha estado na linha da frente da "denúncia" do "caso". E mais, o autor também não mencionava o Correio da Manhã, um jornal igualmente "brilhante" na matéria. Como é que Sócrates os pode ignorar assim? É mau, muito mau sofrer um desprezo tal, nem uma frase, ao menos nota de rodapé?! Recomenda-se ao autor já uma nova versão revista com pelo menos um capítulo dedicado a estes dois jornais de excelência.

~CC~

sábado, 6 de junho de 2015

Belo hino



Sem dúvida, preciso de me divertir um bocadinho.


E adivinhe lá de quem se fala, mais fácil é impossível.

~CC~

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Esses pequenos nadas


Esteve sempre meio anémica, duas ou três folhinhas. Mas há cerca de um mês arrebitou, nasceram várias folhas e há duas semanas uns botões pequeninos, sim, agora já se podem chamar violetas. Prova de resiliência verde.

Podes trazer a hortelã nesse vaso tão bonito, por vezes hei-de esquecer-me dela, mas também me lembrarei de a cuidar.

~CC~