terça-feira, 30 de agosto de 2016

Montemuro (I)



Eu moro quase no Algarve, ou seja, moro quase metade da semana lá, normalmente de Quinta a Domingo, quase todas as semanas no ano. Por isso estar lá no Verão não é bem estar de férias, não tem o encanto da descoberta, da novidade, do espanto.

Para mim as férias têm que ter espanto, deslumbre, sentir que estou a aprender, a viver qualquer coisa que não está no horizonte do meu quotidiano. Quando escolho uma aldeia a norte, é disso que se trata. 

Desta vez com uma atracção muito intensa: como é que em Campo Benfeito, a 1000m de altitude, numa serra fria e quase nua, se faz um festival de teatro? Como é que por lá sobrevive um grupo um ano inteiro, de grande qualidade? Mais que isso, um teatro singular que se afirma com traços de estilo muito próprios e se parece superar a cada peça?

Já o ano passado tinha ido à procura disso no Bons Sons, mas não encontrei quase nada, tudo me pareceu um mero golpe de marketing, a aldeia não estava, nem se envolvia no festival. Não basta ocupar a igreja local com concertos, não basta deixar que os habitantes permaneçam nas suas casas (também não faltava mais nada) ou deixar que a associação local explore os comes e bebes.

Campo Benfeito é outra coisa, é uma história de resistência, de tocante abertura ao mundo num lugar em que o gado passa pelo meio da aldeia e é preciso olhar a cada momento para o lugar onde colocamos os pés. É verdade, cheira a bosta por todo o lado, o pavilhão do teatro parece um armazém pré fabricado e barzinho do teatro é um balcão diminuto onde se vendem meia dúzia de coisas. Não há marcas de cerveja, de telemóveis, de nada, não se vê nenhum famoso patrocinador. E que bom teatro passou por lá, do melhor, digo-vos. E a sala? Sempre cheia, num dos dias não sobrou um lugar e foi preciso improvisar mais. E quem está no teatro? Todos, todos de todas as idades, vão bebés ao colo dos pais, crianças, adolescentes, jovens, adultos. Não há idade limite. Nunca tinha visto tal no teatro. A princípio assustei-me e pensei que dado que a maior parte dos espectáculos era para adultos, o inferno começaria dentro em pouco com as crianças a rir, a chorar, a falar. Apenas num espectáculo muito difícil (em castelhano e bastante pesado) estiveram menos tranquilos. Tudo me tocou, me emocionou, até o frio de rachar (para mim, claro) que fazia à noite em pleno Agosto - 11 graus.

~CC~~



quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Quando é Inverno em pleno Verão



Desabituei-me de comer, desabituei-me de dormir, sobrou apenas a dor de estômago, primeiro ténue e depois cada vez mais intensa.

 Não se trata de paixão propriamente, apenas da preparação para a endoscopia e para a colonoscopia, um apenas que quase me tirou a alegria. Espero retomá-la pouco a pouco até chegar à dose certa que me faz gostar de existir.

Esta é a vida que não vem nos blogues nem no Facebook, muito menos no Verão, são as mazelas do corpo, a idade, a luta para que tudo continue a fazer sentido.

Há Inverno em pleno Verão ou o Verão tem lá dentro alguns Invernos.

~CC~

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Os últimos banhos




De Montemuro (Campo Benfeito) a Setúbal, um mar à noite, banhos de encanto puro,

~CC~



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Voltar à praia onde fomos felizes



A nostalgia relativa ao passado não costuma invadir-me.

Mas hoje vi com esses olhos nostálgicos as meninas a brincar Verão atrás de Verão naquela que foi a praia mais significativa da(s) sua(s) infâncias. A felicidade daqueles momentos só agora me é dada a ver com clareza, não tínhamos consciência dela. Somos também felizes agora, de outro modo é certo. Quando se cresce os laços deslaçam-se mais, a pressão que as meninas faziam para estar juntas também nos juntava mais a nós, adultos.

A praia também mudou, encheu-se de gente, tornou-se moda, ao mesmo tempo que se deteriorava: a areia diminuiu, o mar ficou coberto de algas, fomos assim abandonando aos poucos a ideia dos 20km de distância que na altura mal nos custavam a fazer. Voltámos hoje, eu com receio de me desiludir novamente. Mas não, parecia a mesma praia de antes, até os caranguejos voltaram a encher a ria na maré baixa. A única praia que tem um único vendedor de bolas de berlim, o único que nem precisa de as apregoar, tal é a clientela.

Lemos agora lado a lado, vamos ao banho e ela demora-se mais do que eu, mesmo sem ficar com os lábios roxos da infância. Caminhamos, rimos, calamo-nos. Ainda somos felizes e a praia ainda está aqui, tão bonita, tão cheia de vida. Logo, logo, haverá uma pequena piscina formada pela maré ao encher e os meninos e as meninas deitam-se nela à espera das ondas pequeninas que não os podem magoar. Vejo-os, vejo as nossas meninas. 

Ter lugares é ter passado e ter passado é ter uma identidade, reconhecê-la, mesmo quando ela é tão mosaico como a minha.

~CC~




quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Verão (coisas pequenas)


As crianças, como elas são agora.

Na praia a menina com cerca de 4 anos chorava dizendo que queria ir para casa, os pais tentaram-na convencer por todos os meios, a luta durou cerca de uma hora e ela ganhou.

Outra menina permanecia imóvel no estrado de madeira, enquanto o pai a tentava convencer a pôr o pé na areia enquanto ela choramingava: areia não, areia não.

Vi muitas cenas destas nos últimos dias, a mais aguda, a de uma menina com a mesma idade que nem sequer conseguia estar na esplanada porque os passarinhos podiam vir e picá-la e só pedia para ir para casa fazer as "coisas dela". Quando eu era criança rebolávamos na areia para nos tornarmos croquetes antes do mergulho aparatoso no mar. Na geração seguinte, as meninas da minha família estavam na água até as irmos chamar porque já tinham os lábios roxos. Mas a geração seguinte já prefere a piscina. Ouvi de algumas educadoras de infância que têm cada vez mais dificuldade em fazer com que os meninos pintem com os dedos. 

~CC~






segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Eu/Ele


Eu e ele somos as pessoas mais diferentes que há no mundo, as mais parecidas. Pensamos do mesmo modo em muitas coisas e de modo completamente diferente noutras. Temos uma ligação ao mundo e às coisas de natureza completamente diferente. Ele pode ser do mais racional que há, eu às vezes sou capaz também, mas em geral é o meu coração que conhece as coisas e as pessoas. No entanto, ele que é do mais racional que há, é mais capaz de chorar num filme do que eu. 

Eu e ele já dissemos tudo sobre as partes que odiamos um no outro. Também dizemos muito sobre as partes que amamos um no outro, com e sem palavras. Fiz-lhe confissões que não pude fazer a mais ninguém, não fui capaz. Eu digo muitas vezes a palavra medo e tenho medo de muitas coisas, ele raramente a pronuncia. Ele vem do mundo rural mas vive há mais de 30 anos numa cidade. Eu não venho bem de parte alguma mas sempre vivi em cidades, embora sonhe românticamente com o mundo rural, consciente da fragilidade do meu próprio sonho.

Somos um casal singular. À luz do estado português não somos nada um ao outro, não temos o mesmo domicilio fiscal, a mesma morada para a água ou a luz. Não temos modo de provar que vivemos em união de facto. Provavelmente é só união, não é de facto.

Quando começou pensei que acabaria no dia seguinte e pensei assim durante muito tempo, talvez nos 3 primeiros destes dez que se avizinham. Penso sempre que posso viver sem ele mas quando experimentei viver sem ele, isso custou-me muito. Eu e ele somos pessoas muito senhoras de si, do que queremos, de como queremos, custa-nos ceder. Eu faço-o às vezes para o ver feliz e creio que ele também. Noutras não cedemos, não queremos.

Somos um casal singular, não temos filhos em comum, nem casas, nem carros, a única coisa a juntar-nos é a vontade de um beijo, de um abraço, dois dedos de conversa e muita vontade de ir ao teatro.

~CC~